IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

Carla Araújo

Bolsonaro usa 'rampa de casa' para colocar o país numa situação preocupante

O fotógrafo Dida Sampaio, do jornal O Estado de São Paulo, é agredido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro - Ueslei Marcelino/Reuters
O fotógrafo Dida Sampaio, do jornal O Estado de São Paulo, é agredido por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Do UOL, em Brasília

03/05/2020 19h27

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

No mesmo dia em que o Brasil bateu os 100 mil casos de infectados pelo coronavírus e ultrapassou a marca de 7 mil mortos pela doença, o presidente Jair Bolsonaro participou de mais uma manifestação - que pedia o fechamento do Congresso e era contra o Supremo Tribunal Federal (STF) - para falar que a "manifestação espontânea do povo era pela liberdade e democracia" e para defender o fim do isolamento.

Em sua fala praticamente não faltou nada do cardápio bolsonarista: ataques aos poderes, aos governadores e à imprensa. Em meio a buzinas e gritos de "mito" e "não desista", Bolsonaro, sem máscara e de mãos dadas com a filha caçula de oito anos, não se intimidou, voltou a evocar às Forças Armadas e afirmar que vai nomear o diretor-geral da Polícia Federal nesta segunda-feira.

Em nada falou sobre as suspeitas e investigações que parecem chegar mais perto de sua casa, onde foram criados seus filhos investigados.

Bolsonaro começou a transmissão ao vivo pelas suas redes sociais de dentro do Palácio do Planalto dizendo que estava na rampa da sua casa. Não está. Ali é a sede do Poder Executivo do Brasil. Que deve dividir com os demais - Legislativo e Judiciário - a condução do país.

"Queremos o melhor para o nosso país e a independência verdadeira dos nossos poderes", disse o presidente, acrescentando que "acabou a paciência". A frase até poderia ser dita num almoço de família com discussões naturais. Mas, nos tempos que vivemos, não é. É a frase do chefe do poder Executivo, cujo filho já disse que apenas "um cabo e um soldado" bastariam para fechar o STF.

"Você acha que ele consegue fechar o STF?", foi uma pergunta feita por um cidadão comum que acompanhou os acontecimentos deste domingo em casa, como deveriam estar os demais brasileiros, caso estivessem respeitando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Buscamos repercussões sobre os atos e as falas do presidente. Até porque, cercado por ministros e auxiliares militares, Bolsonaro deu neste domingo uma das mais fortes manifestações de que contaria com as Forças Armadas para fazer suas vontades. É isso? O Exército não quis se manifestar até o momento. E o Ministério da Defesa também não.

"As Forças Armadas estarão sempre na defesa da Constituição, do povo e da independência dos poderes", escreveu o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, ao ser questionado pela coluna sobre qual avaliação fazia dos atos deste domingo.

"Não pude ouvir toda a fala, não tenho juízo de valor. No entanto, considero que a estratégia dele é mostrar que o povo está com ele", disse outro general em caráter reservado. .

"Os ânimos estão cada vez mais exaltados. Imagina quando o depoimento do Moro vier à tona", ressaltou outro militar que não atua diretamente no assessoramento do presidente, sobre o receio de que a fala do ex-ministro da Justiça possa ampliar ainda mais a crise no governo. "Eu não sei onde vamos parar", ponderou um auxiliar civil.

Agressão à imprensa

Ironicamente o dia 3 de maio é o Dia Internacional de Liberdade de Imprensa. E, infelizmente, a manifestação deste domingo não terminou sem violência. Colegas que são admirados e respeitados foram acuados e agredidos por manifestantes a favor do presidente.

Não é de hoje que o discurso de Bolsonaro infla seus apoiadores contra os jornalistas. Na live deste domingo, ao ser avisado de que "repórteres da Globo" estavam sendo agredidos, o presidente respondeu - ao vivo e a cores (pelas redes sociais) - que "a TV Globo foi longe demais" e que eles só queriam "falar besteira".

O discurso contra a imprensa e a liberdade de jornalistas profissionais mostra o ímpeto de alguém que quer criar a sua narrativa para evangelizar os apoiadores.

Com sentimentos que misturam raiva e tristeza vem a gratidão de que ali, entre os homens e mulheres vestidos com a camisa do Brasil e segurando a bandeira do país, não estivesse ninguém com o direito de ter uma arma. O temor é que, em algum momento, esses confrontos acabem com tiro a queima-roupas.

Bolsonaro foi esfaqueado durante a campanha, pede mais investigações sobre isso e justifica que por isso precisa alterar o comando da Polícia Federal. Por outro lado, agracia o poder dos militares para ter que ouvir que estarão prontos para cumprir a Constituição. Fica cada vez mais complicado acreditar que o presidente governa - como repetiu várias vezes neste domingo - pelo bem do povo brasileiro.

E o mais difícil de começar a semana assim é saber que não há respostas exatas sobre o futuro do país, mas, infelizmente, há uma certeza: não será fácil.