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Crise política 'acelera' perda de grau de investimento, dizem analistas

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Ruth Costas

Da BBC Brasil em São Paulo

16/12/2015 17h22Atualizada em 16/12/2015 18h20

Três meses após a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirar do Brasil o chamado grau de investimento --um "atestado" de bom pagador--, chegou a vez de a agência Fitch tomar a mesma decisão.

Citando a crise política e a deterioração das contas públicas, a Fitch anunciou nesta quarta-feira a volta do país ao grau especulativo. "O difícil ambiente político tem afetado o progresso da agenda legislativa do governo e criado um ciclo de reações negativas para a economia", diz a agência.

"O fraco desempenho econômico e fiscal deverá persistir enquanto as incertezas políticas continuarem pesando na confiança em geral, atrasando a retomada dos investimentos e do crescimento, ao mesmo tempo em que aumentam os riscos para a consolidação fiscal a médio prazo, necessária para a estabilização da dívida do país."

A decisão, embora já fosse esperada, é considerada emblemática porque quando duas das três grandes agências internacionais de classificação de risco tiram o selo de bom pagador de um país, muitos fundos de pensão e de investimento são obrigados, por seus estatutos, a retirar os recursos que possuem aplicados em títulos e papéis desse local.

"Por isso, a tendência é que haja algum impacto no mercado, ainda que muitos agentes já tenham revisado seus investimentos no país, antecipando esse rebaixamento", diz Thiago Biscuola, da RC Consultores.

A avaliação de analistas financeiros é que é significativo o risco de um país com grau especulativo dar um calote em seus credores.

Por isso, a perda do selo de bom pagador tende a enxugar e encarecer o crédito para um país e as empresas ali sediadas, além de contribuir para uma saída de dólares e enfraquecimento da moeda local --no caso o real.

O Banco Central, porém, afirmou que a reclassificação da Fitch "não altera o sentido ou a intensidade do ajuste macroeconômico em curso, que já demonstra resultados concretos". O BC também diz prever uma "desinflação" em 2016 e uma melhoria fiscal, "fatores essenciais para a recuperação da atividade econômica em bases sustentáveis".

 

Moody's

Com o rebaixamento da Fitch, a única grande agência que não considera o Brasil grau especulativo passou a ser Moody's --mas, pelo visto, não por muito tempo, já que recentemente a agência anunciou que o rating (nota) do país está em revisão com perspectiva de rebaixamento.

Para Biscuola, apesar de a decisão da Fitch estar longe de ser uma surpresa, ocorreu antes do que muita gente esperava, "aparentemente em função da deterioração do cenário político, além da decisão do governo de mudar sua meta para o superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida de 2016) de 0,7% para 0,5% do PIB".

"A volta do debate sobre impeachment também ampliou a percepção de risco sobre o Brasil. Se você é um investidor, não se sente confortável em não saber que tipo de governo o país terá em um ano", opina.

Antonio Carlos Alves dos Santos, economista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concorda que a instabilidade política "está afetando bastante a imagem do Brasil lá fora".

Para ele, o rebaixamento mostra que é cada vez maior a percepção de que a classe política brasileira não é capaz de se unir para tomar decisões que são cruciais para o bom funcionamento da economia, em especial as relativas ao ajuste fiscal.

"Ou seja, as elites políticas brasileiras não conseguem perceber o que deve ser política de Estado, apoiada por todos, independentemente de brigas e interesses políticos", diz ele.

Economia sólida

Na avaliação do presidente do Itaú BBA, Candido Bracher, apesar de ser "difícil ficar surpreso" com a notícia do rebaixamento do Brasil pela Fitch, é preciso lembrar que o país já foi grau especulativo por muito tempo.

"E naquela época tínhamos uma situação externa frágil, o que não ocorre hoje", diz.

Em entrevista coletiva nesta quarta, Bracher ressaltou que o Brasil tem uma economia sólida e um nível de reservas cambiais relativamente elevado. "São as incertezas políticas que impedem que a gente tenha uma clareza de perspectiva", opinou.

As análises de agências de classificação de risco servem de orientação para investidores em busca de oportunidades para aplicar seu dinheiro. Mas, nos últimos anos, a forma como essas agências agem também tem sido alvo de críticas.

Para os críticos, a crise financeira global de 2008 e a falência do banco Lehman Brothers nos EUA colocou em xeque a credibilidade dessas agências. O banco tinha nota "A" ao quebrar.

Outra polêmica envolvendo as agências ocorreu em 2011, quando a S&P reduziu a nota dos Estados Unidos de AAA para AA+ pela primeira vez na história. Na época, o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman defendeu que a agência seria "a pior instituição à qual alguém deveria recorrer para receber opiniões sobre as perspectivas dos EUA".

Analistas de mercado costumam admitir que a reputação das agências foi abalada, mas ressaltam que até hoje não foram criadas alternativas a essas instituições - e os investidores precisam de suas avaliações para saber onde aplicar seus recursos.