Home office emburrece

As pessoas pioram sem convívio, diz chefe do Rei do Mate; para ele, só delivery não sustenta comércio

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo
Keiny Andrade/UOL

Em uma das mais tradicionais avenidas de São Paulo, a São João (centro) nascia há mais de 40 anos o Rei do Mate. Um empreendimento do empresário Kalil Nasraui, filho de imigrante sírio com uma brasileira. Com a entrada de seu filho Antonio Carlos Nasraui no negócio, na década de 90, o Rei do Mate começou com franquias e hoje é uma das maiores redes franqueadoras do país, com mais de 300 lojas.

Em entrevista na série UOL Líderes, Antonio Carlos Nasraui, fala sobre a dificuldade do isolamento das pessoas no home office durante a pandemia e a importância do convívio dos funcionários nas empresas. Para ele, a falta desse relacionamento "emburrece" as pessoas. Também diz que só delivery não garante a sobrevivência dos comerciantes.

O CEO do Rei do Mate também conta como foi o início do negócio, vencendo preconceitos em relação ao chá mate gelado e a necessidade da expansão para outros bairros da capital paulista, fugindo dos "trombadinhas" do centro.

Ouça a íntegra da entrevista com o CEO da rede Rei do Mate, Antonio Carlos Nasraui, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir à entrevista completa em vídeo com o executivo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto dos destaques da conversa.

Maioria não vai ficar em home office por muito tempo

UOL - Especialistas afirmam que o home office vai durar muito ainda. Como as franquias enfrentaram essa mudança?

Antonio Carlos Nasraui - Não acredito que isso seja uma coisa definitiva. Muitos negócios funcionam em home office, mas muitos não funcionam. Na minha opinião, as pessoas emburrecem sem convívio. Faz parte ir trabalhar, almoçar com um colega, fazer reuniões presenciais.

As pessoas estão mais acostumadas ao home office, mas isso não quer dizer que, depois que acabar a pandemia, ele vá continuar. Talvez 10% ou 20% continuem, mas não será uma grande mudança de mercado.

Acredito que as pessoas precisam de convívio. Todo mundo cresce quando está junto.

Temos lojas em hospitais, rodoviárias, aeroportos, dentro de empresas, além de metade da rede em shoppings. Essas lojas foram mais afetadas. As pessoas pararam de ir aos hospitais tratar de qualquer outra coisa por pânico. Mesmo quem procurava o hospital por algum problema, fazia tudo rápido, resolvia e não parava para tomar um café, um mate ou comer um pão de queijo.

As lojas em supermercado também. Apesar de ter crescido o movimento nos supermercados, não podíamos atender na mesa. Precisamos colocar uma fita para os clientes não entrarem, e todas essas lojas sofreram.

E os hábitos de consumo de produtos também mudaram?

Os hábitos mudaram. O fornecimento para food service [restaurantes, lanchonetes] caiu demais. Em compensação para supermercado cresceu muito. Quem antes consumia em restaurantes, nas cafeterias, passou a comprar direto do supermercado. As pessoas estavam mais assustadas, mas com o tempo isso vai diminuindo.

Começamos a trabalhar com o sistema de delivery, que nunca tínhamos feito. Das 300 lojas, umas 50 trabalharam com delivery, mas muito fraco também. Delivery não sustenta a loja se não voltar a ter movimento.

Como são muitas lojas em muitos segmentos diferentes, cada uma vai ter o seu momento de retomada, o seu momento de recuperação. Umas lojas irão sofrer um pouco mais, outras menos. Ninguém está livre, no nosso segmento, de sair arranhado, mas, se sairmos da tempestade com o mínimo de arranhões possível, ótimo.

Que oportunidades surgiram com a pandemia?

Nunca estivemos tão próximos de nossos franqueados. Enxugamos também a linha de produtos. Acredito que vão aparecer oportunidades de negócios, de pontos novos, onde não conseguíamos entrar ou não estavam disponíveis e que provavelmente ficarão disponíveis. Com isso, fazemos a roda girar novamente.

Que outros pontos seriam esses? Em outras cidades ou bairros?

Isso! Por exemplo, uma rede de cantinas de escola que está procurando um parceiro. Lojas em hospitais, cafeterias, locais que talvez não tenham estrutura e vão entregando o ponto.

Quais são os planos de crescimento para o próximo ano?

Estamos com as franquias abertas e inaugurando lojas no meio da pandemia. Não paramos. O ritmo diminui um pouco, mas vai voltar. Parar, não. Os planos de crescimento continuam os mesmos. Não temos meta, mas temos crescido, em média, 25 a 30 lojas por ano, mas isso tudo depende muito do mercado.

O Rei do Mate é assim:

  • Fundação

    1978

  • Funcionários

    2.500

  • Lojas

    300

  • Produtos mais vendidos por mês

    Copo de mate (1,8 milhão), pão de queijo (8 milhões), xícara de café expresso gourmet (800 mil), sanduíche "toast" (250 mil)

  • Clientes

    2,3 milhões

  • Faturamento

    R$ 280 milhões (2019); R$ 170 milhões (2020, previsão)

Chá era coisa de vó

UOL - As pessoas têm procurado produtos mais saudáveis?

Antonio Carlos Nasraui - As pessoas estão preocupadas cada vez mais com "saudabilidade". Meu pai fundou o Rei do Mate há mais de 40 anos, com duas lojas na Avenida São João (centro de São Paulo). Eu entrei em 1990 e, naquela época, quando se falava de chá gelado, as pessoas olhavam torto porque o chá era aquela coisa que a sua avó levava na cama quando você estava doente. Um chazinho de boldo ou de cidreira. Não havia o hábito de chá gelado.

Naquela época também, nos supermercados, havia apenas um pedacinho da gôndola para bebidas não carbonatadas [gaseificadas], que fossem um pouco mais saudáveis. De lá para cá, o pedacinho da gôndola virou um corredor inteiro de chás, água de coco, sucos e bebidas com uma pegada um pouco mais saudável. O Brasil ainda está muito aquém do mercado de fora, mas temos um grande futuro.

Qual é o carro-chefe nos seus produtos?

É tudo muito artesanal. É colhido de maneira artesanal e torrado em fornos antigos. Nossos principais produtos são a linha de café e mate. Vendemos 3 toneladas de pão de queijo por mês. Um pão de queijo a cada 3 segundos. Vendemos 50 toneladas de açaí por mês. Esses quatro produtos representam 50% das vendas, e os outros 50% são toda a linha de salgados, sanduíches.

O café concorre com o mate?

São momentos diferentes e públicos diferentes. Vendemos normalmente 600 mil cafés e 500 mil capuccinos por mês, dá mais de 1 milhão vendidos.

Mas ainda assim a Rei do Mate vende mais chá?

Vendemos 1,8 milhão de copos de mate por mês, contra 1 milhão de xícaras de café e capuccino.

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Vinham clientes de toda a cidade para tomar mate na avenida São João, onde ficavam as duas lojas. Mas ficou muito perigoso ir ao Centro, parar o carro, porque havia os 'trombadinhas'. Por conta disso, tivemos a ideia de ampliar e ir para outros bairros, onde estava o consumidor.

Antonio Carlos Nasraui , CEO do Rei do Mate

Medo dos "trombadinhas"

UOL - De onde veio a ideia do seu pai de montar uma casa de chá-mate? Em alguns lugares do país até já se tomava, mas em São Paulo, não.

Antonio Carlos Nasraui - As pessoas estavam acostumadas a tomar não o chá-mate, mas o mate em forma de chimarrão, no sul do país. É a erva-mate sem ser tostada, in natura e moída, tomada com água quente. Outra parte do Brasil, no Mato Grosso, também no Paraguai, consome-se o mate gelado, que é o tererê. É a mesma folha, cortada um pouco mais rústica, uma bebida tomada gelada, sem açúcar.

A erva-mate tostada em forma de chá não existia muito. Meu pai viu a questão da saúde, a oportunidade de negócio e acabou fazendo uma aposta. Em 1990, eram apenas duas lojas que só vendiam mate com leite, puro, com limão, e alguns sucos concentrados de garrafa misturados com mate.

Vinham clientes de toda a cidade para tomar mate na avenida São João, onde ficavam as duas lojas. Mas era muito perigoso ir ao Centro, parar o carro, porque havia os "trombadinhas". Por conta disso, tivemos a ideia de ampliar e ir para outros bairros, onde estava o consumidor.

Que inovações estão planejadas?

Somos pioneiros no lançamento de produtos. Lançamos e logo somos copiados. As novidades que íamos fazer este ano, vamos deixar para o ano que vem. Não é o momento agora de investimento. Como trabalhamos com um fundo de propaganda pago pelas lojas, e muitas ficaram fechadas e com um movimento menor, pagam menos fundo de propaganda.

Mas, quando lançamos, procuramos trazer alguns pilares de moda, de cultura ou de gastronomia para interagir com a marca. Tivemos uniformes assinados pelo Ronaldo Fraga, antes pelo [Alexandre] Herchcovitch. Tivemos criações nas lojas, como copos com desenhos do Gustavo Rosa, do Romero Brito, do Ziraldo. Agora estamos negociando com um novo artista. Há muita gente que não tem acesso a essa arte.

Isso é o que senhor chama de brasilidade?

Quando trouxemos Gustavo Rosa, Romero Brito, o Ziraldo, Ronaldo Fraga para fazer nossas campanhas, foi para poder trazer brasilidade, poder mostrar essa parte da arte na gastronomia para o consumidor. Somos uma empresa que nasceu na avenida São João com a Ipiranga. O pão de queijo é um produto que foi inventado em Minas, e não na Nova Zelândia. Trabalhamos com produtos 100% brasileiros.

Meu maior fornecedor é a natureza, o meu produto não é industrializado, o nosso mate é feito 100% da erva tostada. Não temos nenhum ingrediente no meio disso. Os players estrangeiros que vieram de fora para cá sabem trabalhar um bom café, mas nunca tinham ouvido falar em coxinha na vida. Talvez os CEOs dessas redes concorrentes de fora não saibam nem pronunciar a palavra. O Rei do Mate tem coxinha de frango, de costela, de calabresa. Açaí é um produto que temos há 20 anos.

Como manter a qualidade no sistema de franquias?

Começamos com franquias em 1992. Minha monografia no curso de economia era sobre franchising, que na época estava engatinhando. É sensacional ter parceiros. Hoje são 300 lojas, e 100% franqueadas. O grande segredo da franquia é escolher bons parceiros, pessoas engajadas, que gostem da marca. Não adianta a pessoa querer entrar na rede se ela não gosta de mate, se ela não gosta de comércio.

O sistema de franquia não funciona para quem quer fazer simplesmente um investimento. Se quiser fazer um investimento e não trabalhar, aplica o dinheiro no banco porque haverá muito menos risco e não vai ter trabalho nenhum. No sistema de franquias, a pessoa tem que estar à frente do negócio.

Empreender é coisa de louco

UOL - É muito difícil empreender no Brasil?

Antonio Carlos Nasraui - Meu pai é cabeludo, tem 20 vezes mais cabelo do que eu. Ele está na retaguarda. Acredito que tenha respondido mais ou menos a sua pergunta. É uma coisa de louco. Vejo muitos players vindo ao Brasil, achando que é a bola da vez. Eles dizem: 'Vamos para o Brasil, o potencial que o Brasil tem, a população, país maravilhoso, clima bacana'.

Mas não sabem que para mandar uma mercadoria de São Paulo para a Bahia é preciso parar na divisa do Estado e fazer recolhimento de imposto, que para mandar a mercadoria para Manaus demora 15 dias por causa das estradas. Posso ficar falando uma hora e meia aqui das dificuldades que temos, não só tributárias, de produtos, de encargos.

Como o senhor vê a questão das reformas no país?

Elas têm que vir para o bem de todo mundo. Não é agradável cortar na própria pele, mas tem que fazer as reformas. Estamos no bom caminho.

Sou a favor das privatizações porque trarão dinheiro para o mercado. Mas as coisas não vão se resolver em quatro ou cinco anos de governo. Estamos falando de 10 ou 20 anos.

O que é importante privatizar?

Acredito que os essenciais têm que ficar, como saúde e educação. Mas privatizar tudo o que puder ser feito por gente interessada em reduzir custos, encargos desnecessários. Administração privada é muito mais profissional. Tem também a administração de imóveis do governo. Tudo isso tem que tirar das mãos e ir passando para o privado.

O que poderia melhorar o ambiente de negócios no país?

Há uma quantidade muito grande de encargos trabalhistas. Se houver menos encargos, é possível devolver a diferença para o funcionário, talvez, até em forma de salário. Se o Brasil estiver melhor, com as reformas andando, e as pessoas tiverem mais confiança para comprar uma casa, entrar em um endividamento de 30 anos, ou para financiar um carro, uma geladeira, de poder ir a um restaurante, ir ao Rei do Mate, uma coisa leva à outra. Tudo o que o governo puder fazer para melhorar o astral e a confiança do consumidor trará retorno ao mercado.

Quando o senhor fala de encargos, a reforma trabalhista não foi suficiente?

Ainda temos muita coisa para fazer. A parte da burocracia é demais. Para abrir uma loja, um negócio demora muito tempo. Lá fora abre-se uma empresa em dois ou três dias, aqui leva dois meses. Somos muito travados em muita coisa..

O Brasil está menos corrupto?

Acredito que sim. Isso influencia totalmente o mercado todo. As pessoas têm mais confiança por estarem vivendo em um país melhor e com menos corrupção. Estamos muito melhor do que há três anos.

Como o senhor vê a questão do emprego?

Não demitimos ninguém dos nossos escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Lógico que as lojas tiveram que se adaptar porque ficaram fechadas muito tempo.

O vai acontecer é que as lojas que antes eram tocadas com oito funcionários terão que ser tocadas com seis ou sete. As pessoas terão que valorizar mais o seu emprego, tomar mais conta do seu trabalho.

E não estou falando só no Rei do Mate. Lá fora há negócios em que que o mesmo funcionário que está no caixa atende e acompanha até a saída. Talvez não seja o nosso caso agora, mas teremos de capacitar para diminuir o número de pessoas em loja. Será inevitável.

Há uma previsão para a retomada da economia?

Vamos retomar depois de um remédio ou de uma vacina. As coisas vão ficar mais leves, as pessoas estão cansadas de ficar em casa, mas é preciso ter cuidado agora.

Há pessoas andando sem máscara na rua e isso pode afetar um sistema todo e provocar outro fechamento. As pessoas precisam ter a consciência do todo.

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