Para cumprir LRF, Estados precisam reduzir em 2% ao ano despesas com servidores
Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Brasília
09/10/2019 17h16
A necessidade de adotar "medidas de austeridade" sucede a trajetória explosiva dos gastos com pessoal nos últimos anos. De 2003 a 2017, o avanço dessa despesa foi de 78,9% acima da inflação, aponta o relatório "Gestão de Pessoas e Folha de Pagamentos no Setor Público Brasileiro - O que dizem os dados?", lançado nesta quarta-feira, 9, pelo banco em conjunto com o Ministério da Economia. O cenário considera um crescimento futuro de 2% da Receita Corrente Líquida (RCL) dos Estados. Se houver frustração de receitas, o cenário fica ainda mais desafiador.
O aumento exponencial dos gastos com servidores levou ao descumprimento da LRF, que limita essas despesas a 60% da RCL. Apesar de alguns Estados não reconhecerem a violação desse limite, o Tesouro Nacional apontou este ano que 12 deles descumpriram a lei em 2018.
O estouro do limite tem tido consequências. Ao estrangular as finanças dos Estados, acaba comprometendo a capacidade dos próprios governadores de manter em dia os pagamentos. No relatório, o Banco Mundial cita que, nos últimos anos, 20 dos 27 Estados e Distrito Federal atrasaram pagamentos de salários em algum mês - ou até por mais de um mês.
A política salarial e de contratações dos Estados é marcada por um histórico de aumentos reais (acima da inflação), progressões rápidas e ampliação do contingente de servidores. Esse conjunto de fatores ditou o ritmo acelerado do crescimento dos gastos com a folha de pagamento, principalmente entre 2003 e 2014, quando o avanço médio da despesa foi de 6,4% ao ano (já descontada a inflação).
Os Estados também pagam bem acima da remuneração do setor privado e turbinam os salários com gratificações que chegam a 40% do pagamento mensal. Há casos de benefícios criados para remunerar policiais que atuam em regiões mais perigosas ou servidores em atividades noturnas que acabam sendo estendidos a todos os servidores, descaracterizando seu objetivo inicial.
Os reajustes concedidos conforme a progressão na carreira também são elevados e podem ultrapassar 30%. Em Mato Grosso, por exemplo, após três anos de serviço público, os professores universitários podem ter reajuste de 95%. As promoções ocorrem a cada três anos, de forma que, após nove anos, a maior parte das categorias já teve aumento salarial entre 75% e 166%.
Em cerca de metade dos Estados, há ainda outro problema: o crescimento dos gastos com aposentados e pensionistas é superior às despesas com servidores ativos, tendência que deve continuar para os próximos anos, segundo o Bird.
Os grandes propulsores desse avanço são a paridade salarial (que garante aos inativos os mesmos reajustes dados aos ativos), o aumento da expectativa de vida da população e o fato de que mais da metade ainda paga benefícios acima do teto do INSS (hoje em R$ 5.839,45) porque não instituiu regime de previdência complementar.
A reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional pretendia corrigir alguns desses problemas, mas os Estados e municípios acabaram sendo excluídos da proposta ainda na Câmara dos Deputados. O Senado agora propõe que eles sejam reincorporados por meio de uma proposta "paralela", que tramita de forma independente para evitar atrasos no cronograma da reforma principal.
Ajustes
Com o avanço das despesas com aposentados, alguns Estados já têm segurado reajustes salariais para tentar equilibrar as finanças. No Paraná, o salário médio dos servidores havia crescido 8,3% ao ano até 2014 e agora tem avançado a uma taxa quatro vezes menor, de 2% ao ano.
Mesmo assim, o Banco Mundial avalia que, assim como no governo federal, os Estados têm uma oportunidade importante pela frente para promover uma reforma administrativa. O especialista sênior para o setor público do Banco Mundial, Daniel Ortega Nieto, coordenador do grupo que elaborou o estudo, alerta que os Estados ainda têm benefícios já extintos pela União, como triênios e quinquênios, que concedem adicionais no salário conforme o tempo de serviço. "Isso gera uma pressão absurda sobre a folha dos Estados", diz.
Para o Bird, é possível controlar a taxa de crescimento da folha com um mix de políticas que podem incluir o congelamento salarial por dois anos, reajustes pela inflação (sem aumento real), aumento do tempo necessário para ter progressão na carreira, corte de 30% nos aumentos recebidos na progressão e redução temporária na taxa de reposição dos servidores (apenas uma contratação a cada duas aposentadorias).
O banco fez simulações dos efeitos que essas medidas teriam em alguns Estados. No Rio Grande do Norte, que enfrenta grave situação fiscal apesar de ter baixo endividamento, o corte nas despesas com pessoal precisaria chegar a 3,6% ao ano para que o governo estadual volte aos limites da LRF. Nos cálculos do Bird, o Estado poderia economizar, até 2022, 5% com o congelamento de salários por dois anos, 8,1% com a reposição apenas pela inflação e 9,8% com a redução na taxa de reposição dos servidores. Essas economias são calculadas em relação a um cenário em que nenhum ajuste é feito e são crescentes ao longo do tempo: o impacto chegaria a 67% no caso da política de reajuste apenas pela inflação até 2038.
No Maranhão, a política de maior impacto de curto prazo (até 2022) seria o congelamento de salários por dois anos, com economia de 10,3% no período. Outras medidas poderiam render impacto de 8,9% com reajustes apenas pela inflação, 2,7% com menos contratações, 5,8% com o aumento do intervalo entre progressões e 3,9% com um corte de 30% nos reajustes oriundos de promoções nas carreiras.
Em Santa Catarina, o congelamento de salários também seria a medida de maior efeito de curto prazo nas contas do Estado, com economia de 6,5% até 2022. O governo catarinense ainda poderia poupar 5,6% com reposição apenas pela inflação, 1,4% com a redução nas contratações, 2,9% com o aumento do intervalo entre progressões e 2,6% com um corte de 30% nos reajustes oriundos de promoções nas carreiras.