UOL - A carga tributária no Brasil afeta diretamente o negócio da Tembici?
Tomás Martins - A bicicleta hoje, no nosso mercado específico, tem mais impostos que o automóvel. É um pouco irracional. É um modal muito mais inteligente e estamos pagando muito mais por ele. É preciso repensar, pois acaba não havendo competição e inibindo a possibilidade de trazer novidades para o mercado.
E de quanto é essa carga?
Para importar uma bicicleta inteira montada, paga-se 35% de imposto de importação. Depois são colocados todos os outros impostos em cima disso. Há um "cascateamento" de impostos e esse número chega a duas vezes o do carro [os impostos sobre uma bicicleta produzida no Brasil -fora da Zona Franca de Manaus -chegam a 72%, segundo a Associação Brasileira do Setor de Bicicletas. De acordo com a Anfavea, associação da indústria de automóveis, os impostos sobre um carro popular são de 37,17%].
Existe algum lobby do setor nesse sentido?
Nunca entramos nessa briga. Temos tantas brigas, como mudar a maneira como as pessoas se locomovem, ajudar a fazer políticas públicas locais. O que é ruim é que há muitas cargas [tributárias] para indústrias específicas. Não é uma regra muito clara. Não vale para todo mundo. Quem faz mais lobby leva.
Como vocês enfrentam o lobby da indústria automobilística?
Não acho que enfrentamos esse lobby. A própria indústria está se repensando. Essa reflexão está vindo ao mesmo tempo para todos os players que atuam no mercado de mobilidade. Há empresas até da indústria de automóveis que estão começando a investir nesses micromodais.
A tendência do crescimento de micromobilidade é irreversível?
É um movimento liderado pelas pessoas que estão repensando seus hábitos. Não há mais necessidade de ter três ou quatro vagas de garagem na sua casa. Não há mais aquela necessidade de ter o automóvel.
Há uma mudança de comportamento das pessoas que está levando a isso, e a indústria do automóvel vai se reinventar nesse sentido, já está se reinventando. É uma questão de eficiência, de números.
70% da infraestrutura da cidade serve ao automóvel, 30% servem aos outros modais, seja calçada, faixa de ônibus, ciclovia, estação de metrô. Porém, 70% dos deslocamentos da cidade são realizados pelos outros modais, e 30% pelos automóveis. Qual a lógica? É uma questão irreversível. Não tem por que ocupar um espaço limitado de uma forma irracional.
Como vocês trabalham?
A Tembici é a maior empresa de micromobilidade da América Latina. Nossos projetos ofertam serviços de bicicletas compartilhadas dentro das cidades. Temos projetos em 14 cidades na América Latina, nas grandes cidades do Brasil como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre, e em Buenos Aires e Santiago. O nosso modelo de negócio tem uma parte de patrocínio, que é com o Itaú.
Qual foi a maior dificuldade no início do negócio?
Foram várias. Começamos em 2010, 2011, quando as pessoas, as cidades e o poder público falavam pouco disso. Imagine que montamos uma empresa quando nem existia, por exemplo, a ciclovia da Faria Lima [uma das principais avenidas de São Paulo].
A discussão era: 'Você quer colocar bicicleta em São Paulo? Você é maluco, é uma cidade de carros, não tem isso'. Essa foi uma questão de mudança cultural. Tirando isso, passamos por todas as dificuldades que você tem quando escala um negócio.
E é um negócio que dá lucro?
Nosso modelo compõe uma receita de patrocínio com uma receita de usuário. Essa é uma combinação poderosa. Começamos a rentabilizar mais em 2017, quando assumimos os principais projetos nas capitais.
O foco foi em mobilidade e não tanto em lazer. As pessoas usam com frequência e para se locomover todos os dias. Isso aumenta a utilização do sistema.
O sucesso da Tembici está vinculado ao aumento das ciclovias?
O sucesso da Tembici está vinculado à mudança de comportamento das pessoas. A ciclovia ajuda a essa reflexão, mas tem uma série de outras iniciativas, como a diminuição de velocidade e convivência de modais que também ajudam.
Tudo isso faz com que as pessoas repensem: 'Faz sentido pegar um automóvel para andar dois ou três quilômetros, perder 30 minutos para fazer isso, se em 10 minutos posso chegar a esse local?'. Acho que tudo isso faz a reflexão e faz o sucesso da Tembici.
A Tembici está crescendo, mas algumas empresas estão deixando o mercado. O que está acontecendo?
É importante pontuar como está esse mercado no mundo. Cada vez mais ocorrerá uma transformação na forma como as pessoas se locomovem. Essa mudança é irreversível.
Quais serão esses novos modais? Acho que é um processo de aprendizagem que as empresas, as cidades e a sociedade estão tendo como um todo. Penso que é normal as adaptações no mercado. Estamos lutando contra um hábito de 80 ou 90 anos.
Automóvel, ônibus ou metrô têm um investimento do governo e de grandes empresas há mais de 90 anos. Investimentos em infraestrutura, em subsídios, em tudo isso. As pessoas ficaram habituadas àquilo.
É uma transformação longa, mas cada vez mais forte. No Brasil e no mundo, as empresas estão se adaptando para entender quais são esses modais, quais são esses novos modelos de negócio.
O poder público também está investindo nessa mudança?
Essa mudança já está acontecendo. Na última eleição, tivemos uma discussão muito forte sobre as ciclovias, e depois de dois anos, a prefeitura [de São Paulo] anunciou que está investindo em 173 Km de novas vias.
As pessoas começaram a entender que é mais eficiente você distribuir melhor esse espaço viário para o fluxo da cidade do que ficar construindo viadutos e grandes avenidas. É uma mudança que está acontecendo, e acho muito saudável.
As ciclovias ainda são para uma elite?
No começo, ouvíamos um pouco mais disso. Falavam que estávamos só na Faria Lima, só na zona sul, mas não é verdade. No Rio de Janeiro, por exemplo, o nosso maior fluxo é no centro da cidade.
Na Faria Lima, 70% das pessoas que usam o nosso sistema vêm de regiões afastadas da cidade. É um modal que serve a região, mas para as pessoas que trabalham e se locomovem nessa região, não necessariamente que moram nessa região.
Se você pegar a bicicleta hoje, o Bike Itaú ou o Bike Sampa [duas marcas da empresa] é o modal mais barato para a pessoa que desce na estação Faria Lima para se locomover três ou cinco quilômetros.