Evite a administração tempestuosa se quer construir algo duradouro
Marco Roza
Colunista do UOL, em São Paulo
20/03/2013 06h00
Você nem bem chegou ao escritório e lá vem ele (ou ela) de caneta em punho e bloco de anotações numa mão e na outra o celular como uma extensão de seu braço, atropelando, olhando por cima dos seus ombros. Tudo antes do bom dia.
É um tsumani. Um executivo (ou executiva) agressivo. Que faz questão, a cada um dos minutos das eternas horas que todos nós somos submetidos ao seu comando de dono da empresa, a representar o papel de “todo poderoso”, sempre no comando. Implacável.
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Ninguém consegue trabalhar direito perto de um personagem desses. Ela (ou ele) atrapalha porque inibe os que o circundam.
Seu ritmo é tão alucinante que trava os que estão ao seu redor, que dizem, pelas costas, que esse empresário “só pode estar cheirado”, ou sob o efeito de um alucinante qualquer.
Ou seja, insinuam (e o pior, acreditam) que o dono da empresa a comanda sob o efeito de drogas.
Na verdade, esse comandante empresarial, que acredita piamente que toda a energia da empresa depende de suas atitudes agressivas, está sob o efeito de atitudes de comando empresarial mais antigo que o que foi adotado por nossos avós.
É um empreendedor que só aceita, em pleno Século 21, o comando verticalizado, como os adotados nas estruturas militares ou nas organizações religiosas antigas, que não deixa espaço sequer para se duvidar do acerto de suas orientações.
E que estimula a ferro e fogo a disciplina e a obediência imediata às ordens emanadas do escalão superior, que é ele (ou ela) mesmo.
Eles acreditam que são os emissores das ondas de comando que percorrem toda a empresa no estilo “arrasa quarteirão”.
E, por um determinado período, sustentam para o público interno e externo, para os novos clientes e para os gerentes de bancos ou acionistas seu estilo imperial com números e resultados.
Resultados, acreditam, de suas exigências extremas por resultados e cumprimento de metas. E não pensam duas vezes em deixar claro, direta ou indiretamente, que a punição aos que pensarem ou agirem diferente é a demissão e o escárnio público.
Tsumani
Até que um acidente de percurso –ou excesso de ímpeto– joga a onda gerencial desses empresários afoitos para além da praia. E a onda empreendedora se desmancha em filetes de água pelas calçadas.
Deixando, atrás de si, apenas os estragos de motivações partidas, dos colaboradores sem rumo, dos fornecedores sem o devido pagamento e de uma multidão de clientes abandonados.
O executivo até ontem todo poderoso perde, de uma hora para outra, o vínculo com o oceano-mercado que o sustentava.
E os seus ex-empregados agora sem emprego e sem rumo, mas ainda gotas essenciais de outros mares que sustentarão outras empresas, têm a oportunidade de refletir que toda onda, por mais forte que seja, mesmo um tsumani, é sustentada pelas gotas de água que a compõem.
Só somos fortes se estamos vinculados ao nosso ambiente de trabalho, ao nosso segmento econômico, à nossa comunidade.
E se soubermos desenvolver atitudes que reproduzam e reforcem, os interesses, vontades e necessidades de cidadãos e de consumidores, que sustentam, com seus corações e bolsos, todos e quaisquer empreendimentos.
Talvez esses donos que se acreditam deuses onipotentes, por terem acumulado uma bolada inicial via salários e bônus, herança da família e, até mesmo pelo talento profissional, comandem sua nova empresa acreditando, piamente, que são o alfa e ômega de uma onda geradora de lucros permanentes e de riquezas.
Se comportam como uma onda forte, viva, dinâmica e, que acreditam eterna.
Gotículas
Só temos a força que nos é transmitida pelo conjunto da companhia, pela sua inserção no próprio setor econômico, pela satisfação de necessidades de uma clientela específica.
Fora desse contexto, por maior que seja a altura que tenhamos chegado, somos apenas gotículas de água, muitas vezes vapor mesmo, frágeis, indefesos, inofensivos.
Mas, enquanto somos parte de uma bela e poderosa onda no mar, é interessante que aprendamos a refletir sobre as gotas que nos compõem, sobre a liquidez e instabilidade de nossa existência.
Que percebamos em nossas entranhas que, deslocados da cadeia produtiva na qual nos inserimos, corremos o risco real e imediato de flutuar para muito além da sustentação que nossos fornecedores, colaboradores e clientes estejam dispostos a nos oferecer.
Portanto, se você se sente uma onda forte, reflita sobre as gotas de água que te ajudam a fazer esse barulhão todo.
E se você é apenas a gota dentro do escritório, constantemente atropelado pelo dono enclausurado no terno caríssimo, que traz no pulso um relógio equivalente ao seu salário anual, tente conter seu olhar irônico e apenas sorria, como um sábio.
Lembre-se do ditado russo: “Uma locomotiva que gasta todo o vapor no apito, não vai muito longe.”
Ou cantarole, baixinho, a canção “Como Uma Onda”, de Lulu Santos: “Nada do que foi será/De novo do jeito que já foi um dia/Tudo passa/Tudo sempre passará”.
Se você me acompanhou até aqui merece ouvir a canção de Lulu Santos, enquanto respira fundo e reflete, clicando aqui.