Setores de empresários que criticaram governo tiveram R$ 90 bi em isenções

Os setores do agronegócio e dos combustíveis, representados por empresários que criticaram duramente a MP do PIS/Cofins apresentada pelo governo federal, estão entre os maiores beneficiários de isenção fiscal no Brasil. Graças à desoneração, os setores deixaram de pagar R$ 90,8 bilhões em impostos no ano passado, segundo o TCU.

O que aconteceu

O governo federal foi chamado de "desgoverno" pelo presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), João Martins. Além dele, dezenas de associações do agro divulgaram manifesto contra a MP.

O setor, porém, foi o segundo mais beneficiado com isenções em 2023 e deixou de pagar R$ 59,7 bilhões em impostos. Os números são do TCU (Tribunal de Contas da União), que criticou o volume de desonerações no Brasil ao aprovar com ressalvas as contas de 2023 do governo federal.

No geral, o agronegócio deixa de recolher impostos em várias atividades: comercialização de um conjunto de alimentos vendidos no mercado interno, exportação, aquisição de insumos como adubo, fertilizantes e mudas e até importação de agrotóxicos.

Outro setor que criticou bastante a MP de Haddad, mas recebeu benefícios bilionários, foi o de combustíveis. Rubens Ometto, presidente do Conselho de Administração da Cosan, afirmou que o governo "está mordendo pelas bordas".

As empresas de combustíveis, porém, tiveram incentivos de R$ 31,1 bilhões no ano passado. O valor coloca o setor, que engloba óleo diesel, biodiesel, gás liquefeito de petróleo, álcool, querosene de aviação, gás natural veicular e gasolina, como o quinto mais beneficiado pelo governo, de acordo com o relatório do TCU.

Procuradas, as assessorias da Cosan e da CNA não responderam até a publicação desta reportagem.

Eu não quero falar com o presidente Lula. Eu me recuso a falar com o presidente Lula, porque nós estamos vivendo um desgoverno.
João Martins, presidente da CNA, durante almoço da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária)

Do jeito que está, com o governo metendo a mão, querendo taxar tudo, e com os juros desse jeito, não dá.
Rubens Ometto, presidente do Conselho da Cosan, durante evento do Esfera

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O setor de combustíveis foi o quinto que mais recebeu benefícios fiscais ano passado
O setor de combustíveis foi o quinto que mais recebeu benefícios fiscais ano passado Imagem: Getty Images/iStockphoto

Maior renúncia fiscal desde 2016

O governo Lula foi criticado mesmo sendo o que mais deu incentivos nos últimos anos. O montante de R$ 518,9 bilhões em benefícios é o maior desde 2016. Na prática, o fisco deixou de arrecadar mais de meio trilhão ano passado.

A renúncia fiscal de 2023 superou o ano anterior em 8,2%. Nos últimos oito anos Lula só não concedeu mais incentivos que a última gestão petista: Dilma Rousseff (PT) governou o Brasil até 2016, ano em que sofreu impeachment.

Somados, os setores de combustíveis e o agronegócio abocanharam 17,5% dos incentivos concedidos no país. Eles aparecem à frente da indústria automobilística, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos e das pesquisas científicas.

Ao analisar as contas do primeiro ano da gestão Lula, o TCU foi unânime em condenar o volume total de isenções. Houve sugestão de que não sejam aprovados novos benefícios fiscais. Também foi pedido o estabelecimento de contrapartida das empresas.

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Com esses mesmos R$ 519 bilhões, seria possível neutralizar a expansão da Dívida Pública Federal ocorrida em 2023, ou ampliar mais de três vezes o Programa Bolsa Família, ou ainda cobrir com folga o déficit de todos os sistemas previdenciários do ano passado.
ministro Vital do Rêgo, relator do parecer no TCU sobre as contas do governo

Veja abaixo o top 5 de incentivos fiscais em 2023:

  • Simples Nacional - R$ 112,6 bilhões;
  • Agricultura e Agroindústria - R$ 59,7 bilhões;
  • Rendimentos isentos não tributáveis - R$ 45,1 bilhões;
  • Entidades sem fim lucrativos - R$ 41,1 bilhões;
  • Combustíveis - R$ 31,1 bilhões;

MP no centro das insatisfações

Os empresários subiram o tom contra o governo após o envio da MP do PIS/Cofins. A proposta poderia afetar os setores de alimentação, bebidas e agronegócio. A medida provisória foi a maneira encontrada pelo Ministério da Fazenda para compensar a perda de arrecadação com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de municípios com até 156 mil habitantes.

O crédito de PIS/Cofins é um benefício fiscal que pode ser usado para abater débitos de outros impostos. A benesse é concedida com objetivo de estimular alguns setores econômicos e reduz a arrecadação, já que pode ser deduzida do imposto a pagar. A MP, porém, restringia esse abatimento e foi apelidada de "MP do fim do mundo".

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Em meio à pressão de diversos setores, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) devolveu a MP. Na prática, a decisão retira a efetividade da proposta.

Símbolo do corte de despesas, Simone Tebet apareceu ao lado de Haddad esta semana
Símbolo do corte de despesas, Simone Tebet apareceu ao lado de Haddad esta semana Imagem: Diogo Zacarias/MF/Divulgação

Enfraquecimento de Haddad e novo rumo

Esta foi a segunda MP editada por Fernando Haddad que gerou reclamações e obrigou o governo a recuar. Em 28 de dezembro, o ministro da Fazenda anunciou uma MP que retomava a cobrança de impostos na folha de pagamentos de 17 setores. As críticas foram tão grandes que a proposta foi desidratada.

Com este segundo revés, houve até especulação sobre a queda de Haddad. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, uma espécie de porta-voz do mercado financeiro, classificou uma eventual saída do ministro como "uma tragédia". Da Europa, onde participa de agendas internacionais, o presidente Lula (PT) chamou Haddad de "extraordinário" e disse que o ministro só estava tentando ajudar os empresários.

O descontentamento dos empresários fez o governo mudar de postura. O Planalto resistia a alcançar o equilíbrio fiscal cortando despesas. Até então, o esforço foi somente para aumentar a arrecadação.

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Diante da reação à MP do PIS/Confins, Haddad acenou com possibilidade de diminuir os gastos do governo. A sinalização deste caminho se personificou na ministra do Planejamento, Simone Tebet. Defensora da diminuição do corte de despesas, ela andava escanteada e apareceu ao lado de Haddad nesta semana.

A alteração na rota responde enorme pressão empresarial. A Frente Parlamentar da Agropecuária recebeu representantes de 56 setores para um almoço na última terça-feira (11). Todos teceram críticas à MP do PIS/Cofins.

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