Eternit fatura com exportação de amianto enquanto espera voto do STF
O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma essa semana o julgamento de uma ação que pede o fim definitivo da exploração de amianto no Brasil. A decisão ocorre em momento decisivo para a Eternit, conhecida pelas antigas telhas de amianto. A empresa teve aumento de mais de 150% na exportação de amianto nos últimos anos e acaba de sair da recuperação judicial.
O que está em jogo?
O uso do amianto foi proibido no Brasil em 2017, por decisão do STF. O minério é associado a diversos problemas à saúde, como câncer de pulmão, mesotelioma e asbestose, e já é proibido em ao menos 60 países. A contaminação acontece principalmente pela inalação de partículas de amianto no ar.
Dois anos após a proibição, uma lei de Goiás liberou a extração do minério no estado para exportação. Agora, o supremo vai decidir se a lei de Goiás é inconstitucional. A ação foi proposta pela ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) há cinco anos.
A lei goiana beneficia diretamente a mineradora Sama, subsidiária da Eternit. A mineradora explora a mina de Cana Brava, em Minaçu (GO). Toda a produção da Sama vai para exportação, em especial para Índia e outros países da Ásia em que o produto ainda é permitido.
A exploração continua gerando riscos à população brasileira, dizem os advogados da ANPT. Além do contato com a substância na produção e no entorno da mina, o transporte do material também é problemático, especialmente quando há acidentes.
A cada dia que a mina funciona, há um risco para a saúde dos envolvidos que só vai aparecer depois de décadas, pois a latência das doenças ligadas ao amianto é muito longa. Sem contar que o Brasil continua exportando para países do sudeste asiático, o que coloca em risco as vidas dos cidadãos desses países.
Mauro Menezes, advogado da ANPT e da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto)
No início de julho, um caminhão com toneladas de amianto capotou numa estrada no Paraná. "É uma situação que coloca em risco a população que vive no entorno da rodovia e as pessoas que atuaram na limpeza do material, por exemplo", a procuradora regional do trabalho Marcia Cristina Kamei Lopez Aliaga.
O governo de Goiás defende que a lei estadual não é inconstitucional. A Procuradoria-Geral do Estado de Goiás avalia que é "desproporcional a vedação de toda e qualquer forma de uso e exploração do amianto". A PGE argumenta ainda que a lei estadual em discussão é rigorosa. Ela respeita normas federais e do Ministério do Trabalho e "trata apenas da extração do amianto exclusivamente para exportação, segundo os padrões e normas internacionais de transporte", diz.
A Sama disse que "reitera a sua convicção na constitucionalidade da lei". Diz ainda que a lei "dispõe de normas ambientais e prevê todos os cuidados necessários no manuseio, controle na exploração e acondicionamento da crisotila, exclusivamente para fins de exportação".
Idas e vindas no STF
O julgamento do STF foi marcado para esta quarta-feira (14) após uma série de idas e vindas. O tema aguarda uma resposta há cinco anos e está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Em junho de 2023, Moraes apresentou seu voto. Ele entendeu que a lei de Goiás é inconstitucional, mas deu prazo de 12 meses para que a decisão passasse a valer. A ministra Rosa Weber votou antes de se aposentar, concordando com a inconstitucionalidade da lei, mas sem dar o prazo de 12 meses. O ministro Gilmar Mendes então pediu vista, e o processo ficou parado desde então.
Há entre ativistas o temor de que a decisão seja adiada novamente. "Torcemos para que não haja mais nenhum adiamento e que os ministros não frustrem mais uma vez as vítimas, familiares e defensores do meio ambiente aqui no Brasil e no resto do mundo", diz Fernanda Giannasi, fundadora da Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto).
Salto na exportação de amianto
A votação no Supremo ocorre em um momento decisivo para a Eternit. A exportação de amianto teve um salto nos últimos anos, com pico em 2022. O volume exportado cresceu 152% de 2020 para 2023, enquanto a receita das exportações deu um salto ainda maior, de 172%.
Só no ano passado, a exportação de amianto gerou R$ 364 milhões em receita para a empresa. O valor é um terço do faturamento total da Eternit no ano, que foi de R$ 1,1 bilhão.
A empresa acaba de sair da recuperação judicial. A Eternit entrou em recuperação judicial em 2018, após o amianto ter sido proibido no país. Após a liberação da exploração da mina em Goiás, em 2019, a empresa voltou a dar lucro. Em 2021 veio a pandemia, e as vendas de telhas explodiram, o que reforçou ainda mais a recuperação da companhia. Em outubro do ano passado, a Eternit pediu o fim da recuperação à Justiça. A decisão saiu na última sexta-feira (9).
Caso a mina seja fechada, a empresa vai precisar enxugar sua estrutura, diz o CEO.
A empresa não vai ter a mesma estrutura que tem hoje. Se a mina fecha, por exemplo, meu salário não cabe aqui. Sem a mina a gente vai ter que ir para um outro patamar de custo fixo, vamos ter que enxugar.
Paulo Roberto de Oliveira Andrade, CEO da Eternit
A expectativa da empresa é de que, se a decisão for pelo fechamento da mina, seu efeito não será imediato. Um dos argumentos é o impacto para a economia da cidade. A mina tem hoje cerca de 400 funcionários, diz a empresa. Se contar com os trabalhadores indiretos, o número sobe para cerca de 1.500.
Mas, segundo um estudo do MPT (Ministério Público do Trabalho), a região não depende do amianto para sobreviver. O levantamento, conduzido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), mostra que houve diversificação econômica na cidade, que passou a ser um polo de comércio e de exploração de outros minerais, diz o MPT.
Quando tratamos desse tema, se fala muito em desemprego. Não somos insensíveis a isso. Tivemos o cuidado de realizar esse estudo socioeconômico e vimos que a região pode até sofrer um abalo, mas não a ponto de causar um problema social.
Marcia Cristina Kamei Lopez Aliaga, procuradora regional do trabalho
Do amianto à energia solar
A Eternit tem buscado alternativas para depender menos do amianto. Desde que o produto foi proibido no Brasil, as telhas deixaram de usar o componente. Hoje elas são feitas de fibrocimento, um composto menos lucrativo. A empresa também aposta em placas de cimento para construção e em telhas com placas de energia solar.
Mas a exportação do minério ainda é de longe a atividade mais rentável da empresa. Em 2023, a telha de fibrocimento, maior produto em vendas, teve margem bruta de 19%, ante 43% de margem da exportação do amianto.
A situação já é melhor do que antes, diz o CEO. Anos atrás o negócio das telhas perdia dinheiro, e o que dava lucro era apenas a mina. Hoje os dois negócios ganham.
Para o executivo, a empresa errou em não substituir o amianto antes.
A gente tinha uma mina aqui. E a mina dava muito dinheiro. Todo mundo estava mudando para sair do amianto. E a gente não queria sair. A gente precisava do dinheiro da mina. E a gente devia ter saído, né? Simplesmente.
Paulo Roberto de Oliveira Andrade, CEO da Eternit
Outro erro foi na comunicação, diz Andrade. A empresa errou ao não dimensionar os reais riscos do produto, o que gerou um temor excessivo, avalia.
Eu levei uma pedra para casa uma vez. Minha mulher na época não deixava entrar com a pedra de amianto em casa. Parece que é radioativo. E eu disse para ela: 'Isso aqui é uma pedra. Você só vai ter uma doença se isso sair em grande quantidade e entrar no seu pulmão. Ou seja, isso aqui não tem perigo nenhum.' Então, eu acho que a gente falhou muito na maneira de comunicar.
Paulo Roberto de Oliveira Andrade, CEO da Eternit
Riscos à saúde
O CEO da Eternit afirma que hoje o risco à saúde na exploração do amianto na Sama é "bem próximo de zero". Segundo ele, trabalhadores que atuam na mina hoje usam equipamentos de proteção e o material é processado em circuitos fechados, o que não era realidade algumas décadas atrás.
A principal forma de exposição ao amianto é no ambiente de trabalho, diz a OMS (Organização Mundial de Saúde). O risco ocorre principalmente em atividades de mineração, moagem e ensacamento do material e na fabricação de produtos que usam o amianto.
Não há limite de exposição ao amianto considerado seguro e todos os tipos do produto são considerados cancerígenos. É o que diz cartilha do Ministério da Saúde sobre o tema. A OMS recomenda que os países proíbam o uso de todas as formas de amianto para prevenir doenças relacionadas à exposição ao mineral.
Um dos desafios da exposição ao amianto é o tempo de latência das doenças relacionadas. "Isso faz com que a pessoa desenvolva uma doença e não saiba que ela está relacionada com a exposição anterior. Muitos foram expostos sem saber que dali 20 ou 30 anos poderiam ter uma doença", diz a procuradora Marcia Aliaga.