Investigado por ligação com Hezbollah diz à PF que foi recrutado no Brasil para "matar e sequestrar"
Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - Um dos investigados pela Polícia Federal por suspeita de ligação com o Hezbollah afirmou em depoimento que, em viagem que fez a Beirute em abril após ser recrutado no Brasil, encontrou-se reservadamente com o que seria um chefe da organização que lhe disse que "precisava de gente capaz de matar e sequestrar", segundo transcrição do depoimento vista pela Reuters.
Relacionadas
A PF prendeu duas pessoas em uma operação na quarta-feira para desmembrar uma suposta célula do grupo militante libanês Hezbollah que estaria planejando ataques a alvos judaicos no Brasil. A agência de espionagem israelense Mossad disse em uma declaração que ajudou o Brasil a frustrar um ataque.
A transcrição do depoimento, que ocorreu na própria quarta-feira, aponta que o "então chefe" disse ao investigado que "não era uma atividade limpa" e que ele "precisava de gente capaz de matar e sequestrar".
O investigado disse aos policiais ter desconversado e dado a entender que não tinha capacidade de praticar aqueles atos criminosos, no que foi questionado que ele não estava sendo claro. O depoente, segundo contou à PF, então "olhou para o chefe e falou claramente: 'eu não sou a pessoa certa para realizar este serviço', e afirmou que não queria desperdiçar o tempo deles".
Segundo o depoente, o chefe "gostou da sinceridade do declarante" e disse que ele não iria sair do Líbano sem aprender algumas coisas. O investigado afirmou ter sido instruído pelo chefe por aproximadamente cinco horas por "instruções para a vida".
O investigado informou à PF que não tinha advogado e pretendia prestar declarações mesmo sem um representante. As declarações vistas pela Reuters, obtida com fonte da PF, estão tarjadas de preto em partes sensíveis que estão sob investigação. O nome do investigado também não foi divulgado.
Procurada, a assessoria da PF disse que não vai comentar o depoimento.
Durante as quatro páginas de transcrição do depoimento, o alvo da operação da PF narrou como foi recrutado no Brasil e viajou para Beirute em abril. Ele detalhou as estratagemas para pegar o voo até a capital libanesa, ficar descansando em hotel no primeiro dia, tendo sido contactado por um número de WhatsApp paraguaio, até o encontro secreto que teve com o que seria um chefe da organização.
O suspeito disse que, antes da viagem para Beirute, ele conheceu alguém em São Paulo que forneceu 400 dólares em dinheiro e 200 reais para a viagem, durante a qual foram cobertos os custos com voos e hotéis. Na viagem, o suspeito descreveu ter recebido 600 dólares adicionais e uma oferta para adquirir um táxi no Brasil "para trabalhar na coleta de informações das pessoas".
Segundo o depoente, o recrutador -- sobre quem disse não possuir nenhum dado dele -- seria um indivíduo "branco, aproximadamente 1,87m, aparentava por volta de 42 anos de idade, cabelos castanhos bem claros, nariz grande, magro, barba clara".
Para despistar eventuais vínculos com o grupo, antes de retornar ao Brasil o investigado fez turismo e tirou fotos para indicar que sua viagem ao país seria para turismo. Segundo o depoente, ele somente descobriu que a organização poderia ser o Hezbollah quando já estava no Brasil ao fazer uma pesquisa pela internet. Ele contou ter sido remunerado em vários momentos das negociações.