Azeite e café mais caros: qual é o impacto do clima no bolso do brasileiro?

Ao mesmo tempo em que o clima está cada vez menos previsível com temperaturas máximas recordes, secas e inundações por todo o mundo, ir ao mercado e voltar com compras para o mês todo se tornou um desafio, principalmente ao passar pelos corredores dos alimentos. Uma coisa tem muito a ver com a outra, apontam especialistas que destacam os efeitos da crise climática na inflação dos alimentos.

A inflação acumulada no ano passado da categoria "Alimentação e Bebidas" foi de 6,44%, apontou o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE. O número ficou bem acima do índice geral, que fechou o ano em 4,29%. Em 2023, a inflação acumulada dos alimentos e bebidas foi de cerca de 1%, enquanto a inflação geral foi de 4,62%.

Café, óleo de soja, azeite de oliva, arroz e leite longa vida estão entre os itens que mais encareceram no ano passado. Sob diferentes circunstâncias, todos sofreram efeitos de eventos climáticos extremos.

O que aconteceu?

Eventos climáticos são a principal causa da inflação nos alimentos. As adversidades do clima, como temperaturas muito altas, queimadas, grandes períodos de seca e chuvas em volumes acima do normal impactam as lavouras e os solos, aumentando o custo de produção. O custo do fornecimento de energia também é impactado negativamente pela estiagem.

Um estudo publicado na revista Nature mostrou que a inflação relacionada a eventos climáticos pode aumentar os preços de alimentos em até 3% de forma definitiva por ano até 2035. A cada 1º C de aumento nas temperaturas no mês, são mais 0,2% nos preços dos alimentos ao longo do ano seguinte, desconsiderando outros fatores, como guerras e recessões globais.

Em 2024, um dos principais fenômenos climáticos extremos que afetaram pastos e plantações no país foi o El Niño. O fenômeno provoca o aquecimento anormal (cerca de 0,5º C a mais do que a média histórica) das águas do Oceano Pacífico, especialmente na região equatorial.

Quando está ativo, o El Niño faz com que haja mais chuvas na região Sul do país e seca no Norte e no Nordeste. Já quando é a vez da La Niña, é o contrário: chove mais no Norte e no Nordeste e há seca no Sul. São fenômenos naturais, mas as mudanças climáticas amplificaram e muito os efeitos do El Niño, segundo estudos de atribuição do centro de pesquisas World Weather Attribution (WWA).

O El Niño da temporada 2023-2024 entrou no top cinco dos mais fortes da história. A constatação foi feita pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês). Foi durante sua influência que vimos, no mesmo ano, as inundações no Rio Grande do Sul e a grave seca nas regiões Norte e Nordeste. Foram oito ondas de calor no Brasil em 2024, sobretudo no inverno, que foi o segundo mais quente da história com temperatura média de 23,1º C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

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Ciclos de chuva alterados deixam a produção agrícola e de energia mais caras. Com períodos de seca e menor capacidade de produção a partir das hidrelétricas, a energia usada é a termelétrica, pontua Carlos Eduardo Young, coordenador do Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da UFRJ. Ele defende que é preciso proteger o corpo hídrico, garantindo a solução baseada na natureza, com vegetação nativa.

O que pesou em 2024

As maiores altas acumuladas nos alimentos no ano passado foram:

  • Abacate ficou 174% mais caro. A fruta foi a que mais encareceu em 2024, chegando a custar mais de R$ 20 o quilo em dezembro, segundo acompanhamento da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Em janeiro do ano passado, o quilo no varejo estava em torno de R$ 5. Na época da florada da fruta, entre agosto e setembro, ondas de calor e baixa umidade do ar fizeram com que muitas plantas abortassem, o que reduziu a oferta do alimento nos meses subsequentes. Aumentos no custo de produção e frete também contribuíram para o aumento nos preços.

  • Laranja ficou mais cara: laranja-lima (para sucos) subiu 91% e laranja-pera (consumida in natura), 48%. Lá fora, a produção de laranja-lima vem sofrendo com a disseminação da doença greening, que devastou laranjais na Flórida, nos Estados Unidos, e pela passagem de furacões nas lavouras. Aqui no Brasil, as condições climáticas foram determinantes nos aumentos expressivos nos preços. Ondas de calor e seca intensa no chamado "cinturão citrícola", entre São Paulo e Minas Gerais, diminuíram a oferta da fruta. O Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) indica que a safra 2024/25 será a menor em 30 anos, o que deve fazer com que os preços continuem subindo.

  • Café moído ficou 39,6% mais caro. São Paulo e Minas Gerais também são regiões produtoras de café, assim como Espírito Santo. As ondas de calor e forte estiagem prejudicaram o desenvolvimento das lavouras, que são sensíveis e demoram a se recuperar. O Vietnã, segundo maior produtor global, também passou por um período de seca histórica e, depois, por chuvas muito intensas, o que fez a oferta global da commodity cair e alcançar o maior preço dos mercados internacionais em cinco décadas.

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  • Óleo de soja ficou 29,21% mais caro. A inflação é reflexo, em grande parte, do aumento da demanda global em busca por um substituto ao óleo de palma (dendê) que sofreu queda de produção na Ásia e ao óleo de girassol, que sofre com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia — países que, juntos, respondem por 77% da exportação global do item, explica Felippe Cauê Serigati, professor na FGVAgro. Outro fator que fez o preço do óleo de soja subir foi a quebra de safra do grão por causa da estiagem na região Sul do país.

  • Azeite de oliva ficou 21,53% mais caro. A última vez em que o preço do azeite de oliva teve queda registrada pelo IPCA foi em outubro de 2022. As oliveiras das regiões produtoras da Europa, como Itália, Espanha, Grécia e Portugal (de onde o Brasil importa o que é consumido nacionalmente) sofreram com ondas de calor muito acima do normal nas últimas safras. As temperaturas médias acima dos 40ºC resultaram em queda na produção das azeitonas.

  • Leite ficou 18,83% mais caro. A inflação nos lácteos, como no litro do leite longa vida, é reflexo das enchentes no Rio Grande do Sul (o estado é responsável por cerca de 12% da produção brasileira), pelo clima quente no segundo semestre do ano e pelo atraso na época de chuvas. Os preços, que recuaram fortemente nos primeiros meses do ano, começaram a subir a partir de junho. Somente em novembro, a alta foi de 20,38% em relação ao mesmo mês de 2023.

O que pode mudar em 2025?

Até o momento, a probabilidade de não haver El Niño ou La Niña neste ano é maior do que a probabilidade de vermos algum desses fenômenos. A informação vem do acompanhamento estatístico do International Research Institute for Climate and Society.

Apesar de a perspectiva climática ser favorável, não é possível dizer como os preços em geral irão se comportar, explica Felippe, devido ao dólar estar cotado acima dos R$ 6. "Até o dólar ser sentido pela inflação demora, geralmente, em torno de três meses. Estamos com o aumento do dólar represado, e é possível que a alta do dólar mais do que compense qualquer queda de preço das commodities", explica.

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Alguns preços vão se manter altos por causa de 2024. De qualquer forma, Felippe aponta que café e laranja devem continuar com os preços altos neste ano, com as lavouras ainda se recuperando dos impactos sofridos no ano passado.

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