Novo consignado usa FGTS como garantia e gera polêmica; entenda


Desde que foi anunciado, na última sexta-feira, a modalidade de empréstimo consignado para trabalhadores com carteira assinada e microempreendedores individuais (MEIs) têm gerado um debate que reverberou principalmente nas redes sociais.
O novo consignado oferece juros menores que outras modalidades de crédito. No entanto, para obter o dinheiro, o tomador precisará dar 10% do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) como garantia ou, em caso de demissão, a multa rescisória.
E é o uso do fundo que tem sido objeto de discussão. A principal questão levantada é se seria justo que o trabalhador, impedido de sacar o próprio dinheiro em algumas situações, tenha que oferecê-lo como garantia a um banco para conseguir crédito. Até o momento, mais de 48 mil pessoas contratam R$ 340,3 mi no novo consignado.
O que aconteceu
Embora o uso do FGTS como garantia esteja previsto na MP, a regulamentação formal só deve ocorrer em junho. Isso por si só já levanta discussões, pois as críticas consideram que o trabalhador oferecerá parte do fundo sem que as regras estejam totalmente definidas.
Se o trabalhador tem R$ 100 mil de saldo no FGTS e vinculou R$ 50 mil como garantia no contrato, em caso de demissão, ele só vai poder sacar os outros R$ 50 mil. A parte garantida vai direto para o banco, para quitar ou abater a dívida.
Bruno Minoru Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados e especialista em direito do trabalho
Endividamento dos trabalhadores pode aumentar. Apesar da limitação de um único crédito consignado por vínculo de trabalho, trabalhadores com dificuldades financeiras podem recorrer a outros empréstimos para cobrir suas despesas. E o resultado pode ser um maior endividamento num país com dados altos de inadimplência. Segundo levantamento do Serasa, o Brasil registrou 74,6 milhões de endividados em janeiro, um aumento de 1,48% em relação a dezembro de 2024. Dados da Quaest indicam que 77% da população de baixa renda está endividada.
Não há risco para o banco como há para os trabalhadores. Críticos à medida também dizem que, apesar de as parcelas do consignado não poderem ultrapassar 35% do salário do trabalhador, assim como qualquer consignado, elas serão descontadas diretamente na folha de pagamento. Caso o vínculo empregatício seja suspenso ou encerrado, o débito poderá ser transferido para um novo emprego ou renegociado com a instituição financeira. Se todas as alternativas falharem, o FGTS servirá como garantia final para o pagamento. Ou seja, não há como o banco não receber o valor emprestado.
Trabalhador não pode sacar o benefício. O principal ponto de crítica é que, enquanto o saque do FGTS segue restrito para os trabalhadores, ele pode ser oferecido como garantia para instituições bancárias. Para críticos, o modelo se assemelha a um empréstimo onde o trabalhador usa seu próprio dinheiro e ainda paga juros por ele. "O agiota não tem coragem de fazer uma coisa dessa. Se você pedir para ele te emprestar um dinheiro que é seu, ele vai te chamar de burro", disse Raul Sena em vídeo publicado em seu canal no YouTube, que tem mais de 1,3 milhão de inscritos. Sena é fundador do Grupo Investidor Sardinha, plataforma de educação financeira.
FGTS deveria ser sacado?
O FGTS é um depósito feito pelo empregador. Diferente do que muitos pensam, o FGTS não é descontado do salário do trabalhador. Trata-se de um depósito mensal obrigatório feito pelo empregador, correspondente a 8% do total bruto das verbas salariais, incluindo adicionais como horas extras e adicional noturno. Para contratos de aprendizagem, o percentual é reduzido para 2%.
Se não fosse essa obrigatoriedade [de depósito do empregador], as pessoas não teriam essa reserva.
Pedro Faria, economista
O FGTS financia políticas públicas. Parte significativa dos recursos do fundo é utilizada para financiar habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. Programas como o Minha Casa Minha Vida dependem desses valores para garantir acesso à moradia. Além disso, o FGTS contribui para obras de redes de esgoto, pavimentação e construção de viadutos. O FI-FGTS, por sua vez, direciona recursos para grandes projetos de infraestrutura, como rodovias, portos e energia.
Uso do FGTS como garantia divide opiniões. Para Faria, críticas sobre a impossibilidade de saque irrestrito não levam em conta a função do fundo no financiamento de políticas públicas. Ele defende que, como medida temporária, permitir o uso do FGTS como garantia pode ser positivo ao possibilitar a troca de dívidas caras por outras com juros menores. "Não é ideal usar o fundo de garantia para isso porque afeta as políticas públicas que ajudam trabalhadores na outra ponta", afirma.