Envelhecimento populacional amplia debate sobre nova reforma da Previdência
Alexandre Novais Garcia
Do UOL, em São Paulo
04/09/2024 05h30
Menos de cinco anos após a mudança das regras para conquistar a aposentadoria, a necessidade de uma nova reforma da Previdência volta aos holofotes. As discussões consideram o acelerado ritmo de envelhecimento da população brasileira nos últimos anos. No entanto, reformas constantes prejudicam a credibilidade da previdência, dizem especialistas.
O que aconteceu
Proporção de idosos no Brasil quase duplicou em 23 anos. Entre 2000 e 2023, o total de residentes com 60 anos ou mais saltou de 8,7% para 15,6%. Segundo as projeções apresentadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 37,8% dos habitantes do país serão idosos em 2070.
Expectativa de vida dos brasileiros subiu para 76,4 anos. A longevidade ao nascer aumentou 5,3 anos desde a virada do século. O valor deve se manter em alta e alcançar 83,9 anos em 2070. A idade média da população também cresceu, de 28,3 anos para 35,5 anos, nos últimos 23 anos e deve chegar a 48,4 anos nas próximas cinco décadas.
Brasil terá 220,4 milhões de habitantes no pico populacional. Com as projeções de redução das taxas de fecundidade, o número de brasileiros crescerá mais lentamente até 2041, quando a população atingirá seu valor máximo. A partir de então, o país terá, anualmente, um número menor de pessoas, segundo o IBGE.
Dados reforçam alteração da pirâmide etária dos brasileiros. "O Brasil teve, por muito tempo, um bônus demográfico, com um crescimento da população que supriria o volume de gastos previdenciários", recorda o educador financeiro Fernando Lamounier ao classificar o cenário atual como "preocupante". ""Os dados indicam uma transição demográfica mais acelerada, e pressões no financiamento da previdência", complementa Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, especialista na área previdenciária.
Nova reforma é necessária?
Evoluções abrem caminho para nova reforma da Previdência. As projeções do IBGE acendem um sinal de alerta no setor público para as alterações, apenas cinco anos desde as últimas mudanças no sistema de aposentadorias. "Logo vai haver uma próxima reforma", prevê Wagner Balera, ex-procurador do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Nós estamos em um verdadeiro beco sem saída, porque não vai haver dinheiro para sustentar o sistema.
Wagner Balera, ex-procurador do INSS
Mudanças frequentes prejudicam o sistema previdenciário. Balera explica que as reformas constantes criam "insegurança jurídica". "As pessoas passam a desconfiar da previdência", alerta o autor de mais de 30 livros sobre direito previdenciário. Ele avalai que os ingressantes no mercado de trabalho atual já desacreditam na possibilidade de conquistar algo no futuro a partir das contribuições.
Custo político atrapalha criação de normas mais rígidas. Consideradas impopulares, os modelos adequados de reforma travam no temor pela queda de popularidade dos agentes que devem liderar as modificações. "Na situação em que estamos, tem que haver o corte na carne, que vai afetar o brasileiro real. O tema é muito importante e deliciado, mas o fator político dificulta o andamento das propostas", lamenta Lamounier
Iniciativa pela mudança não deve partir do governo atual. Balera recorda que o presidente Lula integrou o grupo de trabalho que regulamentou o regime geral da previdência após a Constituição de 1988 e reforça que o petista foi contra a adesão de idade mínima maior para concessão das aposentadorias. "Seria estúpido pensar que um operário vai jogar contra os trabalhadores", avalia.
O que pode mudar
Idade mínima para aposentadorias é ponto central do debate. A evolução da expectativa de vida torna necessária a adoção de uma regra mais severa para a concessão do benefício aos trabalhadores. Após a reforma de 2019, ficou definido que mulheres tenham ao menos 62 anos e 15 anos de contribuição para se aposentar. Para homens, são 65 anos e 20 anos de contribuição. "Se a gente está vivendo mais, é natural que tenha uma elevação da idade mínima", diz Lamounier.
Exemplo de transição pode vir de outros países. Com a evolução global do envelhecimento e a redução da população economicamente ativa para bancar os regimes de aposentadorias, algumas nações já adotaram modelos para limitar o rombo dos sistemas. "Alguns países têm mecanismos que ajustam automaticamente os benefícios de acordo com a demografia, seja o valor do benefício ou a idade de aposentadoria", conta Nery. Balera cita o exemplo do Reino Unido, que fez uma reforma para elevar a idade mínima a cada três anos.
Privilégios devem ser cortados, dizem os especialistas. Nery reconhece que as projeções mais preocupantes envolvem o regime geral, mas defende a redução da "desigualdade" do sistema. "A palavra geral significa que tem que ser algo comum a todos", cobra Balera ao mencionar as normas mais amenas para a aposentadoria de grupos específicos.
Ainda há privilégios nos regimes dos servidores e militares. É difícil aceitar mudança focada em quem ganha um salário mínimo quando militares seguem se aposentando antes dos 50 anos com o maior salário da carreira.
Pedro Nery, consultor legislativo do Senado