Síndrome de burnout vira doença ocupacional; quais direitos do trabalhador?
A partir de janeiro, a OMS (Organização Mundial da Saúde) vai reconhecer a síndrome de burnout como doença ocupacional, caracterizada como "estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso". Com isso, trabalhadores acometidos pela doença ganham um argumento a mais em pedidos de afastamento pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou de reparação pela empresa na Justiça do Trabalho.
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a nova posição da OMS servirá para reforçar, no decorrer de processos ou perícias trabalhistas, a associação entre ambiente tóxico de trabalho e prejuízos psíquicos.
Desde que bem documentadas, poderão ser caracterizadas como causadores da doença do trabalho a pressão por cumprimentos de metas abusivas, ameaças frequentes de dispensa, assédio e outras práticas.
A advogada trabalhista Gabriela Lock, do escritório Baptista Luz Advogados, diz que, com a mudança, a síndrome de burnout terá uma CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) específica. Hoje, quem sofre da doença acaba tendo que recorrer à CID de outras doenças, como a depressão.
Entenda mais sobre a doença e veja abaixo os efeitos práticos da mudança para o trabalhador.
O que é a síndrome de burnout
A síndrome de burnout é resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Segundo especialistas, a doença psíquica está associada à exaustão que acontece de forma prolongada.
Tem como características:
- sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia
- aumento do distanciamento mental do trabalho
- sentimentos negativos relacionados ao próprio trabalho
- redução da eficácia profissional
- sintomas como depressão, ansiedade, irritabilidade, baixa autoestima e dificuldade de concentração
Como comprovar que tem a doença
Entre os documentos necessários para dar entrada na perícia médica estão: laudo e relatório médico fundamentado, no qual o médico deverá descrever sintomas, fatores que desencadearam o problema de saúde e ainda inserir o número da CID corretamente, além da documentação pessoal e profissional.
Essa avaliação deve ser feita pelo médico e psicólogo do paciente. Eles deverão emitir os laudos detalhando o problema e informando o período de afastamento do trabalho.
Com até 15 dias de ausência, o salário é mantido pela empresa. Se o período for superior a 15 dias, o trabalhador poderá dar entrada no auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, dependendo do caso.
O pedido de benefício é igual aos demais casos de doença ou acidente. O profissional deverá agendar a perícia médica do INSS para confirmar a condição de saúde.
Se necessário mover uma ação na Justiça, os mesmos documentos deverão ser reunidos.
Quais os direitos do trabalhador
Estabilidade
Comprovada a doença, o trabalhador afastado pelo INSS terá direito a estabilidade no trabalho, ou seja, não poderá ser demitido por 12 meses. Caso o acordo coletivo de trabalho da sua categoria estabeleça um tempo maior de estabilidade, vale o que estiver no acordo. Durante o período, o funcionário afastado segue tendo direito ao depósito do FGTS pela empresa.
Auxílio-doença
O auxílio-doença é um benefício garantido pelo INSS aos segurados impedidos de trabalhar por acidente ou doença. Existem dois tipos: o previdenciário, quando o problema de saúde não está diretamente ligado às atividades desenvolvidas no trabalho, e o acidentário, quanto está. É nesse último caso que se encaixa a síndrome de burnout.
O benefício corresponde a 50% do valor da aposentadoria por incapacidade permanente, que varia de pessoa para pessoa. Não existe prazo definido para o trabalhador receber, isso vai variar confirme a gravidade de cada caso. O INSS marca avaliações periódicas para definir se o empregado segue incapaz de executar seu trabalho.
Aposentadoria por invalidez
Caso peritos do INSS considerem que o caso é grave e que o profissional não recuperou a capacidade de trabalhar, ele terá direito à aposentadoria por invalidez. O beneficiário passará por avaliações periódicas para confirmar a persistência do problema de saúde. A aposentadoria por invalidez pode ser suspensa caso o trabalhador se recupere. O cálculo do valor do benefício depende de fatores como o seu salário e as contribuições feitas ao INSS ao longo da vida.
Reparação na Justiça
Juliana Bracks, advogada trabalhista e professora da FGV-Rio (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), afirma que o trabalhador pode também buscar reparação na Justiça, cobrando danos morais e ressarcimento de gastos médicos, caso tenha tido sequela da doença ou prejuízo à sua vida pessoal e profissional.
Segundo ela, esse tipo de ação contra empresas já é possível hoje, mas o reconhecimento pela OMS de que a síndrome de burnout é uma doença frequente em contexto profissionais nocivos e tóxicos pode ajudar sendo mais um elemento de prova.
Posicionamento da OMS não garante vitória do trabalhador
O posicionamento da OMS vai funcionar como uma orientação para facilitar que médicos, peritos do INSS e médicos peritos judiciais reconheçam a relação de causa e efeito entre o ambiente de trabalho no indivíduo e a síndrome de burnout, segundo Bracks.
Mas, para a coordenadora do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Joseane Zanardi, a doença continuará sendo tratada de forma subjetiva e as decisões dependerão do entendimento sobre os documentos reunidos. Na prática, isso dificultaria a responsabilização de empresas em processos trabalhistas.
Gabriela Lock, do escritório Baptista Luz Advogados, diz que a capacitação dos peritos é outro problema na Justiça do Trabalho
"É um diagnóstico complexo, por ser uma doença psíquica. Corremos o risco de ter uma judicialização de todas as eventuais mazelas psíquicas ou meros desgostos dentro do ambiente de trabalho, e isso cair numa vala comum no burnout. Não temos um corpo médico na Justiça qualificado e especializado nisso. Hoje temos perícias psíquicas sendo conduzidas por médicos ortopedistas", disse.
Governo precisa definir regras, diz especialista
Lock afirma que os Ministérios da Saúde e do Trabalho ainda precisarão se manifestar sobre o reconhecimento da doença para definir regras sobre o afastamento pelo INSS e evitar insegurança jurídica.
É necessário definir, por exemplo, se o próprio empregado pode apresentar um laudo de médico particular diagnosticando a síndrome de burnout e se a empresa será obrigada a aceitar esse atestado, diz.
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