Após atingir maior valor desde março de 2021, para onde vai o dólar?
Na semana que passou, o dólar deu um susto em quem está planejando viajar ao exterior ou fazer uma comprinha de um produto importado. A cotação atingiu, na segunda-feira (5), o maior nível desde março de 2021: R$ 5,7412. Acabou recuando um pouco ao longo dos dias e terminou a sexta em R$ 5,5151.
Nesse cenário, como se planejar para honrar compromissos futuros em dólar? O UOL conversou com especialistas para saber quais são as previsões para a moeda americana nos próximos meses e qual é a melhor estratégia para se proteger.
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O que aconteceu?
O dólar comercial subiu 0,56%, na segunda (5), para R$ 5,7412, maior valor desde março de 2021. O turismo avançou 0,37% no mesmo dia, para R$ 5,953 na venda.
Dois foram os principais motivos para a disparada no começo da semana. Primeiro, o recente aumento dos juros no Japão, que levou investidores que pegavam dinheiro emprestado a juros baixos no país asiático para aplicar no Brasil a correr para fazer o caminho de volta. Segundo, o medo de recessão nos Estados Unidos, locomotiva da economia mundial.
Aversão ao risco cresce no mundo. As incertezas sobre a economia americana, somadas à falta de solução para a guerra da Rússia na Ucrânia e de Israel contra o grupo terrorista Hamas, deixam os grandes investidores internacionais mais avessos ao risco. Eles então procuram abrigo no dólar, tido como a moeda mais segura do mundo. "Quem tem moedas como o real acaba indo para o dólar", explica Bernardo Brites, presidente da Trace Finance, uma fintech de câmbio para empresas. Com esse movimento, a cotação da moeda americana dispara.
Também há importantes fatores domésticos afetando o real. Um deles é a incerteza quanto ao arcabouço fiscal, que faz com que a moeda brasileira perdesse mais valor do que outras em um momento de tensão global, segundo Adauto Lima, economista-chefe da empresa de transferências internacionais Western Asset.
O movimento que fez com que o real se descolasse de outras moedas emergentes foi a mudança nas regras fiscais de 2025, o que aumentou o risco Brasil. Além disso, a votação no Banco Central, que dividiu os diretores sobre a decisão de diminuir ou não os juros, aumentou ainda mais esse risco.
Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset
O dólar vai continuar subindo?
Fazer projeções para a taxa de câmbio, especialmente no Brasil, é um trabalho muito difícil. Muitos eventos impossíveis de prever — como guerras — afetam as cotações.
A estimativa mais comum do mercado financeiro é a que aparece no Relatório Focus, no Banco Central. Essa projeção é obtida a partir de uma pesquisa semanal que o BC faz com analistas de instituições financeiras. A última edição, publicada na segunda passada (5) antes do pânico global, colocava uma estimativa de R$ 5,30 para o dólar no final deste ano — 125 analistas foram ouvidos. Há um mês, tal projeção era menor, de R$ 5,20. Para o final de 2025, a atual projeção é de R$ 5,30; para 2026, R$ 5,25, mesmo valor estimado para o final de 2027.
Projeção de R$ 5,50. Os economistas do C6 Bank acreditam que o dólar deve terminar o ano valendo R$5,50, valor muito próximo do fechamento desta sexta-feira. "Hoje a gente projeta um câmbio no final do ano a R$ 5,50 e no final do ano que vem a R$5,80. A gente sabe que câmbio, principalmente no curto prazo, é difícil de projetar, pode ter oscilações para cá e para lá, mas estamos confortáveis com esse número de R$ 5,50 para o final do ano", diz Cláudia Moreno, economista do C6 Bank.
"Não acho loucura ir para R$ 6". Bernardo Brites, CEO da Trace Finance, Fintech de Câmbio acredita que, ainda esse ano, a moeda pode ter uma taxa de câmbio ainda maior do que foi registrado na manhã desta segunda-feira. Ele diz que a política interna de aumento da arrecadação proposta pelo governo federal alinhado à queda na economia americana podem causar esse aumento.
Desvalorização do real pode interferir na Selic. Uma das maiores instituições financeiras do Brasil, o Itaú BBA emitiu um comunicado sobre suas perspectivas para a economia brasileira, com foco na taxa de juros e na cotação do real. O banco alerta que se a cotação do real não se fortalecer pode ser necessário um novo ciclo de alta dos juros, com a Selic começando a subir a partir de setembro.
Fazer esse tipo de previsão, contudo, não é fácil. O economista da Western Asset, explica que ainda não é possível afirmar que a economia americana passará por uma recessão. O impacto desse fenômeno ou talvez até de um crescimento econômico dos EUA no dólar no Brasil não é linear e depende de vários outros fatores.
Muitas pessoas questionam se o dólar deve chegar a R$ 6. Eu acho difícil, por conta de fatores externos. Se por acaso isso acontecer, será mais por conta de fatores internos aqui, como a questão do medo de um cenário fiscal ruim.
Marcos Weigt, Head da tesouraria do Travelex Bank
O que pode interferir nas projeções
Fatores globais. Conflitos armados em regiões produtoras de petróleo e áreas de escoamento de mercadorias, como o Oriente Médio atualmente, além de situações econômicas negativas e movimentos de aumento ou diminuição das taxas de juros em países-chave, como Estados Unidos, Japão e China, são alguns dos fatores externos que podem influenciar o valor do dólar no Brasil.
Quando a gente pensa em fatores globais, o que poderia mexer com essa minha expectativa do câmbio é quanto que o Banco Central Americano vai cortar os juros e quando. Em um cenário que ele corta mais juros, isso acaba trazendo um alívio para o real. Você acaba tendo um movimento de dólar global mais fraco, e isso alivia o real aqui também.
Cláudia Moreno, economista do C6 Bank
Aversão ao risco prejudica mercados emergentes. Quando operadores do mercado desenvolvem uma grande aversão ao risco de perda de capital, tendem a retirar seu dinheiro de países emergentes e direcioná-lo para locais considerados mais seguros. O Brasil, nesse contexto, é um dos países que sofre com a desvalorização de sua moeda nesse tipo de cenário.
Fatores domésticos também interferem no preço do dólar. Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, comenta que, no Brasil, o mercado financeiro está bastante atento à política fiscal do país. Assim, não apenas declarações, mas ações concretas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, e do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto podem influenciar a percepção dos investidores sobre o risco de atuar no Brasil e, consequentemente, o valor da taxa de câmbio
Como alcançaremos o déficit primário zero se as despesas estão crescendo muito mais rapidamente? O governo tem falado sobre cortes, mas isso não tem sido suficiente para equilibrar as contas. Eu espero que o governo aumente esse contingenciamento para algo mais de R$ 30 bi.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital