Alvo de operação da PF: Entenda esquema de fraude bilionário das Americanas
27/06/2024 11h22
A Polícia Federal realiza na manhã desta quinta (27) a Operação Disclosure e cumpre mandados de busca e apreensão contra ex-diretores das Americanas. Eles são acusados de fraudes contábeis, que chegam a um valor que ultrapassa R$ 20 bilhões. Entenda o esquema de fraude bilionária que levou à Americanas a pedir Recuperação Judicial.
O que aconteceu
A Polícia Federal em parceria com o Ministério Público Federal deflagrou a Operação Disclosure. Cerca de 80 policiais federais cumpriram nesta manhã dois mandados de prisão preventiva e 15 mandados de busca e apreensão nas residências dos ex-diretores da Americanas localizadas no Rio de Janeiro. Além disso, a Justiça Federal determinou o sequestro de bens e valores destes ex-diretores que somam mais de R$ 500 milhões.
O ex-CEO das Americanas, Miguel Gutierrez, e a ex-executiva Anna Saicali, de alvos de mandado de prisão preventiva, deixaram o país. Ambos foram incluídos na difusão vermelha da Interpol.
Operação mira ao menos 14 ex-dirigentes das Americanas no Rio. A PF também cumpre 15 mandados de busca e apreensão nas casas dos ex-diretores. A Justiça do Rio também mandou bloquear bens e valores dos alvos da operação que somam mais de R$ 500 milhões.
Empresários são acusados de fraudes contábeis de risco sacado. Essa prática consiste em uma operação na qual varejistas conseguem antecipar o pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto aos bancos.
A investigação também apura a contabilização pelas Americanas de contratos falsos. Nesse caso, a PF diz ter identificado fraudes envolvendo contratos de VPC (Verba de Propaganda Cooperada. Segundo a corporação, esses contratos nunca existiram.
Há ainda suspeita de prática o crime de manipulação de mercado. O grupo também teria feito uso de informação privilegiada da varejista, com indícios de associação criminosa e lavagem de dinheiro.
As Americanas dizem que confiam nas investigações da PF e do MPF. A varejista afirma que foi vítima de fraude por sua antiga diretoria, que "manipulou dolosamente os controles internos existentes". "As Americanas acreditam na Justiça e aguardam a conclusão das investigações para responsabilizar judicialmente todos os envolvidos", disse a empresa, em nota ao UOL.
O escândalo
O escândalo da varejista veio à tona no início de janeiro de 2023. No primeiro comunicado ao mercado, com poucos detalhes, a empresa disse ter encontrado "inconsistências contábeis" da ordem de R$ 20 bilhões em seus balanços.
Rombo foi revelado pelo então CEO, Sérgio Rial, que renunciou ao cargo em junho. Rial foi presidente do Santander, um dos credores das Americanas, e havia acabado de assumir o comando da empresa — ele ficou apenas nove dias no cargo.
Alguns dias depois, a empresa entrou em recuperação judicial, com mais de R$ 40 bilhões em dívidas. O valor representa a 4ª maior recuperação da história do Brasil.
Empresa realizou uma investigação independente, que culminou em um relatório apresentado ao mercado. No documento, a investigação aponta que a empresa fez contratos fictícios e irregulares tanto para propaganda como fornecedores com a intenção de maquiar os números.
O resultado foi uma fraude de mais de R$ 20 bilhões. Com a maquiagem dos números, que gerou um lucro artificial, foram pagos bônus para os diretores e dividendos para os acionistas.
Como era o esquema
Relatório de assessores jurídicos divulgado pela varejista culpava a diretoria anterior pela fraude. O relatório foi elaborado com base em documentos entregues pelo comitê de investigação independente instituído na empresa
Segundo o relatório, a fraude inflou o resultado da empresa em R$ 25,3 bilhões ao longo do tempo. Além disso, a dívida financeira bruta foi reduzida artificialmente em R$ 20,6 bilhões.
Foram identificados contratos artificiais de incentivos comerciais, criados para melhorar o resultado. A soma desses contratos era de R$ 21,7 bilhões até 30 de setembro de 2022. Eles entravam como redutores de custo com fornecedores nos balanços, mas na realidade não existiam.
A empresa também contratou bilhões em financiamentos, mas contabilizou essas dívidas de forma incorreta nos balanços. Foram R$ 18,4 bilhões em operações de risco sacado e R$ 2,2 bilhões em financiamento de capital de giro, segundo números preliminares ainda não auditados.
Também foram identificados outros R$ 3,6 bilhões lançados como redutores da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras.
Quem são os responsáveis, segundo a varejista
O relatório diz que o esquema era operado pelo ex-CEO, Miguel Gutierrez, e outros seis executivos: Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.
Gutierrez ficou 30 anos na empresa, 20 deles como CEO. Ele deixou a empresa em dezembro de 2022 e foi substituído por Sérgio Rial. Todos os outros executivos estavam afastados de suas funções desde fevereiro. José Timótheo de Barros pediu desligamento no dia 1º de maio. Os demais foram demitidos.
O documento isenta os sócios da varejista e o conselho de administração, dizendo que os documentos demonstram "os esforços da diretoria anterior das Americanas para ocultar do conselho de administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia".
A defesa de José Timótheo de Barros disse que as informações divulgadas pela varejista contêm inverdades e fazem acusações que precisarão ser provadas. Diz ainda que trechos de um relatório dos advogados da empresa "foram mostrados de maneira leviana em comissão do Congresso Nacional, apresentando meras opiniões de suspeitas como verdades". A defesa do executivo diz que vai pedir a apuração dos fatos. A defesa dos outros executivos não foi localizada. O espaço fica aberto caso queiram se manifestar.
O depoimento do CEO na CPI
No mesmo dia em que a empresa divulgou trechos do relatório interno, o atual presidente da varejista, Leonardo Coelho, falou à CPI. Ele apresentou aos deputados uma série de documentos que indicariam como funcionava a fraude.
Os documentos apontam suposta modificação de documentos contábeis por bancos e pelas auditorias após pedido de diretores. PwC e KPMG disseram que não podem comentar por motivo de sigilo. O Itaú afirmou que é "leviano" atribuir a terceiros a responsabilidade pela "fraude". O Santander afirmou que a única e exclusiva responsável é a varejista.
Outro documento apresentado é um suposto e-mail interno entre diretores com a demonstração de resultados de 2021. Esse balanço estaria com o título de "versão interna" e mostrava, entre outras coisas, um Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) negativo de R$ 733 milhões para o ano. No entanto, o que teria sido divulgado ao mercado foi outra demonstração, denominada de "versão conselho", com Ebitda positivo em R$ 2,9 bilhões.
Plano de recuperação judicial
A revelação do rombo deu início a uma série de disputas judiciais com os bancos. Os credores buscam responsabilizar os sócios bilionários da varejista, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira.
Em março de 2023, a empresa apresentou um plano de recuperação judicial, que prevê a venda de uma série de ativos. Entre os negócios que podem ser vendidos está a rede Hortifruti Natural da Terra e a participação no Grupo Uni.Co, dono das franquias Imaginarium, Pucket, Mind e LoveBrands.
O plano também prevê a capitalização da empresa em ao menos R$ 10 bilhões, com suporte de seus acionistas. O texto ainda precisa ser aprovado pelos credores, e as negociações continuam. Um dos pontos em discussão é um mecanismo que proíbe o trio de acionistas bilionários de vender sua participação na companhia pelo prazo de três anos.
Enquanto isso, a empresa vem enxugando sua operação. As Americanas fecharam 29 lojas e cortaram 5 mil postos de trabalho desde janeiro, segundo dados dos relatórios de monitoramento do administrador judicial.
No acordo fechado, os bancos converterão quase 80% de suas dívidas em ações e o trio de acionistas devem colocar R$ 12 bilhões no grupo, incluído o DIP, em um aporte total de R$ 24 bilhões. Com esse desenho, os bancos e os acionistas de referência deterão 98% do capital da Americanas, segundo informou o Broadcast do Estadão.