Brasil assusta investidor

Política e economia fazem investidor estrangeiro ter medo do Brasil, diz chefe da Jasmine

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação e Arte/UOL
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Rodolfo Tornesi Lourenço, CEO da Jasmine Alimentos, diz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que a instabilidade política e econômica reduz os investimentos estrangeiros no Brasil. "O dono do capital que está no exterior fica receoso porque não sente segurança jurídica, política."

A empresa paranaense é voltada ao mercado de comida saudável, como biscoitos integrais e barras de cereal. Lourenço começou há 12 anos na Jasmine como estagiário da área jurídica. Em agosto do ano passado, aos 31 anos, assumiu o cargo de CEO. A marca foi vendida em 2014 à empresa francesa Nutrition et Santé --líder na categoria "health and wellness" de orgânicos e funcionais na Europa.

Para o chefe da Jasmine, o futuro da alimentação saudável serão os produtos sem glúten, os alimentos à base de plant-based e os orgânicos. Rodolfo Lourenço falou também sobre as dificuldades logísticas para as indústrias operarem no Brasil e a importância de avaliar os rótulos antes de comprar comida.

"Falta segurança jurídica e política"

Ouça a íntegra da entrevista com Rodolfo Tornesi Lourenço, CEO da Jasmine Alimentos, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Capital externo tem medo do Brasil

UOL - Qual é a sua análise deste momento de tensão institucional e como isso impacta o ambiente empresarial?

Rodolfo Tonesi Lourenço - O impacto é na confiança do estrangeiro em investir no Brasil. A instabilidade econômica e política acaba mitigando o investimento. O dono do capital que está no exterior fica receoso porque não sente segurança jurídica, política.

O impacto, quando não há tanto investimento, é na geração de emprego, geração de renda e, na ponta final, no consumo. Claro que isso preocupa as empresas, e em 2022 vamos viver fortes emoções. Isso nos deixa todos muito ansiosos, mas o brasileiro também é confiante. Vamos encontrar oportunidades na crise.

As fortes emoções, você se refere às eleições?

Sim, claro. E tem a Copa do Mundo.

Com essas incertezas, quais são as previsões de crescimento da Jasmine em 2022?

Em 2020, fechamos o ano com crescimento de 20% em vendas, acima do esperado. Para 2021, tínhamos a expectativa de fechar com 15% e estamos fechando com 18%. Para 2022, imaginamos crescer em torno de 15%.

O grande desafio é manter o custo da mão de obra, da matéria-prima, da embalagem, do transporte. Isso, sim, nos deixa mais apreensivos para 2022. Essas são as frentes onde podemos ter variações muito grandes ainda com uma economia instável.

A Jasmine Alimentos é assim:

  • Fundação

    1990

  • Funcionários

    300

  • Pontos de venda

    Mais de 20 mil

  • Indústria

    1 (Campina Grande do Sul, PR)

  • Faturamento (2021)

    R$ 187 milhões

  • Faturamento previsto (2022)

    R$ 220 milhões

  • Participação no mercado

    35% em cookies integrais; 12% em granolas; 50% em pães sem glúten

  • Principais concorrentes

    Mãe Terra (Unilever), Vitao, Tia Sônia

Franceses apreensivos

UOL - Como a Nutrition et Santé vê o Brasil e todas as questões econômicas e políticas brasileiras? Os franceses estão apreensivos?

Rodolfo Tonesi Lourenço - Sim, eles ficam apreensivos com as questões políticas que estão acompanhando no noticiário. Há gestão da pandemia, a questão da matéria-prima, tudo isso gera ansiedade e certa desconfiança de como o Brasil, como país, pode influenciar o negócio internamente.

Isso é tratado com muito cuidado porque podemos ter surpresas no Brasil. Essas conversas acontecem, e o receio deles não é pequeno em relação a isso.

Há interferência da matriz em relação ao trabalho desenvolvido pela Jasmine no Brasil?

A Jasmine tem uma característica diferente no grupo NS porque ela é a única operação do grupo fora da Europa. Por isso, tem uma autonomia muito grande. E os franceses tiveram a sabedoria de manter a empresa como estava [antes da aquisição, em 2014], sem interferência.

E como foi começar como estagiário e chegar a CEO na mesma empresa?

Comecei na Jasmine como estagiário na área jurídica. Tive o privilégio de trabalhar muito próximo dos fundadores.

Foi muito legal ver o empreendedorismo e os valores da marca. São 12 anos em que tive a oportunidade de conhecer a Jasmine de dentro para fora e, nos últimos anos, de fora para dentro, indo para o mercado, conhecendo a operação cada vez mais a fundo.

Passos lentos para chegar ao que o país precisa

UOL - Vocês compram muita matéria-prima dos principais biomas brasileiros, como o amazônico. Na sua opinião, a política ambiental do governo está correta?

Rodolfo Tonesi Lourenço - De uma forma ou de outra, as empresas têm um papel fundamental em todas as iniciativas do Brasil. Entra governo e sai governo, e vemos passos muito lentos em direção ao que realmente o Brasil precisa.

Não só cuidar do meio ambiente, mas de infraestrutura, avanços tributários, fiscalização. Sabemos que cabe muito às empresas fazer esse papel e tomar esse protagonismo, senão ficamos esperando e nada acontece.

Em 2021, assinamos um acordo de cooperação com os produtores de castanha, visando práticas sustentáveis, principalmente na questão do trabalho.

Infelizmente, naquela região, ainda há a questão de trabalho infantil, exploração da mão de obra. A Jasmine foi uma das pioneiras a assinar este tipo de acordo.

Então são os empresários que devem encabeçar essas políticas que deveriam ser do governo?

O consumidor final já espera isso da empresa. Ele não compra mais o produto se a empresa não for socialmente responsável.

Houve no mercado uma reação negativa do consumidor contra algumas marcas que tiveram atitudes no mercado ou práticas trabalhistas não aceitáveis.

Não existe só um interesse da empresa em ser sustentável, mas também o interesse econômico em fazer dessa forma. Quando o empresário entende isso, ele vai atrás.

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Entra governo e sai governo, e vemos passos muito lentos em direção ao que realmente o Brasil precisa: meio ambiente, infraestrutura, avanços tributários, fiscalização. Sabemos que cabe muito às empresas fazer esse papel e tomar esse protagonismo, senão ficamos esperando e nada acontece.

Rodolfo Tornesi Lourenço, CEO da Jasmine Alimentos

Tendência é o sem glúten

UOL - O que vemos nas prateleiras dos supermercados são biscoitos, cookies, bolinhos, muita coisa repetida. Quais são os produtos do futuro na área de alimentação saudável?

Rodolfo Tonesi Lourenço - No futuro, será a questão do sem glúten. No passado, o sem glúten era restrito ao celíaco [pessoa com doença autoimune de intolerância ao glúten], e a disponibilidade dessa linha era muito pequena. Atualmente, a indicação de dieta é tirar o glúten da alimentação.

Há três anos, entramos no mercado de pães sem glúten e hoje somos líderes nesse mercado. Temos sete tipos de pão fatiado, dois pães de hambúrguer, sucesso de vendas.

O nosso maior cliente não é o celíaco, é aquele que não quer mais o glúten. Pode ser por opção ou por indicação nutricional, ele tira o glúten da sua dieta. Essa é uma das grandes tendências.

Outra é a plant-based, o substitutivo de carne que se mostra com uma tendência muito grande. Os orgânicos também têm uma tendência, mas é um meio mais complicado para se trabalhar porque depende muito de conceitos, de entendimentos.

Além das bebidas vegetais, que crescem também de maneira acentuada.

O mercado de plant-based poderá, no futuro, substituir o da carne tradicional?

O plant-based, em um país das proporções do Brasil, dificilmente vai substituir a carne animal, mas ele cresce, ele tem conquistado o seu espaço.

Na Jasmine, 95% dos nossos produtos não têm nada de origem animal, 100% são sem lactose. Há quatro ou cinco produtos que têm o mel como única coisa de origem animal.

Pão feito com atmosfera modificada

UOL - Essa tendência sem glúten irá transformar a indústria de alimentos? Como ter a certeza de que estamos consumindo produtos sem glúten?

Rodolfo Tonesi Lourenço - O glúten contamina pelo ar. Se houver uma linha de produção com glúten e outra ao lado sem glúten, não se pode comercializar o produto como sendo sem glúten porque existe um risco de conter traços, e quem é celíaco pode ter sérios problemas.

Nós temos, talvez, a única indústria no Brasil que segrega toda a produção sem glúten. Temos uma pequena fábrica dentro da fábrica principal. Nessa pequena indústria, é preciso trocar de roupa, passar por uma assepsia antes de ter acesso às linhas de pães e bolos sem glúten.

Tenho total segurança de que qualquer produto que vendemos sem glúten pode ser consumido sem nenhum medo pelo consumidor. Outra curiosidade sobre essa nossa linha é que o nosso pão é embalado em atmosfera modificada, e isso evita a necessidade de conservantes e adição de químicos.

É uma tecnologia extremamente moderna, que conserva esse pão por seis meses. Conseguimos distribuir no país inteiro e até para o Uruguai porque o produto tem uma vida mais longa.

O que é essa atmosfera modificada?

É uma tecnologia em que o produto é conservado pela embalagem. Ela é selada com gases para preservar o produto. Se o ambiente estiver muito quente, a embalagem incha um pouco, mas o pão fica intacto. Por isso, chamamos de atmosfera modificada.

Gato por lebre: é preciso ler os rótulos

UOL - Os médicos desaconselham o consumo de produtos processados, mas os produtos saudáveis de vocês são processados. Qual a sua opinião a respeito?

Rodolfo Tonesi Lourenço - O correto é, sempre que possível, melhor descascar do que desembrulhar. O produto tipicamente saudável e natural é aquele que você colhe na planta e come. A Jasmine não se coloca em uma condição de substituir um produto natural porque são alimentos importantes, como frutas, verduras, água. O que o consumidor pode trocar são produtos que tradicionalmente estavam no mercado e que não oferecem nenhum tipo de ganho.

Durante a pandemia, as crianças comeram muito mais doces. Qual a sua opinião a respeito da utilização de açúcar ou adoçante nas linhas infantis chamadas de saudáveis?

Os pais têm que tomar cuidado ao olhar na prateleira porque há opções muito arriscadas. Quando você compara o rótulo de um cookie da Jasmine, verá farinha integral e açúcar mascavo na nossa composição. Quando você olha cookies de alguns concorrentes, verá farinha branca como primeiro ingrediente, depois tem alguma coisa integral no meio. É preciso olhar a frente do produto e ler o rótulo.

Não faltam também fiscalização e regulamentação dessas embalagens?

De fato, sentimos falta de uma fiscalização um pouco mais incisiva porque há produtos no mercado que estão na prateleira de saudável porque a empresa se colocou naquela posição, mas não são.

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