Governo diz que pacote fiscal economizará R$327 bi em 6 anos e preservará arcabouço, mercado desconfia
Por Marcela Ayres e Eduardo Simões
BRASÍLIA/SÃO PAULO (Reuters) - O governo detalhou nesta quinta-feira seu pacote fiscal esboçado na véspera, argumentando que as medidas assegurarão a estabilidade do arcabouço fiscal ao trazer uma economia de 71,9 bilhões de reais nos próximos dois anos, com impacto estimado de 327 bilhões de reais até 2030.
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Os mercados financeiros, que já haviam reagido mal à divulgação das linhas gerais do pacote na quarta-feira, seguiam sob forte pressão, com analistas questionando o alcance das medidas, que vieram acompanhadas de mudanças nas regras do imposto de renda.
Entras as propostas de ordem estrutural com impacto fiscal mais relevante, o governo apresentou uma mudança na regra do reajuste do salário mínimo, estabelecendo que o aumento real anual não pode superar 2,5%, em linha com o arcabouço fiscal. Os reajustes acima da inflação seguirão acompanhando o crescimento da economia de dois anos antes, agora com esse teto. A economia no pagamento dos benefícios previdenciários atrelados ao mínimo foi estimada em 11,9 bilhões de reais nos próximos dois anos.
"O objetivo dessa medida (do salário mínimo) é circunscrever o crescimento de despesas obrigatórias ao limite do arcabouço fiscal", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva. "Nós temos que fazer isso com todo o Orçamento, do meu ponto de vista, para reencontrarmos o equilíbrio fiscal e fazer o país crescer com sustentabilidade."
O Benefício de Prestação Continuada, pago a aposentados e pessoas com deficiência de baixa renda e cujos repasses têm disparado no período recente, sofrerá um aperto nos critérios de renda para o acesso ao benefício, com impacto calculado em 4 bilhões de reais até 2026.
O governo também estimou ganhos de 5 bilhões de reais nesse horizonte com regras mais rígidas para a concessão de benefícios sociais, com a cobrança de biometria.
As emendas orçamentárias parlamentares sofrerão algumas limitações, com impacto estimado de 14,4 bilhões de reais nos próximos dois anos. O crescimento das emendas impositivas deverão respeitar regra do arcabouço fiscal e as emendas não impositivas não poderão ter aumento real. Metade do valor das emendas de comissão deverá ser destinado ao SUS.
Mudanças nas regras da aposentadoria dos militares, que entraram na discussão do pacote na última semana com a justificativa de que seria importante que as forças militares também dessem sua contribuição ao esforço fiscal, terão um impacto limitado para a redução de despesas, de 2 bilhões de reais até 2026. A principal medida é a imposição de uma idade mínima de 55 anos para a entrada na reserva dos militares.
Todas essas medidas serão encaminhadas por meio de projeto de lei. Haverá ainda uma Proposta de Emenda Constitucional prevendo outras mudanças, incluindo a prorrogação do mecanismo da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite ao governo realocar até 20% das receitas que seriam destinadas obrigatoriamente a áreas como educação e saúde.
Em vigor desde a década de 1990 com repetidas prorrogações, a DRU está prevista para ser encerrada em 31 de dezembro. O impacto estimado pelo governo é de 7,4 bilhões de reais em dois anos.
O governo previu, ainda, uma economia de 10,3 bilhões de reais com a determinação de que até 20% dos repasses do governo ao Fundeb (fundo de educação) possam ser gastos no ensino integral, medida que também será tratada na PEC. Também foi prevista medida para conter os chamados supersalários do funcionalismo, com a delimitação, em lei, das exceções ao teto de remuneração.
"Esse conjunto de medidas atende o arcabouço fiscal e dá segurança de seu cumprimento? Nós chegamos à conclusão de que (sim), se aprovadas essas medidas... Mas o desarranjo das contas públicas, as distorções, são tão grandes, que vamos ter que voltar a elas", disse Haddad. "Nosso trabalho não se encerra. Não acredito em bala de prata."
No final da manhã, o dólar superou os 6 reais pela primeira vez na história, enquanto o Ibovespa caía 0,8%, com o mercado reagindo negativamente ao anúncio do pacote.
"Nossa visão é de que a composição do pacote é negativa, mais tímida do que o mercado esperava, e o governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal.", disse Tiago Sbardelotto, economista da XP, prevendo que poderá ser necessária outra reforma em dois ou três anos.
IMPOSTO DE RENDA
Além de questionarem o alcance das medidas de gastos, economistas também criticavam o fato de o pacote ter incluído mudanças no imposto de renda, com a ampliação da faixa de isenção do imposto de renda da pessoa física e taxação maior para quem ganha mais.
A proposta é que a faixa de isenção passe para rendas de 5 mil reais por mês, o que geraria perdas de 35 bilhões de reais. Esse valor seria compensado, em parte, por uma taxação mínima para quem ganha acima de 600 mil reais por ano que chegaria a 10% para rendimentos de 1 milhão de reais.
Para compensar o restante, o governo terminará com a isenção de imposto de renda de aposentados que tenham problemas de saúde graves e recebam acima de 20 mil reais ao mês, e promoverá "outros ajustes", disse o governo.
"Mesmo com a promessa de maior tributação para quem ganha acima de 50 mil reais, as contas não fecham", disse Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, prevendo que a receita adicional para rendas altas "dificilmente passa de 20 bilhões de reais" e provavelmente ficará mais próximo de 10 bilhões de reais.
(Reportagem adicional de Fernando Cardoso)