Empréstimo que bloqueia celular em caso de inadimplência é golpe? Entenda
Um post no X viralizou ao falar sobre empréstimo com garantia no celular. A pessoa faz a operação e, em troca, baixa um aplicativo que bloqueia o celular em caso de inadimplência. Apesar de ser criticada, a prática não é ilegal.
O que é o empréstimo
Na prática, a pessoa faz a simulação de empréstimo online no site da empresa que oferece o crédito. Se ela tiver crédito aprovado, precisa baixar um aplicativo no celular que dá acesso ao aparelho. Se não pagar o que deve, o celular pode ser bloqueado.
A reportagem consultou o site da Supersim, uma das que oferece o crédito. Em seu site, a empresa se classifica como "uma facilitadora" para que os clientes consigam crédito pessoal. O foco da companhia é ter a maior taxa de aprovação de crédito do mercado, segundo o site.
Normalmente empréstimos com garantia têm taxas de juros mais baixas. No entanto, não é isso que acontece com as operações com o celular em garantia, que normalmente estão atreladas a oferta de valores baixos.
Este empréstimo existe em outros locais do mundo, mas foi desvirtuado no Brasil. É o que diz uma fonte ouvida pela reportagem, que preferiu não divulgar o nome. Segundo a fonte ouvida, os empréstimos deste tipo têm juros entre 5% e 15% ao mês e, como é difícil e caro recuperar o celular em caso de inadimplência, as empresas passam a fazer o bloqueio do celular como uma forma de forçar o consumidor a fazer o pagamento da dívida para conseguir recuperar o acesso ao aparelho.
No site, a Supersim dá um exemplo: um empréstimo de R$ 1.000 em 12 meses com taxa de juros de 12,5% ao mês terá parcelas de R$ 175,72 — totalizando R$ 2.108,64, mais do que o dobro do que o valor inicial da dívida, de acordo com Carlos Castro, planejador financeiro certificado pela Planejar.
Um dos vídeos ensina como a pessoa deve baixar o aplicativo. Ele não está disponível nas lojas oficiais e a empresa ainda pede que a pessoa desabilite uma funcionalidade do Google Play que se chama Google Play Protect. Segundo o Google, a ferramenta busca comportamentos nocivos nos apps e dispositivos.
Depois que o aplicativo é baixado, não é mais possível excluí-lo. Apenas a empresa responsável pelo app consegue fazer a exclusão. A Supersim alega que o aplicativo é "totalmente inofensivo ao seu celular e não acessa ou modifica nada do aparelho".
Prática é permitida
Este tipo de operação não é crime. As empresas podem oferecer o empréstimo com garantia no celular. De acordo com Christian Printes, coordenador jurídico do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), existe um embate na Justiça sobre o tema. Em novembro de 2022, o Idec e o MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal) entraram com ação civil pública requerendo que duas empresas deixassem de oferecer empréstimos com o celular em garantia — a SuperSim e a Socinal.
Não existe uma lei que impeça o empréstimo. Kristian Rodrigo Pscheidt, sócio do escritório MV Costa Advogados, afirma que o consumidor pode dar qualquer bem que possua em garantia para uma operação, o importante é que o consumidor seja bem informado sobre as regras da transação. Se o consumidor aceitar as condições, não há nada de errado, segundo Pscheidt.
A Justiça concedeu uma liminar que atendia ao pedido do Idec e do MPDFT. O caso correu na Justiça e, após um pedido da Supersim, um desembargador da 2ª Turma Cível do TJDFT concedeu uma suspensão que garantiu à empresa a voltar a vender os produtos com garantia no celular. O Idec e o MPDFT recorreram à decisão e aguardam o julgamento do recurso.
Há possibilidade de que aplicativos acessem dados pessoais dos usuários. Fabio Assolini, diretor da equipe global de pesquisa e análise para a América Latina da Kaspersky, afirma que, além de os usuários adquirem uma dívida que é muito difícil de gerenciar, eles concedem acesso a informações armazenadas no telefone, como listas de contatos, fotos e vídeos.
É importante que as pessoas sejam cautelosas ao decidir solicitar um empréstimo dessa forma e que sempre cuidem das permissões concedida a cada aplicativo instalado em seus dispositivos.
Fabio Assolini, diretor da equipe global de pesquisa e análise para a América Latina da Kaspersky
O uso consciente do crédito é a palavra-chave. Caroline Hees, diretora de crescimento do Grupo BYX, afirma que o cliente deve entender qual o valor total da taxa de juros que está contratando e, mais do que avaliar se o valor da parcela cabe no bolso, se o valor dos juros não é alto demais. Hees indica que a pessoa faça uma pesquisa de mercado considerando todas as opções de crédito disponíveis. Para ela, é preciso evitar empréstimos para contas básicas e deixar este tipo de operação para situações que vão gerar renda no futuro, como pagar um curso ou investir no próprio negócio.
O que diz a SuperSim
A SuperSim é uma fintech. A empresa afirma que tem o compromisso de democratizar o acesso ao crédito no Brasil e que oferece diversas modalidades de crédito, dentre elas a operação com celular em garantia.
A SuperSim trabalha sempre para evitar que os usuários entrem em uma espiral de dívida ou de superendividamento, oferecendo valores baixos e prazos curtos de oferta de crédito inicial. Ressalta ainda que nem todos os empréstimos oferecidos são garantidos por aparelho celular e, nos casos em que essa modalidade é disponibilizada, a empresa pode habilitar opções de valores maiores ou taxas de juros mais baixas, deixando a escolha do tomador.
SuperSim, em nota
A empresa afirma que cumpre a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Segundo a SuperSim, o aplicativo baixado para concessão do crédito "não tem acesso à nenhuma informação pessoal dos usuários armazenada no aparelho celular, nem quando há a instalação do aplicativo no momento de aquisição do crédito, tampouco nos casos em que acontece o bloqueio de algumas funcionalidades do aparelho por causa de inadimplência".
Não há bloqueio de todas as funcionalidades do celular em caso de inadimplência. Possibilidade de fazer e receber chamadas, SMS e uso de WhatsApp continuam funcionando.
Conforme consta nos termos e condições de uso, são mantidos os acessos ao recebimento e efetivação de chamadas; envio e recebimento de SMS e de WhatsApp; uso de aplicativos de gig economy, como Uber, Rappi, 99, Loggi e outros, de aplicativos de órgãos governamentais e de instituições financeiras. Além disso, o acesso às configurações do aparelho, assim como o contato com os serviços de emergência e suporte ao cliente seguem funcionando normalmente.
SuperSim, em nota