Passagens aéreas subiram 47% em 2023; viajar ficará mais barato em 2024?
Do UOL, em São Paulo
16/01/2024 04h00
Os preços das passagens aéreas subiram 47,24% nos últimos 12 meses. Poucos aviões para todos os viajantes interessados, alta no preço do petróleo, quebra de agências de viagens e setor ainda em dificuldades fizeram o custo de um bilhete aéreo disparar. Para 2024, o cenário deve ser mais estável, com recuperação das empresas e diminuição dos custos. Mesmo assim, esses reflexos podem demorar para aparecer no preço das passagens, que não devem ficar tão mais baratas tão cedo.
O que dizem os dados da inflação
O IPCA de dezembro acelerou 0,56%, 0,28 p.p. acima do índice em novembro. No último mês do ano, o grupo de alimentos foi o que mais pesou no índice. O IBGE divulgou na última quinta-feira (11) a inflação acumulada para de 2023, que ficou em 4,62%, abaixo do teto da meta. Já no ano, o grupo que mais influenciou o IPCA foi o de Transportes, e dentro dos subitens analisados, chamou a atenção a alta das passagens aéreas, que tiveram alta de quase 50%.
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No acumulado do ano, a inflação ficou em 4,62%. Aqui, o grupo de transportes foi o que mais influenciou o resultado, muito pela alta da gasolina (12,09%), que voltou a subir após a reoneração dos tributos federais e das alterações nas cobranças do ICMS. A gasolina é o subitem de maior peso entre os 377 analisados pelo IPCA.
Por que preço das passagens aéreas disparou tanto?
Muita gente quis viajar, mas faltou avião. Ygor Araújo, analista de Transporte e Indústria da Genial Investimentos, destaca, por exemplo, que 2023 houve uma menor oferta de aeronaves para as companhias. O fenômeno foi causado por atrasos nas entregas por parte das fabricantes. Por outro lado, com uma melhora na atividade econômica, a demanda cresceu.
Em 2024, a oferta de aviões deve continuar apertada. "As companhias aéreas inclusive revisaram suas projeções recentemente para baixo, de volumes operacionais, justamente por conta dessa expectativa de entregas um pouco menores ao longo do ano", diz Araújo.
Outro fator que explica a alta nos preços é a situação delicada das companhias aéreas, que ainda se recuperam do período da pandemia. O analista explica que hoje há muito menos espaço para brigar por preços. "Aquele competição feroz, de quem tinha o maior market share [fatia de mercado] nas principais rotas é bem diferente. As companhias estão muito mais maduras nesse sentido, o que joga contra o consumidor", diz.
A a saída de empresas como Hurb e a 123milhas do mercado também impactou os preços, ainda que em escala menor. A 123milhas entrou com pedido de recuperação judicial no final de agosto, pouco depois de comunicar os clientes que as viagens compradas na modalidade "promo" (com flexibilidade de data) não aconteceriam. A empresa tem hoje uma dívida que ultrapassa os R$ 2,3 bilhões.
Com Hurb, 123milhas, você gera uma demanda que já tinha um preço mais barato nas passagens. Essas empresas que operavam com milhas tinham um poder de barganha grande, 'tenho tantas passagens, vou comprar um lote grande e consigo menores preços'. Com essas empresas saindo do mercado por falta de compromisso, o consumidor tem que buscar a passagem eventual. Quem reservou hotel, marcou férias, muitas vezes optou por não cancelar e pagar o preço disponível.
Ygor Araújo, analista de Transporte e Indústria da Genial Investimentos
Petróleo subiu e agora está estável
A alta do petróleo também influenciou os preços das passagens. O barril do tipo Brent é negociado hoje a pouco mais de US$ 77, mas passou boa parte do segundo semestre do ano acima dos US$ 80, ultrapassando a barreira dos US$ 90 em setembro e outubro. Com isso, o preço do QAV (querosene de aviação) também subiu - e esse é o principal custo do setor operacional das companhias.
O especialista avalia que agora o impacto de queda da commodity deve aparecer de forma mais evidente. Os preços das passagens podem arrefecer, reflexo da baixa nos custos. Ainda assim, é difícil "prever" quando isso pode acontecer — até porque início de ano é período de alta temporada. "É importante lembrar que a transição dos preços, dos bens mais básicos para os bens derivados, não é automática, os elos da cadeia demoram para transmitir esse repasse de alta e queda", diz.
[A melhora nos preços] É o cenário preponderante. A gente está com uma demanda interna com condicionantes muito positivas: mercado de trabalho aquecido, inflação convergindo para a meta, ainda que deva ficar acima [da meta] em 2024, é uma inflação muito mais branda do que em 2022. E, por último, o poder de compra das famílias e a redução de juros são condicionantes muito positivos para o consumo. Mas as companhias fazem ali a sua precificação olhando também para a demanda. Com o custo caindo, não necessariamente [as companhias] repassam a redução. Nunca é uma resposta única.
Felipe Novaes, economista da Tendências
Setor ainda tenta se recuperar
O setor aéreo sofreu fortemente com a pandemia, já que a circulação de pessoas foi limitada no período de crise sanitária. Felipe lembra que o setor ainda lida com as cicatrizes de três anos de perdas, e não se recuperou plenamente.
O país conseguiu atingir a marca dos 100 milhões de passageiros transportados em novembro de 2023. Foi a primeira vez que o número foi ultrapassado desde 2019, segundo os dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
Os números mais recentes da agência compilam os dados de janeiro e novembro. Os números mostram que foram movimentados 83,5 milhões de passageiros domésticos e 19,1 milhões de passageiros internacionais, totalizando 102,6 milhões de passageiros transportados no período.
Na pandemia, as empresas se endividaram fortemente, e por isso o cenário negativo ainda não foi completamente revertido. Por outro lado, 2023 já foi um ano melhor e a expectativa é que 2024 também seja. "Só em 2023 o setor conseguiu uma baixa nos custos, recuperar a receita por assento e a margem, reflexo da redução dos custos e da recuperação consistente de demanda. Pessoas voltaram a circular e com mais dinheiro no bolso. Tudo isso contribuiu para que o setor de aviação recuperasse margens. Mas isso é um ano frente a três que foram muito desafiadores", diz Felipe.
A Gol pode pedir recuperação judicial. Segundo a Folha de S.Paulo, a companhia aérea pode pedir recuperação judicial nos EUA em aproximadamente um mês.
Voa Brasil: passagens a R$ 200
O governo federal anunciou mais detalhes do "Voa Brasil" no último dia 9. O programa pretende oferecer passagens aéreas mais baratas e deve começar na segunda quinzena de fevereiro. Na primeira etapa, o governo disponibilizará passagens aéreas a R$ 200 para pensionistas e aposentados federais que não realizaram viagens nos últimos 12 meses e alunos do Programa Universidade para Todos (ProUni)
Silvio Costa Filho, ministro de Portos e Aeroportos, disse na ocasião que o alto preço das passagens preocupa o governo. No entanto, a União não pode intervir na atuação das companhias aéreas.
A gente tem procurado conversar com as companhias aéreas. A gente sabe que tem um livre mercado, nós não podemos fazer nenhuma imposição às aéreas. O que a gente tem feito é diálogo, e a gente vai continuar ao longo de 2024. (...) A gente vai trabalhar para que, sobretudo com as passagens mais caras, de R$ 2 mil, R$ 3 mil, possamos fazer um trabalho e isso possa baixar. Não é uma tarefa fácil, não compete ao governo, mas a gente vai fazer todo esforço para sensibilizar essas [empresas] aéreas.
Silvio Costa Filho, ministro de Portos e Aeroportos
Os especialistas avaliam que o programa deve ser benéfico ao mercado. "Esse programa deve ser um alento para um setor que não conseguiu se recuperar totalmente dos dois anos de pandemia. [O programa] vem muito com esse viés de turismo mas também de socorro ao setor", diz Felipe, da Tendências.
Ygor, da Genial, explica que, a primeira vista, o programa poderia ser negativo por ter preços muito abaixo daqueles que são praticados. No entanto, da forma que está estruturado, é interessante e positivo para a ampliação do mercado, visto que o Brasil é um país com menos voos por habitantes do que outros lugares do mundo.
Na minha opinião, pode ser um cliente [hoje contemplado pelo programa] que lá na frente vai consumir passagens sem o benefício. Vai aumentar a atratividade e a percepção de que voar não é um luxo, tem esse estigma ainda, de certa forma. De maneira geral, a gente avalia [o programa] como positivo no longo prazo para o setor.
Ygor Araújo, economista da Genial Investimentos