Poder de compra sumiu

TV no escuro, roupa sem passar e água na carne para render: como brasileiros mais pobres enfrentam inflação

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Maceió Getty Images
Beto Macário/UOL

"Não tem como ficar com luz acesa"

A TV da sala é a única coisa ligada às noites na casa de Iranilda Leopoldina, 51. "Apago tudo, não tem como ficar com luz acesa e pagar mais de R$ 100 de energia", conta a pensionista, que mora no bairro do Jacintinho, periferia de Maceió, com dois filhos, de 26 e 30 anos. "Soube que a luz vai aumentar mais, como é que pode?", questiona.

A alta dos preços no país, que já acumula 3,22% no ano e 8,06% em 12 meses, vem corroendo o orçamento da família, de um salário mínimo (R$ 1.100), e forçando uma mudança de hábitos.

Iranilda conta que, no supermercado, o carrinho fica cada vez mais vazio.

O feijão está R$ 10 o quilo. Antes a gente comprava um frango e comia em dois dias, mas hoje tem de durar ao menos três. Quando consegue comprar carne, a gente bota muita água para depois tomar o molho.

A inflação prejudica o poder de compra de todos, mas os mais pobres são mais afetados, de acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

"Inflação é perda do poder de consumo. Quando olhamos nas classes de mais baixa renda, o gasto é concentrado em alimento, energia, aluguel e transporte, que subiram muito. Ou seja, houve aumento de coisas que elas consomem no dia a dia", explica Maria Andreia Lameiras, economista do Ipea.

    Com a perda do poder de compra, o jeito é cortar o que der, de ferro de passar a carne no supermercado. Veja relatos abaixo.

    Beto Macário
    Robson Feitosa, 57

    "Não dá para cortar muito, já vivemos com o mínimo"

    O zelador Robson Feitosa, 57, vive na grota Eldorado, no bairro do Feitosa, também em Maceió, com a mulher, que está desempregada. Ele recebe um salário mínimo e, por causa da pandemia, trabalha apenas meio expediente. "O que me ajuda são os bicos de eletricista", diz.

    Não dá para cortar muita coisa porque a gente já vive com o mínimo, mas é claro que [a inflação] reduz o poder de compra. O dinheiro no mercado não dá para nada.

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    "Ninguém pode comer carne todo dia mais"

    Ainda na grota, a aposentada Áurea Bernardo da Silva, 74, ajuda os cinco filhos com o pouco que recebe.

    "Eles não moram mais comigo, mas a situação está difícil para todos, não está fácil arranjar trabalho. Faço a feira e sempre divido a cesta básica com eles", relata. "Mãe é que nem a galinha: bota o milho na boca das crias, não abandona."

    Ela perdeu o marido há dois anos e hoje recebe, além da aposentadoria, uma pensão, ambas de um salário mínimo.

    O botijão de gás aqui está R$ 75 e sei que vai subir de novo. É difícil. Ninguém pode comer carne todo dia mais. Agora à noite, fica uma luz só acesa, a do banheiro, para dormir, porque senão não consigo pagar a conta.

    A última fatura da conta veio no valor de R$ 209, ela mostra. "E ainda pago uns R$ 170 de empréstimo que fiz ainda na época em que meu marido era vivo", diz.

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    O carpinteiro Cícero da Silva (à dir.)

    "Agora a roupa fica amassada mesmo"

    Na casa do carpinteiro Cícero da Silva, 51, moram cinco pessoas de três gerações. Vivem com ele a esposa, dois filhos e um neto.

    Cortamos um pouco de tudo. Uma coisa que paramos de fazer para economizar foi passar roupa. Agora é todo mundo de roupa amassada mesmo.

    A conta de luz já subiu 11,6% no país em 12 meses, e deve subir mais, com o Brasil atravessando a pior crise hídrica em mais de 90 anos.

    A carne de boi também é artigo raro na casa de Cícero. "Trocamos por frango e peixe, que mesmo assim estão caros. Não dá para comer muito", conta.

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    "É difícil viver com tanta carestia"

    As seis pessoas da família de Adriana Barbosa, 32, vivem da renda do marido dela, que trabalha com móveis planejados.

    "Aqui a gente não tinha o que cortar. O auxílio emergencial ajudou demais ano passado e voltou a nos ajudar agora, porque está tudo muito caro. É difícil viver com tanta carestia", conta ela ao lado do filho Ariel, de três anos.

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