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Boi de origem japonesa rende bife que custa mais de R$ 200 em restaurante

Priscila Tieppo

Do UOL, em São Paulo

13/12/2013 06h00Atualizada em 14/07/2015 19h06

O boi da raça japonesa wagyu (lê-se 'uaguiú") é o responsável pela produção de uma das carnes mais caras do mundo, que chega a ser vendida por até US$ 1.000 o quilo no Japão.

Essa carne, conhecida como "kobe beef" --uma referência à cidade japonesa de Kobe, de onde o gado se origina-- é encontrada no Brasil por um preço mais baixo, mas ainda assim salgado.

Em São Paulo, o quilo da carne pode chegar a R$ 240 (ou US$ 102). Em restaurantes, uma porção de 400 gramas vale mais de R$ 200 --o que, por quilo, equivaleria a R$ 500 (US$ 213)

A justificativa para o alto preço está no fato de a raça wagyu produzir carne com muita gordura entre as fibras, o que, segundo especialistas, a torna saborosa e macia. Por essa razão, ela é quase sempre servida apenas levemente grelhada e com pouco sal; nada de molhos ou temperos fortes, para não haver interferências no gosto.

A carne é classificada de acordo com seu grau de marmoreio, ou seja, a quantidade de gordura entremeada. Quanto maior a quantidade de gordura, maior o número que ela recebe.

A classificação japonesa vai de 1 a 12, e serve também como referência para o preço da carne, inclusive em restaurantes, que cobram mais caro pelas peças de número maior. Aqui no Brasil são produzidas carnes de 1 a 8, mas o preço do produto não varia conforme a  numeração.

A carne de bois de outras raças não atinge o nível mínimo de gordura dessa escala.

“No Japão, essa carne mais gordurosa faz sucesso e é a mais cara. Aqui no Brasil, conseguimos manter um padrão de marmoreio que agrada mais ao paladar do brasileiro, [uma carne] não tão gordurosa e muito saborosa”, diz o chef do restaurante Kinoshita, Tsuyoshi Murakami.

O restaurante, localizado em São Paulo, compra cerca de 90 kg por mês da carne produzida na fazenda Yakult, a pioneira na criação do gado wagyu no Brasil. Os pratos do restaurante, com 150 gramas de kobe beef, custam em média R$ 70.

Carne ainda é pouco conhecida por brasileiros

O kobe beef ainda não é tão conhecido no Brasil, apesar de estar no país há quase 20 anos. “Ainda é um paladar pouco explorado e muito restrito a quem pode pagar”, diz Belarmino Iglesias, presidente do conselho administrativo do grupo Rubaiyat, que reúne fazendas e restaurantes.

Segundo o chef especialista em carnes István Wessel, o kobe beef entra na lista de carnes exóticas, consumida poucas vezes ao ano. “É um produto muito bom, mas custa mais do que os outros e tem muita gordura, o que causa uma certa resistência do consumidor, pois vai um pouco na contramão do consumo de produtos menos gordurosos”, afirma.

Há diferenças entre a carne de wagyu brasileiro e japonês, afirma Uenishi que experimentou muitos cortes nos dois países. "A carne de lá é mais adocicada, derrete mais na boca do que a daqui e sua cor é mais clara do que a nossa", afirma. 

O chef Jonas Leite, professor de gastronomia especialista em carnes da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), tem opinião semelhante. " É uma carne adocicada nas duas versões. A carne do Japão tem menos fibras do que a daqui, o que a deixa mais macia, e derrete mais na boca do que a brasileira.  Mas ambas são de qualidades equivalentes; o que muda é que a produção japonesa consegue níveis mais altos de marmoreio", afirma.

Criação do gado inclui alimentação balanceada e cevada

A Yakult decidiu trazer ao Brasil o primeiro casal da raça wagyu, comprado nos Estados Unidos, em 1993. O objetivo dos donos da empresa, conhecida por fabricar leite com lactobacilos vivos, era investir em uma carne diferente e melhorar a genética do gado já existente no Brasil.

Hoje, a fazenda da empresa, localizada em Bragança Paulista (a 85 km de São Paulo), possui 500 cabeças de gado puro, o maior do país sem cruzamentos com outras raças, de acordo com a Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos da Raça Wagyu, que reúne 50 pecuaristas.

Os bois brasileiros se alimentam basicamente de capim, no pasto, e, eventualmente, alguns meses antes do abate recebem ração para ganhar peso mais rapidamente.

Já os machos da raça wagyu destinados ao abate não pastam. Eles ficam confinados em áreas cercadas, onde recebem milho, soja, trigo e cevada; esta última também pode ser substituída por resíduo de cervejaria.

“Não utilizamos hormônios na criação [para obter maiores níveis de gordura]”, diz o veterinário da fazenda, Rogério Uenishi, que trabalha com a raça desde que foi trazida ao país.

Para produzir uma boa carne, o wagyu não pode nem engordar demais e muito menos emagrecer. “Ele deve ganhar até um quilo por dia e manter esta média para que a carne tenha qualidade. Além disso, apostamos na genética para garantir o nível de marmoreio da nossa carne”, afirma Uenishi.

Segundo ele, os animais da fazenda Yakult apresentam nível de marmoreio entre 3 e 7. A quantidade de gordura varia de um animal para outro; os cruzamentos são controlados para manter os níveis mais altos.

Para manter o padrão da carne, também são feitos testes genéticos com os animais na própria fazenda. O veterinário seleciona um a cada 50 touros para ser reprodutor. Já no caso das fêmeas, 48 de 50 são doadoras de óvulos.

“Cada animal de 800 quilos dá 250 kg de carne de boa qualidade”, diz. A parte do boi mais valorizada é o contrafilé, cujo preço é de R$ 240 o quilo. “É a parte mais uniforme deste boi e onde se percebe bem o marmoreio”, afirma Uenishi. Depois dela, vem a picanha, de R$ 168 o quilo e o filé-mignon, R$ 110 o quilo.

Para comparação, uma peça de 1,5 kg de filé-mignon no supermercado Pão de Açúcar, em São Paulo, custa R$ 54, e a picanha de 1 kg em bifes, R$ 47.

Boi no Japão ganha massagem e toma cerveja

Produtores japoneses com poucos animais dão atenção maior aos animais de sua criação. Segundo Uenishi, que visitou o Japão em busca de mais informações sobre a raça wagyu, tratamentos como massagem, dar cerveja ao animal e garantir aquecimento em regiões mais frias, são comuns para propriedades pequenas, que preparam o animal para competições em exposições no país.

"São só aqueles que têm dez animais no máximo. Em uma produção de escala industrial, como acontece no Brasil, é muito difícil viabilizar estes tratamentos. Lá, a relação deles com o bicho é como se ele fosse um animal de estimação", afirma o veterinário.

Os japoneses acreditam que a massagem consegue ajudar a entremear mais gordura na carne e, assim, melhorar a classificação de marmoreio. Já a cerveja ajudaria na digestão da comida, aumentando o aproveitamento do alimento no corpo do boi.

"No entanto, não há comprovação científica de que estas medidas influenciam no marmoreio. Claro que, se for comprovado, muitos criadores farão isso também, mas o investimento é alto e é preciso ter o retorno da carne", diz.

Já tapetes e pisos aquecidos seriam usados no Japão apenas em regiões mais frias, por uma preocupação com o bem-estar do animal, assim como a música clássica que, acredita-se, relaxa os bois.

Kobe beef pode ser adquirido em casas especializadas

Lojas de produtos gourmet, como Casa Santa Luzia, Empório Santa Maria e a Intermezzo Gourmet, em São Paulo, vendem essa carne já cortada em bifes, com preços entre R$ 126 e R$ 170 o quilo. A Intermezzo dispõe do produto em sua loja virtual com entrega nas capitais brasileiras; as demais entregam apenas em São Paulo.

A fazenda Yakult produz 1,5 tonelada de carne de wagyu por mês; 70% disso é vendido na região e na própria fazenda, e os demais 30% vão para restaurantes em São Paulo, como o Kinoshita e o Rangetsu.

Já a fazenda Rubaiyat, localizada em Dourados (MS), produz 200 kg por mês de kobe beef para os restaurantes do grupo. “O wagyu representa 5% das carnes produzidas na fazenda”, diz Iglesias.

Segundo a associação dos criadores, há 5.000 cabeças de gado puro no país e mais de 30 mil provenientes de cruzamento do wagyu com outras raças. As criações se concentram nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Paraná e Rio Grande do Sul.