Brasil é incerto mesmo

Estamos acostumados às incertezas no país, e negócios se adaptam, diz chefe da Philips Walita

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo

Alexandre Escorel, CEO da Philips Walita para América Latina, diz em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que a empresa está acostumada à incerteza no país. Segundo ele, os negócios "se adaptam".

"Estamos acostumados a ter momentos de incerteza, dificuldades, volatilidade de moeda. Isso não é novidade. Claro que, se tudo estivesse redondo e caminhando perfeitamente, provavelmente iríamos para o cenário A, mas nos adaptamos de acordo com a nossa realidade", diz o executivo.

Há um ano, a Philips vendeu sua divisão de eletrodomésticos para a chinesa Hillhouse Capital Management. Na opinião do chefe da Walita, a reforma tributária deverá reduzir os gastos do setor produtivo e aumentar o consumo, além de gerar mais empregos. "Para a área de bens duráveis, é importante esse ciclo estar bem sólido", afirma.

Outra dura realidade apontada por Escorel é o roubo de cargas. "Temos um time dedicado a analisar as rotas, um time que segue as nossas cargas. É a realidade que vivemos hoje."

O chefe da Philips Walita fala também sobre as mudanças de consumo durante a pandemia, e os investimentos da empresa em sustentabilidade.

Adaptamos as decisões ao cenário nacional

Ouça a íntegra da entrevista com Alexandre Escorel, CEO da Philips Walita para América Latina, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Cotidiano de incertezas

UOL - Como explicar à matriz, na China, as dificuldades político-econômicas do Brasil?

Alexandre Escorel - Explicar as diferenças culturais, o momento socioeconômico, é parte do nosso trabalho. E é parte do trabalho deles entender, questionar, mas respeitar as diferenças.

Vale ressaltar que o CEO global tem um carinho muito grande pelo Brasil. Ele morou sete anos aqui e fala um português muito bom. Conhece o potencial do consumidor brasileiro.

As questões políticas do Brasil interferem nos negócios?

Não interferem. É o Brasil. Estamos acostumados a momentos de incerteza, de dificuldades, volatilidade de moeda. Isso não é novidade. Claro que, se tudo estivesse redondo e caminhando perfeitamente, provavelmente estaríamos no cenário A, mas nos adaptamos de acordo com a realidade. Essas questões são bem compreendidas pela nossa matriz e não afetam o nosso dia a dia.

Então a política pesa nas decisões, já que não estamos no cenário ideal?

Sim, exatamente. O olhar da matriz é global. Eles nos perguntam como está o Brasil, como está a Índia, a China, os Estados Unidos, a Europa. Esse olhar do investidor do mundo é muito importante, e esses cenários podem retardar um pouco alguma iniciativa ou mudar um pouco o caminho, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, mas o importante é que o norte, onde queremos chegar, vamos manter.

A Philips Walita é assim:

  • Fundação

    1939 (Brasil)

  • Funcionários

    500 (Brasil)

  • Unidades

    1 fábrica (MG) e 1 centro de desenvolvimento de produtos (MG)

  • Principais concorrentes

    Arno, Oster e Philco

Brasileiro é família

UOL - O que mudou nos hábitos de consumo dos brasileiros antes da pandemia e agora?

Alexandre Escorel - A pandemia acabou acelerando essa categoria de eletroportáteis. O consumidor, ficando mais tempo em casa, desenvolveu habilidades na cozinha, tratou da limpeza da casa, os cuidados com a roupa, e isso está totalmente ligado ao nosso negócio.

Há também uma questão cultural. O brasileiro gosta de receber as pessoas, de estar próximo de amigos e da família, e a comida é vista como uma conexão.

A venda de eletrodoméstico está crescendo?

A categoria de eletroportáteis é impulsionada por inovações. Um exemplo é o das máquinas de café expresso. Com o confinamento, as pessoas não podiam ir às cafeterias. Temos uma solução que entrega um café filtrado ou um expresso com o aperto de um botão.

Essa facilidade de ter um produto que traz o resultado que o consumidor espera é onde categorias estão se desenvolvendo.

O atual momento, com alta da inflação e da taxa de juros, impacta, sim, porque isso reduz o poder aquisitivo do consumidor, principalmente para bens duráveis. Mas tentamos trabalhar com nosso centro de desenvolvimento para trazer eficiências.

Qual eletrodoméstico não pode faltar na casa do brasileiro?

A batedeira, o liquidificador, lançado pela Walita em 1944, e agora a parte de cafés.

'Tropicalização' do liquidificador

UOL - Como driblar a dificuldade do consumidor em usar tecnologia com produtos cada vez mais tecnológicos?

Alexandre Escorel - Tentamos fazer produtos que sejam fáceis de interagir. A tecnologia é muito bem aceita quando ela é simples. Não adianta você trazer um produto, colocar muitos botões e muitas interações, porque o consumidor ou não vai usar tudo ou não vai entender.

Como temos esse centro de desenvolvimento em Varginha [MG], quando existe uma inovação, o time de desenvolvimento analisa o que é preciso alterar ou adaptar para "tropicalizar" o produto.

E que tipo de produtos vocês 'tropicalizaram'?

Um deles é da categoria de liquidificadores. Existe uma plataforma global, mas, se você usar o produto vendido da Europa, ele é diferente do vendido no Brasil. Na Europa, ele tem uma jarra de 2 litros. O brasileiro precisa mais do que isso. Adaptamos a jarra para 3 litros. O brasileiro também gosta de produtos mais potentes.

Outro exemplo é que, no México, a jarra é de vidro porque eles preparam muitos molhos, com cheiro forte ou cor forte, e para isso uma jarra de vidro é bem-vinda. Aqui, a jarra resistente é a mais solicitada porque não quebra.

Divulgação Divulgação

Tentamos fazer produtos que sejam fáceis de interagir. A tecnologia é muito bem aceita quando ela é simples. Não adianta você trazer um produto, colocar muitos botões e muitas interações, porque o consumidor ou não vai usar tudo ou não vai entender.

Alexandre Escorel, CEO da Philips Walita para América Latina

Reforma tributária necessária

UOL - Quais são os desafios da indústria de eletroportáteis no Brasil?

Alexandre Escorel - Uma reforma tributária seria muito positiva se pudesse reduzir os impostos que impactam a produção local e assim trazer um produto mais acessível à população. A parte de logística também é uma que foi extremamente afetada durante a pandemia.

Os impostos e os transportes são componentes importantes na precificação. Um olhar mais atento para essas duas áreas, eu acredito, ajudaria bastante no desenvolvimento de portáteis.

A reforma tributária diminui melhora a vida do setor produtivo?

Acredito que uma reforma tributária irá trazer redução de gastos, aumento do consumo. Claro, que tudo ajustado para não prejudicar a arrecadação, mas é um ciclo positivo. Acredito muito nesse ciclo, reduzindo, reformando os impostos de uma forma que favoreça a produção, gerando emprego, e o consumidor tendo mais acesso aos produtos.

Para a área de bens duráveis, é importante esse ciclo estar bem sólido. Com a nossa fábrica local, apoiamos muito qualquer melhoria que gere mais empregos e, com isso, faça a economia girar de uma forma mais sólida e mais forte.

Nacionalizar a produção

UOL - Como a falta de insumos e componentes afetou a empresa?

Alexandre Escorel - Passamos por um período com dificuldades, mas a empresa foi muito ágil e conseguiu respostas rápidas em relação a insumos. O desenvolvimento de fornecedores locais foi um caminho superpositivo para a economia e para o nosso processo de fabricação. Enxergar dentro do produto e buscar uma melhoria, sem comprometer o resultado, nos coloca no jogo.

Qual porcentagem de produção da Walita fica no país?

Temos 70% da nossa produção na fábrica de Varginha voltada para o território nacional, os outros 30% exportamos para países da América Latina.

Dentro do contexto global de portfólio, evoluímos no processo de trazer mais produtos para a produção local. Claro que isso envolve desenvolver fornecedores, principalmente se olharmos para a parte de tecnologia.

Uma cafeteira, por exemplo, que tem um LCD que é "touch", é um processo um pouco mais longo, mas é possível. Não vou dizer 100% porque sempre existem inovações, mas queremos nacionalizar entre 85% ou 90% dos produtos.

O que vocês esperam do próximo governo para o setor?

Esperamos apoio. Ter uma fábrica local é uma vantagem competitiva. Isso gera emprego, gira a economia do local onde está a fábrica. Então, o apoio [que esperamos] do governo [é] em relação ao que já falamos, com a reforma tributária, e com abertura para podermos expandir e até exportar.

Estratégia contra roubo de cargas

UOL - Como a falta de segurança pública impacta os negócios da Walita, como o roubo de cargas?

Alexandre Escorel - Isso está totalmente inserido nas eficiências logísticas. Temos um time dedicado a analisar as rotas, um time que segue as nossas cargas. É a realidade que vivemos hoje.

Nós, brasileiros, temos esse jogo de cintura, somos flexíveis, tentamos trazer soluções e melhorias e temos que ter esse olhar de tentar minimizar ao máximo esse impacto de roubo de cargas.

Infelizmente, está todo mundo se expondo, obviamente, mas temos que ter recursos para proteger.

Mas isso aumenta o custo do produto?

Sim, isso impacta a cadeia logística, não tenha dúvida.

Quais as ações da Walita para a sustentabilidade ambiental?

Da nossa fábrica, não sai nenhum material para aterro. Tudo o que é possível é reutilizado na nossa logística de entrega ou de reciclagem. Isso também é inserido no custo, porque isso custa. Mas não abrimos mão da qualidade e de trabalhar por um mundo melhor.

A Philips Walita está muito avançada em algumas. Por exemplo: dentro de nossas embalagens, você não encontra isopor. O material custa mais caro [que o isopor], mas tudo bem, nosso olhar é saber de que formas podemos, como marca e como empresa, ter esse olhar para a sustentabilidade.

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