Respeito à saúde pública

Aqueles que falam mal do SUS podem ter a certeza de que um dia vão precisar dele, diz chefe do HCor

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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Fernando Torelly, CEO do HCor, disse em entrevista exclusiva na série UOL Líderes que "aqueles que falam mal do Sistema Único de Saúde podem ter a certeza de que um dia vão precisar dele". Ele lembrou também o orgulho dos brasileiros em mostrar as vacinas aplicadas em postos de saúde públicos.

Formado em ciências econômicas, com mestrado em administração de empresas, Torelly administra hospitais desde 1988. Durante sua carreira, atuou como vice-presidente administrativo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), superintendente do Hospital Moinhos de Vento e diretor executivo do Hospital Sírio-Libanês.

O chefe do HCor falou sobre a gestão da saúde suplementar, dos aprendizados durante a pandemia e da necessidade de considerar a indústria da saúde estratégica no país. Pediu também que os empresários invistam mais nos hospitais e Santas Casas de suas cidades.

"Respeito à saúde pública"

Ouça a íntegra da entrevista com Fernando Torelly, CEO do HCor, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Orgulho do SUS

UOL - Na sua opinião, a medicina suplementar do Brasil é satisfatória?

Fernando Torelly - A saúde suplementar é muito sadia, mas há algumas questões de marco legal que impedem que chegue a 100 milhões de brasileiros. Por exemplo, o meu plano e o da minha esposa têm cobertura para parto, mas já estamos na faixa de ter netos e não filho, mas precisamos pagar o pacote todo.

É uma discussão que tem avançado muito, mas ainda precisamos buscar alternativas para essas questões.

Lembrando que todos os 210 milhões de brasileiros têm acesso ao SUS [Sistema Único de Saúde] e alguns têm, além do SUS, a saúde suplementar. Nós todos fomos vacinados pelo SUS, e a maioria dos transplantes do Brasil é do SUS.

Aqueles que falam mal do SUS podem ter a certeza de que um dia vão precisar dele, e tiveram muito orgulho na hora de tomar a vacina fazendo isso no posto de saúde do SUS.

Como evitar as filas de atendimento dos próprios convênios de saúde?

Uma mudança fundamental é evitar que os quase 50 milhões de brasileiros que têm planos de saúde peguem suas carteirinhas e pulem de um médico para o outro, sem nenhuma gestão ou cuidado.

Outra questão importante são os históricos de saúde dos pacientes. Você não pode esperar que a pessoa hipertensa, diabética, obesa vá ao pronto-socorro e dois ou três anos depois tenha um infarto. Poderia ter evitado se as informações fossem gerenciadas.

Cada vez mais a área da saúde está focada em prevenção, medicina personalizada e preditiva.

O HCor é assim:

  • Fundação

    1976

  • Funcionários

    3.567

  • Unidades (SP)

    3 hospitalares, 1 centro de diagnósticos, 1 prédio de consultórios e 1 clínica de radioterapia

  • Receita (2021)

    R$ 933 milhões

  • Investimentos (2021)

    R$ 130,3 milhões

  • Principais concorrentes

    Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa de São Paulo, Instituto do Coração

Precisamos revolucionar o sistema de saúde

UOL - O que a indústria da saúde aprendeu com a pandemia e o que precisa mudar?

Fernando Torelly - Pela primeira vez na minha experiência na gestão de saúde, saímos do comando. Sempre tivemos o controle da operação, planejávamos quantos pacientes iríamos atender. Surge, então, um vírus novo para o qual não sabíamos qual o tratamento adequado, se havia medicação ou não e quantos pacientes iríamos receber no dia seguinte.

Os aprendizados são muitos, passam pelo uso da informação, da tecnologia, das políticas de comunicação interna, o achatamento dos níveis hierárquicos, a necessidade de ser eficiente porque não se sabe o que vai acontecer no mês que vem.

Tudo serviu de grande aprendizado para a sociedade para não voltarmos a viver o que vivíamos antes da pandemia, que era o pronto-socorro superlotado, filas de espera para as cirurgias, filas para consultas especializadas.

Como brasileiros, precisamos revolucionar o sistema de saúde, até em respeito aos mais de 600 mil mortos dessa pandemia.

E como foi o processo de ajuda entre os hospitais?

Aprendemos a ser mais eficientes, mais resilientes e a trabalhar de forma colaborativa com os outros hospitais.

Acredito que aprendemos a ter orgulho dos nossos concorrentes porque víamos os outros fazendo atividades de apoio ao SUS. Formamos um exército do bem para enfrentar um vírus desconhecido, e esse aprendizado, esse legado, continua nas nossas organizações.

Não dá para discutir o que a ciência diz

UOL - O governo brasileiro mais acertou ou errou na pandemia?

Fernando Torelly - O aprendizado agora não é para culpar quem fez A ou quem fez B. Depois que a ciência disse que é preciso vacinar, tem que vacinar, não dá para você continuar discutindo aquilo que você já tem certeza. Esse é o ponto.

Existem consensos sobre muitas coisas, óbvio que não é pleno, há pessoas que discordam, mas esse é o momento para efetivamente implementarmos políticas públicas.

Como hospitais e profissionais de saúde sofrem com a desinformação?

A desinformação certamente atrapalhou aquele cidadão que ouve as pessoas dizendo uma coisa ou outra, e ele não sabe muito bem o que fazer.

Vejo com tristeza algumas discussões que estão sendo feitas hoje porque estão prejudicando a linha de comunicação, mas fico muito feliz porque a imprensa assumiu o canal oficial de comunicação com a sociedade e fez isso quase com uma pauta única.

Quando teremos uma saúde mais igualitária em todo o país?

A formação médica e assistencial no Brasil é muito qualificada. O problema são os municípios muito pobres que não têm como remunerar um profissional médico adequado.

Para isso, surgiu a telemedicina, com a possibilidade de você estar em um posto de saúde em um rincão do Brasil e poder acessar um médico do Einstein [Hospital Israelita Albert Einstein]. Temos apenas que criar um marco legal, levando conhecimento de forma mais democrática e igualitária a todas as instituições.

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Depois que a ciência disse que é preciso vacinar, tem que vacinar, não dá para você continuar discutindo aquilo que você já tem certeza.

Fernando Torelly, CEO do HCor

Saúde ter que ser considerada assunto de segurança nacional

UOL - Quais mudanças devem ser feitas para não cairmos nos mesmos problemas do passado?

Fernando Torelly - A saúde não pode sair da manchete da imprensa, mas a agenda agora precisa ser outra, não mais covid ou influenza. É preciso falar sobre uma nova matriz estratégica do sistema de saúde.

Não dá para vir um A380 da China trazendo máscara cirúrgica porque não tem indústria nacional. Não dá para vir respirador da China, sem manual traduzido para o português, porque a nossa indústria não fabrica. Não dá para não ter medicamentos anestésicos, kit intubação. Não dá para vivermos isso.

A indústria da saúde tem que ser considerada de segurança nacional, estratégica, para que estejamos preparados para o enfrentamento de qualquer tipo de pandemia.

Como o setor tem se mobilizado com o Ministério da Saúde para levar essa demanda?

Participamos com outros hospitais do programa Proadi-SUS —Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde. Com ele, apoiamos mais de cem hospitais para que adotem protocolos de controle e redução de infecção hospitalar em UTI. A redução dos índices de infecção é mais de 50%; o número de mortes evitadas, mais de 2.000.

Há muitas coisas acontecendo. Talvez, não com uma visão realmente estruturante. Essa pauta ainda não está com a robustez necessária para que possamos daqui a cinco ou dez anos dizer à próxima geração que passamos por isso, enfrentamos, aprendemos e mudamos.

Hospital não é hotel

UOL - Nos últimos anos, houve o crescimento de marcas e hospitais de luxo. Não seria interessante investir também em hospitais mais populares?

Fernando Torelly - O HCor está investindo para modernizar suas instalações por entender que o hospital é um ambiente que tem que ter complexidade, qualidade e segurança, mas precisa ser confortável também.

Quando se fala em hospital premium, são três ou quatro. No Brasil há 6.500 hospitais. É que de alguma forma começamos ouvir que o hospital tem seis estrelas, chefe de cozinha. O paciente quer ter um hospital que o cure e o trate bem.

O foco do hospital não é o hotel, mas sim a competência da equipe médica assistencial no tratamento das doenças graves dos pacientes.

Quais as principais tecnologias e pesquisas que estão sendo desenvolvidas?

Por exemplo, há uma pesquisa que vai gerar a integração de todos os sinais vitais do paciente com o sistema de informações. Ele vai dizer "olhe para o doente do leito X porque ele está tendo uma queda em determinados parâmetros e você precisa ir olhar antes de piorar".

Vamos usar as informações de saúde dos pacientes para poder predizer se ele terá um problema de saúde daqui a alguns anos. Estamos fazendo pesquisas em oncologia que vão mostrar, por meio do DNA, qual o melhor tratamento personalizado para aquele paciente.

Eu diria que nós, daqui a cinco anos, vamos nos envergonhar em ver como tratamos as informações de saúde hoje.

Apoio às Santas Casas

UOL - Há 6.500 hospitais no Brasil, segundo o senhor. Como melhorar o atendimento?

Fernando Torelly - A covid mostrou isso. Ela é uma doença em que o paciente piora muito rápido. Durante mais de um mês, não havia leito em São Paulo em nenhum hospital. As pessoas que estavam acostumadas a ir de suas cidades para São Paulo ligavam para o hospital e não havia leito.

A covid mostrou que cada um tem que investir no hospital da sua cidade. Os empresários precisam começar a olhar para eles porque essas doenças são graves, precisam de UTI, respirador, profissional qualificado.

Nós temos obrigação como profissionais de saúde de mudar o nível de competência do SUS e do sistema privado de saúde no Brasil.

O senhor acredita que essa realidade vai mudar no meio empresarial?

Eu não tenho dúvida de que a população dos municípios está fazendo uma grande discussão sobre o seu sistema de saúde. Você poderia ter todo o dinheiro do mundo. Podia ter o seu avião, pagar particular, ter o melhor convênio e você iria ser atendido na Santa Casa da sua cidade.

Ou fazer como alguns fizeram: mudar para São Paulo e alugar apartamento ao lado de um grande hospital, uma demonstração extrema de loucura.

Por isso, apoie, ajude e contribua para a Santa Casa da sua cidade. Faça doações, leve gestão.

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