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Da fome ao clima: 5 desafios que o Brasil enfrentará na presidência do G20

Presidente Lula participa do encerramento da Cúpula do G20, em Nova Délhi (Índia) Imagem: Ricardo Stuckert/PR
Henrique Santiago, Do UOL e em São Paulo

01/12/2023 04h00Atualizada em 01/12/2023 10h49

O Brasil assume nesta sexta-feira (1º), pela primeira vez, a presidência do G20. O mandato temporário, que tem duração de um ano, colocará em evidência uma série de desafios que o governo Lula terá à frente do grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana.

Em novembro, o presidente Lula (PT) estabeleceu três eixos centrais da presidência brasileira do G20: o combate à fome, pobreza e desigualdade; desenvolvimento sustentável em suas três dimensões (econômico, social e ambiental); e a reforma da governança global. Como resposta a algumas questões emergenciais, o Brasil vai criar duas forças-tarefa: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global contra a Mudança do Clima.

O UOL conversou com Bruno de Conti, professor livre-docente de Economia Internacional da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que esteve à frente de um estudo feito pelo Made-USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo) em parceria com o PET/Unicamp (Projeto Economia para Transformação) em que analisa o cenário que o Brasil terá pela frente no próximo ano.

O documento discute que países do Sul Global -classificados por meio de um conceito geopolítico que os coloca como nações que procuram elevar seu protagonismo— têm chances de serem protagonistas de mudanças positivas na arena política internacional.

Combate à fome

O governo Lula deve usar sua própria experiência no combate à fome. Iniciativas como o programa Fome Zero, que ajudaram o país a sair do Mapa da Fome da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2014, podem ser centrais na coordenação de políticas em nível global para reduzir o número de pessoas nessa condição, afirma De Conti.

Cerca de 800 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo, segundo divulgou ONU em 2020. O professor da Unicamp diz que o problema não está na falta de alimentos, mas sim no acesso para pessoas mais vulneráveis.

Vai ser um gol de placa se essa vontade política for implementada durante o governo brasileiro. Tem de implementar e começar a dar passos na direção de realmente reduzir a fome globalmente.
Bruno de Conti, professor da Unicamp

Transição verde

O desenvolvimento sustentável tem de ser tratado com urgência, diz De Conti. Ele afirma que eventos recentes, como altas temperaturas e tempestades pelo Brasil, evidenciam que a preocupação com o meio ambiente passa diretamente pela economia verde. Em 2025, Belém sediará a COP-30.

Segundo De Conti, países do Norte Global —que são categorizados pela liderança política mundial—, como Estados Unidos e Reino Unido, devem ser os grandes responsáveis por financiar a transição para uma economia sustentável. Mas ele reconhece que o Sul Global, aqui representado principalmente por China e Índia, também são responsáveis pela transformação do meio ambiente nas últimas décadaa..

O especialista também diz que investimentos públicos e privados devem ser destinados em prol da sustentabilidade ambiental. "Por questões econômicas, e também por uma responsabilidade histórica, o Norte Global deve ser protagonista no financiamento dessa transição energética. Isso passa, por exemplo, pelo perdão de dívida, mas também é preciso a alocação de recursos em âmbito global para essa transição acontecer, e também uma tolerância maior em relação aos gastos públicos que forem feitos com esse objetivo."

Renegociação e perdão de dívidas

As propostas de alívio ou perdão de dívidas de países de baixa renda precisam ser observadas com atenção. De Conti declara que o G20 já lançou dois programas desde a pandemia de covid-19, mas não tiveram o resultado esperado. Em 2020 o grupo instituiu a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI, em inglês), responsável por suspender US$ 12,9 bilhões em pagamentos do serviço da dívida devidos pelos países participantes aos seus credores, de acordo com o Banco Mundial.

Em 2022, o programa foi substituído pelo Quadro Comum para o tratamento da dívida além da DSSI. O estudo da USP e Unicamp avalia, porém, que até agora apenas Zâmbia, Chade, Etiópia e Gana recorreram a esse socorro.

De Conti diz que a dívida pública se transforma em problema muito maior para esses países. Isso porque os juros e encargos da dívida (os juros da dívida) acabam por criar uma bola de neve e atravanca o investimento em políticas públicas voltadas para o combate à fome e emergência climática, avalia o especialista.

Quando uma dívida representa, digamos, de 10% a 20% do PIB de um país, isso tira espaço fiscal para o pagamento de outras coisas que são absolutamente urgentes.

Desigualdade de gênero

A desigualdade de gênero no mercado de trabalho é uma preocupação que deve ganhar mais importância. Bruno de Conti declara que a presidência brasileira precisa propor iniciativas que reduzam a assimetria de salários e oportunidades entre homens e mulheres.

Ele diz que o assunto deve ganhar proporção global e direcionamento certeiro agora que o Brasil está à frente do G20. Ainda assim, reconhece que o país está muito atrás de nações mais desenvolvidas da Europa e América do Norte, por exemplo.

Nós temos que aprender com os países do Norte Global, que nesse sentido avançaram mais do que a gente. O Brasil ainda é ultra machista e com desigualdade de gênero gritante. Nós temos a necessidade moral de manter essa agenda, mesmo que seja para tentar aprender com políticas públicas que foram adotadas em países na Europa, por exemplo, e que gradualmente vão reduzindo essas lacunas.

Governança internacional

De Conti afirma que a redução da desproporção de governança global deve ser um ponto qu enfrentará resistência no G20. Ele cita como exemplo o fato de Estados Unidos serem o único país com poder de veto no FMI (Fundo Monetário Internacional), o que, em sua avaliação, traz uma assimetria no sistema monetário e financeiro internacional.

Mas o especialista ressalta que a discussão dessa pauta será custosa para os países do grupo. "Essa agenda vai encontrar muita resistência, mas é necessária porque trata também de desigualdade, uma desigualdade de poder e de voz, digamos, na governança global", conclui.

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