Menos direitos, mais emprego

É melhor ter menos direitos do que ficar desempregado, defende chefe da Ricardo Eletro

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Marcelo Justo/UOL

Vale a pena ter um pouco menos de direitos e mais empregos e salários. A opinião é do CEO e presidente do Conselho de Administração da Ricardo Eletro, Pedro Bianchi, em entrevista na série UOL Líderes. Ele defende o aprofundamento da reforma trabalhista.

Ele se diz a favor das cotas nas universidades porque não há igualdade de competição para se falar em meritocracia. "Uma pessoa de classe média, branca, está dez passos à frente", afirma.

Para ele, o cliente do futuro vai assinar eletrodomésticos, em vez de comprá-los. Bianchi conta também como a empresa passou pela recuperação extrajudicial.

Custos do trabalho ainda são altos

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da Ricardo Eletro, Pedro Bianchi, no podcast UOL Líderes. A entrevista completa em vídeo com o executivo está disponível no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto.

Fazer mais reforma trabalhista

UOL - Como o varejo mudou nos últimos dez anos?

Pedro Bianchi - O varejo mudou totalmente nos últimos dez anos. O padrão de consumo mudou e o mapa de consumo no Brasil e no mundo também. Agora temos concorrentes fortes como China e Estados Unidos. O Brasil ainda não tem um caminho definido. Há vários players importantes tentando estabelecer um padrão, mas ainda há uma indefinição muito grande sobre o futuro do varejo.

O Brasil deveria pensar caminhos, por exemplo, como taxação maior dos importados para valorizar a indústria nacional?

Não sei se taxação é o melhor caminho, mas ter ferramentas de logísticas, facilitar a questão dos encargos trabalhistas, uma série de ferramentas que não passam pela taxação para que o empreendedor brasileiro fique liberado das suas amarras. A queda dos juros é algo que facilita bastante, mas temos que tirar outra bola do pé do industrial brasileiro que é a desoneração de folha para facilitar as regras trabalhistas.

A reforma trabalhista já não foi neste caminho?

Precisamos dar um passo além que é modernizar ainda mais. As relações de emprego mudaram, a legislação precisa acompanhar essa mudança toda. O regime tributário também precisa acompanhar. Ainda há bastante trabalho de casa a ser feito.

O que ainda precisa melhorar na relação do trabalhador com a empresa?

É preciso mudar o custo sobre a folha. Um empregado custa o dobro do que ele recebe. Se esse empregado custasse menos, mais gente poderia ser empregada. O que precisa ser alterada não é a relação empregado-empregador, mas sim a empregador-Estado. Essa é a grande alteração que precisa ser trabalhada. As flexibilizações das regras trabalhistas vieram por bem, há menos desemprego por conta disso, mas mais pessoas podiam estar empregadas se o custo do emprego fosse menor.

A desoneração não mexeria com esses direitos trabalhistas adquiridos?

É uma discussão que a sociedade precisa ter. O que ela quer? Um sistema em que há muitos direitos e todos têm que ser respeitados? Temos que acompanhar a evolução do mundo. Significa que vale a pena ter um pouco menos de direitos, mais salário, mais dinheiro no bolso do trabalhador, mais trabalhadores com dinheiro porque estarão empregados.

Há uma discussão sobre a precarização do trabalho. A reforma trabalhista não trouxe isso?

Há duas formas de olhar. Não estamos falando de subemprego, isso é outro tema. É melhor essa pessoa estar em um trabalho precário e conseguir ter uma renda do que estar desempregada com a carteira de trabalho sem um carimbo. Essa relação de trabalho ainda está em transformação e a sensação é que sempre as legislações e os tribunais vão estar um passo atrás dessas mudanças todas. Pessoalmente, acredito que é melhor um trabalho precário do que um não trabalho. Mas é uma discussão que a sociedade brasileira precisa ter.

E como está a educação no nosso país?

Está horrível e é uma pena que esteja horrível. Em que pese a tecnologia ajudar a suprir a educação, muitas vezes as pessoas têm dificuldade de escrever e mandar mensagens. Lamentamos que [a educação] esteja largada. Independentemente de questões ideológicas, o fato é que as pessoas têm dificuldade de interpretar um texto e fazer contas simples.

O que o atual governo deveria fazer e onde deveria investir?

Penso que a educação primária precisa ser o nosso foco e infelizmente não tem sido. Eu torço como cidadão para que o governo foque na educação primária.

O senhor é a favor do sistema de cotas nas universidades?

Sou a favor pelo momento em que vivemos. Acredito que, como o Estado não fornece as ferramentas para que essas pessoas tenham igualdade de competição, as cotas são necessárias. Quando falamos de meritocracia, não podemos esquecer que ela é válida em um sistema de igualdade. Uma pessoa de classe média, branca, está dez passos à frente. E como o Estado não possibilita às pessoas que estão dez passos atrás de alcançar, é preciso buscar ferramentas para trazer mais igualdade na meritocracia.

A atual política estimula o crescimento do país?

Pelos números que temos visto, a resposta é sim. O que nos aflige é ver os políticos não se contentarem com a atual situação. Há uma reforma administrativa e outra tributária importantes a fazer. São essas reformas que vão possibilitar a entrada de mais capital no país e, com isso, geração de emprego, consumo e crescimento.

Poderia explicar melhor "os políticos não se contentarem"?

Houve uma reforma importante, que foi a da Previdência. Foi um passo importante, mas foi um primeiro passo. Mais investimentos estão indo para a Bolsa e buscando diversificação, mas isso não é suficiente para as oportunidades se concretizarem. Há reformas estruturais importantes a fazer e ficamos aflitos para que os políticos olhem menos para o fundo eleitoral e mais para as reformas que precisam ser feitas.

Os políticos vão "cortar na própria carne" na reforma administrativa?

Esse é o grande desafio e parece que o entrave é no alto escalão da máquina administrativa. Esperamos que a sociedade se mobilize para que esse alto escalão se movimente também. Não podemos esquecer que reformas como um todo não podem vir de uma maneira verticalizada.

As mudanças feitas na Previdência Social são suficientes para garantir uma previdência no futuro?

Acredito que não. O governo, como todos os governos de vários países, como Chile, França, estão com problemas de Previdência Social. A social-democracia sai muito cara para o Estado porque as pessoas estão vivendo mais, têm mais saúde, estão pedindo mais qualidade de vida. Essa conta não está fechando. A reforma da Previdência veio para ganhar um fôlego, mas daqui a 8 ou 10 anos terá de haver outra discussão, uma nova forma porque o comportamento e a mortalidade das pessoas têm mudado.

A Ricardo Eletro é assim

  • Fundação

    1989

  • Funcionários

    6.000

  • Empregos indiretos

    2.000

  • Clientes

    2 milhões

  • Unidades

    300

  • Faturamento

    R$ 2 bilhões em 2019

Consumidor pode ser enganado na internet

UOL - Como está a segurança na internet na experiência de compra?

Pedro Bianchi - Temos um ambiente seguro em termos de tecnologia. Saindo um pouco de varejo, se olharmos para os bancos, provedoras de cartão de crédito, nosso sistema é excelente.

Ao mesmo tempo, existe um consumidor que não possui educação para distinguir um ambiente seguro daquele que não é. Muitas vezes esse consumidor, atraído por um preço totalmente não razoável e não factível, opta pelo que é mais barato.

Falando um pouco de Ricardo Eletro, vimos um avanço muito grande do que chamamos "mercado cinza". Optamos por não entrar nesse ambiente porque queremos que o nosso consumidor, ao acessar o site da empresa, saiba que está em um ambiente seguro em que terá garantia, entrega e pós-venda.

O que é o mercado cinza?

São basicamente vendedores que acessam uma plataforma de qualquer site, não emitem nota fiscal, não são distribuidores autorizados, não são revendedores autorizados, não têm nenhum link com o fabricante. Muitas vezes o consumidor não recebe o produto, ou se recebe vem estragado, e se vem estragado não consegue ter assistência técnica, não há garantia nenhuma.

O consumidor acessa esse mercado cinza via marketplace. O marketplace é uma ferramenta excelente em que todo mundo consegue colocar o seu produto em sua plataforma. Na nossa, nós fazemos um filtro para ver se ele é um vendedor oficial, um ente estabelecido, se cumpre as regras.

Como funcionará o crédito digital?

É um serviço inovador. Pelo próprio aplicativo, sem precisar ir a uma loja física, o consumidor consegue ter a pré-aprovação de um crédito. Se ele quer trocar uma geladeira, carrega os documentos no aplicativo e consegue saber se terá crédito. Depois vai a uma loja ou ao próprio site para fazer a compra.

Vocês irão se transformar em um banco?

Com todo o respeito aos bancos, o consumidor tem uma visão diferente do banco e do varejo. No varejo há uma visão de um ser que está ali para ajudá-lo, nós somos os que vamos ajudá-lo a conquistar o seu sonho, enquanto o banco possui uma visão muito mais de quem está tirando o dinheiro dele.

Pretendemos essa facilidade de dar acesso ao consumo para as pessoas. O brasileiro depende de crédito. Isso para eles é primeira necessidade. Sem crédito, o varejo morre.

Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

Um empregado custa o dobro do que ele recebe. Se esse empregado custasse menos, mais gente poderia ser empregada.

Pedro Bianchi, CEO da Ricardo Eletro

Assinatura de eletrodoméstico

UOL - O que o consumidor da próxima década quer?

Pedro Bianchi - O consumidor da próxima década não quer ter nada, ele quer usar tudo e não ter nada. Isso significa que o varejista precisa se adequar, seja na forma de comunicação, seja na forma de vender também. Muito provavelmente vamos migrar de uma forma ainda experimental para algo como assinatura de eletrodoméstico. Quebrou meu micro-ondas, eu ligo para o meu varejista e ele vai me dar outro em troca de uma mensalidade.

Esse consumidor é quase um nômade porque muda de emprego e de cidade de uma forma muito rápida, e os varejistas terão de acompanhar. Como ele muda rapidamente, não quer ter três televisões ou uma geladeira grande porque não sabe se na próxima casa caberão a geladeira ou as televisões.

Esse movimento já vai começar na próxima década?

Acredito que sim. No mundo atual, é difícil prever 10 anos, mas vendo o comportamento deste consumidor hoje, que é um consumidor de assinatura, assina qualquer serviço, mas não adquire, com certeza o padrão de consumo vai mudar.

Esse consumidor se importa muito com a ética, o meio ambiente, a sustentabilidade. Falando da Ricardo Eletro, em Minas Gerais, todas as nossas lojas são sustentáveis. Temos comprado energia limpa para neutralizar a nossa emissão de poluentes. Pretendemos fazer isso em todas as nossas lojas.

Trabalhamos com a questão da diversidade, incentivando a contratação de pessoas com deficiência e contratando as mães dessas pessoas, porque muitas vezes elas não conseguem emprego.

A crise mudou o hábito de consumo dos brasileiros. O que elas estão comprando agora?

Mudou porque o mundo de hoje é um mundo quase que descartável. A minha mãe, dos anos 1980 aos 2000, tinha a mesma máquina de lavar roupa, a geladeira também. Isso acontece porque a durabilidade dos produtos e a tecnologia mudaram de forma significativa.

As pessoas estão menos preocupadas com a duração dos produtos, mas querem que eles funcionem enquanto estão usando. Os produtos precisam ser mais versáteis, ocupar menos espaço porque as casas são menores. Produtos mais pesados e com pouca versatilidade ficam nas prateleiras por mais tempo.

Os produtos nacionais têm condição de competir com os importados?

Esse é um tema muito difícil. Ainda que tenhamos uma indústria nacional que, muitas vezes, depende de matéria-prima importada, especialmente, da China.

É uma dificuldade da indústria brasileira e precisamos entender se esse liberalismo total dentro de um ambiente de guerra comercial ainda funciona no Brasil.

É preciso olhar com atenção para a indústria nacional, pois é uma indústria geradora de empregos, que tem qualidade, e os nossos produtos nacionais não têm nada a dever aos produtos importados.

Existe uma diferença entre o consumidor brasileiro e os de outros mercados?

Existe. O consumidor brasileiro gosta muito de marca aspiracional. É importante para o consumidor brasileiro ter acesso à marca X ou Y porque essa marca traz embutido um sonho de consumo.

Muitas vezes ele ainda olha a marca. Em mercados mais maduros, a marca é menos importante. Eles olham mais o que o produto tem e suas vantagens.

Qual o objetivo da Ricardo Eletro nos próximos anos?

O nosso objetivo para 2020 é abrir 100 lojas em cidades de 50 mil a 80 mil habitantes, com dois a três colaboradores e um mix de produtos que vendem de forma rápida. O que não tivermos em estoque o consumidor poderá acessar o site e comprar o produto dentro da própria loja.

Ainda há espaço para o crescimento dos grandes grupos de varejo no país?

Há espaço, mas o diferencial dos grandes grupos não é ter a televisão de modelo A ou o aparelho celular modelo B. Atualmente o diferencial é a experiência do consumidor, com serviços agregados e como facilitar para que esse consumidor tenha aquele produto, seja com crédito, com uma entrega rápida, um serviço de pós-venda.

Como a Ricardo Eletro está trabalhando a experiência de compra na internet?

A Ricardo Eletro entende que é um modelo híbrido. O acesso a um refrigerador ou a uma televisão é uma conquista, um sonho, não é um clique apenas.

O consumidor, em especial o brasileiro, ainda requer a necessidade de tocar o produto, da loja física, do atendimento. Mesmo porque, muitas vezes, esse consumidor não tem a sofisticação de acessar a internet, do cartão de crédito para fazer o pagamento.

A loja física e a virtual vão ter preços iguais?

Sim, com certeza. O custo da loja física é maior porque há uma estrutura de aluguel, funcionários, mas esse custo vem sendo reduzido cada vez mais.

O ponto ainda é determinante para o varejo? A localização, o tamanho?

Ainda é, mas cada vez menos. É lógico que você estar em uma rua com comércio elevado e bastante movimento traz mais visibilidade. Mas com a maior facilidade de deslocamento, o ponto tem sido menos relevante.

A Inteligência Artificial vai dominar o varejo?

Acredito que sim, mas o vendedor não vai deixar de existir. O relacionamento e a humanização do vendedor ainda é um diferencial.

Eu acredito que a Inteligência Artificial e todos os sistemas em torno dela vão ajudar o vendedor a explicar o produto, a entender o que o consumidor quer, mas o olho no olho ainda é insubstituível.

De 1.200 para 350 lojas

UOL - A Ricardo Eletro chegou a ter dívidas de R$ 3 bilhões, pediu recuperação extrajudicial. Como foi o recomeço da empresa e como está sendo essa recuperação?

Pedro Bianchi - Ainda estamos nessa recuperação. Formalmente o nosso processo acabou, foi homologado, mas estamos ressurgindo. A Ricardo Eletro foi uma empresa que já teve 1.200 lojas, 28 mil funcionários, faturamento de quase R$ 10 bilhões. Atualmente é uma rede muito mais enxuta, com 350 lojas, 6.000 funcionários diretos e estamos com faturamento de R$ 2 bilhões.

O que estamos fazendo é encontrar o nosso próprio caminho. O posicionamento da Ricardo Eletro é outro. São lojas menores, em cidades menores, como padrão de consumo um pouco diferente.

Recentemente vocês fecharam todas as lojas do Mato Grosso. Existe a possibilidade do fechamento de novas lojas?

Essa questão deve ser interpretada de forma natural, pois o mapa de consumo vai mudando. O nosso posicionamento no Mato Grosso era de lojas muito grandes, com concorrentes regionais fortes.

Optamos por focar onde está o mapa de maior consumo agora, o que não significa que não possamos reavaliar e entrar outra vez no Mato Grosso nos próximos anos.

E onde é o mapa de maior consumo?

O maior consumo que enxergamos é o Nordeste, é o nosso carro-chefe. Lá há uma necessidade de consumo maior do que em outras regiões mais ricas do país, como o Estado de São Paulo, por exemplo, cuja renda per capta é muito maior.

Isso significa que a pessoa tem acesso a itens de primeira necessidade, enquanto em regiões do Nordeste ainda, infelizmente, falta muita coisa.

UOL - No Brasil, o quanto a logística impacta nos custos do e-commerce?

Pedro Bianchi - A logística impacta sob duas óticas. A primeira é uma estrutura física. É difícil chegar a determinados locais, existe uma complexidade. E há uma segunda ótica que é o custo. Muitas vezes o consumidor precisa do produto rapidamente, mas temos uma certa dificuldade de entregar ou o preço do frete sai muito caro porque a logística é difícil.

São diversas dificuldades, como situação das estradas, segurança para o produto chegar, fiscalização, questão tributária entre os Estados. É muito complicado, por isso vemos vários grupos internacionais de peso fechando as portas no Brasil. Primeiro que é difícil entender, segundo que é difícil executar. É um desafio muito grande.

Qual a diferença do Brasil para países que já têm um mercado mais definido?

O Brasil tem dois grandes temas para serem tratados pelo varejo. O primeiro é o de amadurecimento do consumidor. O Brasil ainda precisa de itens de primeira necessidade, enquanto mercados mais maduros já estão em itens não necessários, mas que são de desejo de consumo.

Eles têm acesso a crédito e a produtos que ainda não temos por uma série de motivos. Um destes motivos é a questão de logística. A nossa é muito difícil.

Nos Estados Unidos, há testes para se entregar produtos por drones e aqui é algo totalmente impensável. Há muito trabalho de logística e infraestrutura para ser feito. O governo tem pautado esse tema.

O Paulo Guedes [ministro da Economia] falou em Davos [Suíça] sobre o programa de R$ 220 bilhões em infraestrutura. Tomara que esse programa saia do papel para que a logística melhore.

E, quando falo de logística, estou falando de infraestrutura, de rede de telefonia, estou falando de educação para usar acesso à internet, ao computador, ao celular para fazer compras.

Que produtos os americanos e europeus já estão comprando e os brasileiros ainda não?

Tecnologias mais avançadas, seja em eletrodomésticos, em celulares. E não apenas uma câmera a mais no celular, mas sim mais ferramentas e, com isso, você se educa e se informa mais.

Há uma rede muito mais ampla por trás da tecnologia, que esperamos que aconteça de forma mais drástica com o 5G, com a internet das coisas, com o carro conectado com a geladeira, uma conexão gigantesca dos eletrodomésticos, portáteis, automóveis, serviços de infraestrutura.

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