Vitória de Trump eleva urgência de medidas fiscais do governo Lula, dizem analistas

Por Fabricio de Castro

SÃO PAULO (Reuters) - A vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial norte-americana eleva a necessidade de o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar medidas convincentes de cortes de gastos o quanto antes, caso contrário câmbio e juros seguirão pressionados, afirmaram analistas de mercado ouvidos pela Reuters nesta quarta-feira.

Pela manhã o dólar à vista chegou a superar os 5,86 reais e as taxas dos DIs (Depósitos Interfinanceiros) dispararam para acima de 13% em vários vencimentos, em meio à percepção de que o governo Trump será mais protecionista e inflacionário. O movimento ocorreu em sintonia com o avanço firme do dólar ante outras divisas de emergentes e com a alta dos rendimentos dos Treasuries.

Analistas ouvidos pela Reuters afirmam que o dólar e os juros futuros poderão se enfraquecer no Brasil caso o governo Lula apresente de fato medidas concretas na área fiscal.

“Essa vitória do Trump exige um dever de casa efetivamente competente na área fiscal. Se o governo não queria fazer, agora vai ter que fazer o ajuste fiscal na marra”, avaliou Alexandre Espirito Santo, economista da gestora Way Investimentos e chefe de economia e finanças da ESPM.

“Vamos precisar de um corte efetivo de gastos entre 40 e 50 bilhões de reais. Se for abaixo disso não vai adiantar”, acrescentou.

Em Brasília, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou durante a manhã que a rodada de reuniões entre ministros para tratar das medidas fiscais está concluída. O comentário ajudou a desacelerar o dólar e as taxas dos DIs, embora Haddad não tenha dado pistas sobre o que será feito.

No início da tarde o dólar já oscilava no território negativo ante o real, perto dos 5,70 reais, e as taxas longas dos DIs cediam.

“A reação moderada no mercado doméstico aqui à vitória de Trump se deve à expectativa com o fiscal”, comentou Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos. “Mas a julgar pelo que está sendo discutido na imprensa, esta não parece ser uma agenda efetiva de corte de gastos do governo, mas basicamente uma reclassificação de gastos”, alertou.

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Reportagem da Reuters na terça-feira informou que o governo estuda colocar os limites dos gastos com saúde e educação sob um teto geral que já vigora para outras despesas. Segundo fontes, a ideia é que essas despesas passem a ser disciplinadas pelas regras estabelecidas pelo arcabouço fiscal aprovado no ano passado pelo governo Lula, que combina metas de resultado primário com um teto para o crescimento real das despesas de até 2,5% ao ano.

Na segunda-feira, Haddad havia dito que as medidas em preparação buscam prolongar a vida do arcabouço fiscal e podem ser anunciadas nesta semana.

“Estamos vendo que os países emergentes estão sofrendo também com a vitória de Trump, que suas moedas também estão sofrendo frente ao dólar, mas o Brasil tem sofrido mais”, afirmou o economista-chefe da gestora Nomad, Danilo Igliori.

“Na questão fiscal, estamos aguardando um passo a mais do governo. Vindo uma coisa bem robusta, há chance de o dólar cair. Espero que esta consciência tenha chegado ao governo”, acrescentou.

Na visão de Igliori, o governo precisará anunciar “reduções substanciais” nos gastos, de forma crível, sendo que entre 40 e 60 bilhões de reais seriam suficientes sob o ponto de vista técnico. Mas será necessário convencer o mercado de que há realmente apoio político para as mudanças, diz o economista.

Em falas recentes, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem defendido a necessidade de um “choque fiscal positivo” para que as taxas de juros possam cair no Brasil. Segundo ele, os momentos da história em que os juros cederam de forma sustentável no Brasil foram aqueles em que houve um choque fiscal.

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Para Fonseca, da Reag, a política econômica esboçada por Trump, que prevê medidas protecionistas e fortes restrições à imigração, com ameaças de deportações em massa, além de redução de impostos, pode transformar os Estados Unidos numa espécie de “aspirador de liquidez global”.

“Obviamente isso aumenta a urgência e a necessidade de se produzir medidas fiscais que revertam o quadro de pessimismo da dinâmica das contas públicas. Já era urgente, agora ficou mais urgente”, alertou.

No mercado, a expectativa majoritária é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anuncie uma alta de 50 pontos-base para a Selic na noite desta quarta-feira, o que colocará a taxa em 11,25% ao ano. No entanto, a confirmação do retorno de Trump à Casa Branca começa a impactar as expectativas para frente.

“Como ainda há muita lição de casa para o Brasil fazer em termos de ancoragem de expectativas, após os 50 o mercado vai testar os 75 (pontos-base) para a Selic na próxima reunião”, disse Igliori, da Nomad.

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