Anfavea suaviza discurso contra importados, espera novas regras para setor este mês
SÃO PAULO (Reuters) - A associação de fabricantes de veículos do Brasil, Anfavea, moderou o tom contra produtos importados no país nesta sexta-feira, após manifestar no mês passado preocupação com o que chamou de "invasão de produtos asiáticos" e cobrando o governo a impor medidas que restrinjam importações.
Ao longo dos últimos meses, o setor tem manifestado incômodo com o crescente fluxo de importações de veículos, principalmente elétricos e híbridos, no Brasil, trazidos por empresas chinesas como BYD e GWM, que têm promessas de investimentos de bilhões de reais no país.
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As importações de veículos no Brasil devem encerrar o ano em 323 mil unidades, segundo expectativa revisada para cima nesta sexta-feira pela Anfavea, crescimento de 18% sobre 2022. Enquanto isso, a projeção de vendas de modelos nacionais é de 1,9 milhão de veículos, alta de 4,15%.
O aumento dessas importações tem sido puxado pelos modelos elétricos e híbridos, que ainda são uma novidade em um mercado em que a indústria local defende ferrenhamente já há duas décadas sua tecnologia de motorização flex.
Se no mês anterior o presidente da Anfavea, Márcio Leite, oriundo do grupo Stellantis, afirmou que as importações "são uma ameaça", nesta sexta-feira o executivo moderou o tom e disse que a "a China passou a ser um 'player' no Brasil como qualquer outro".
As montadoras locais tinham uma expectativa de que o governo federal lançasse a medida de retorno gradual do Imposto de Importação de 35% sobre os veículos elétricos no mês passado, junto com novas regras para o programa Rota 2030 com exigências mais duras contra emissões de poluentes. O próprio secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), Uallace Moreira, havia afirmado à Reuters em 15 de setembro que a alíquota do tributo seria restabelecida "em breve".
Agora, Leite disse que espera que o governo lance a nova fase do Rota 2030 "neste mês", mas não deu detalhes.
O segmento de veículos eletrificados, que se apoia na promessa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de incentivar a descarbonização da economia, criticou no mês passado os comentários da Anfavea, citando que a visão de "invasão chinesa", que também tem preocupado montadoras na Europa, deve-se a "questões comerciais".
Nesta sexta-feira, o presidente da Anfavea afirmou que "GWM e BYD são exemplos do que nós da associação de fabricantes queremos", ao se referir aos investimentos de 10 bilhões e 3 bilhões de reais prometidos respectivamente pelas duas empresas no Brasil.
"E é por isso que defendemos a recomposição de tarifas e que estas empresas tenham limite para importar sem imposto de importação para que possam aumentar a demanda", disse ele, citando ser "natural" para novas empresas no país iniciarem suas atividades via importações.
A GWM promete iniciar produção de sua fábrica no interior de São Paulo em meados de 2024 e a BYD marcou para a próxima semana o lançamento da pedra fundamental de sua fábrica em Camaçari (BA), em terreno antes ocupado pela Ford.
Questionado sobre qual é a defesa da Anfavea para as cotas de importação livres de imposto, Leite disse que a entidade não apresentou essa demanda ao governo. "Nunca apresentamos proposta clara sobre isso...Defendemos cotas para que essas empresas possam competir, mas que isso não afete novos investimentos em produção local."
Porém, o presidente da Anfavea afirmou que, no caso dos veículos que chegam desmontados para serem finalizados em fábricas nacionais, os chamados "CKDs", "historicamente tem um diferencial de alíquota em relação ao produto acabado exatamente para estimular algum nível de produção local". "Há uma expectativa que haja uma diferença entre os dois", disse.
AÇO
Já sobre outra "recomposição" de tarifa de Imposto de Importação, desta vez sobre o aço, Leite afirmou que a Anfavea quer participar da discussão, por ser responsável pelo consumo de 25% da liga produzida por siderúrgicas nacionais como CSN, Usiminas, Gerdau e ArcelorMittal.
Assim como as montadoras, as siderúrgicas locais reclamam há meses contra o aumento das importações de aço no Brasil e no final do mês passado ameaçaram com demissões se o governo não impor 25% de tarifa sobre aço produzido fora do país.
"O setor do aço é parceiro do setor automotivo...Queremos trabalhar em conjunto para encontrar solução que mantenha o setor do aço competitivo, mas que também não haja perda de competitividade para indústria automotiva", disse o presidente da Anfavea.
PROJEÇÕES
A Anfavea elevou nesta sexta-feira sua expectativa para as vendas no mercado interno em 2023, mas quase zerou a previsão para o desempenho da produção em meio ao incremento das importações e recuo mais acentuado que o esperado no início do ano das exportações.
A entidade agora estima alta de 6% nas vendas de veículos novos este ano, a 2,23 milhões de unidades, ante expectativa de janeiro de crescimento de 3%.
A projeção de queda de 11,1% nos licenciamentos caminhões e ônibus, a 128 mil unidades, foi mantida em relação ao início de 2023. A expectativa para carros, picapes, utilitários (SUV) e vans comerciais subiu de alta de 4,1% para expansão de 7,2%, a 2,1 milhões de unidades.
Segundo a Anfavea, o crescimento na expectativa de vendas decorre principalmente do avanço das importações, que atingiram ao final de setembro 14,5% de participação no total das vendas, nível mais alto desde pelo menos 2020, puxadas por carros e utilitários.
Já as vendas ao mercado externo tiveram expectativa de queda ampliada de 2,9% para tombo de 12,7%, a 420 mil unidades. Segundo a Anfavea, mercados tradicionais dos veículos brasileiros na América Latina, como Argentina, Colômbia, Peru, México e Chile, estão sofrendo incremento de importações de produtos fabricados em outras regiões, principalmente da Ásia.
Além disso, na Argentina, que vive uma crise econômica, a Anfavea afirmou que o governo local tem restringido permissões de importações, chegando a ficar agosto e setembro sem dar autorizações para internalização de veículos do Brasil. A situação gerou um acúmulo de 20 mil veículos esperando permissão para entrar na Argentina no final de setembro, segundo dados da Anfavea, situação que foi reduzida para 10 mil atualmente.
Com a expectativa de queda mais acentuada das exportações e incremento de importações, a estimativa para a produção nacional de veículos caiu de alta de 2,2% em 2023, para oscilação positiva de 0,1%, a 2,37 milhões de unidades, segundo a Anfavea.
SETEMBRO
O presidente da Anfavea disse que o mercado brasileiro de veículos continua com "boa performance" no início de outubro após um mês de setembro em que os licenciamentos caíram cerca de 5% sobre agosto, quando houve um impulso por recursos do governo que incentivaram as vendas.
"O mercado continua com boa performance em termos de média diária de emplacamentos", afirmou o presidente da Anfavea, Márcio Lima Leite, em apresentação a jornalistas.
Segundo ele, as vendas de veículos novos por dia útil de setembro foram as melhores do ano, a 9,9 mil unidades, ficando atrás apenas dos 10,7 mil emplacamentos de julho, quando o setor foi beneficiado por medida provisória que incentivou as vendas.
Porém, os estoques de veículos novos em setembro somaram 265,8 mil unidades, equivalente a 40 dias de vendas, 8,6% acima dos inventários de agosto, apesar da produção do mês passado ter caído 8% ante o mês anterior.
"Houve aumento importante (nos estoques) e que precisa ser acompanhado para que não ocorra interrupção de produção para ajuste deste estoque", disse o presidente da Anfavea.
(Por Alberto Alerigi Jr.)