Tavares entrou em conflito com diretoria da Stellantis sobre plano de revitalização, dizem fontes

Por Giulio Piovaccari e Alessandro Parodi

MILÃO, Itália (Reuters) - O presidente-executivo que está de saída da Stellantis, Carlos Tavares, entrou em conflito com o conselho de administração do grupo automotivo por causa dos planos dele para reestruturar rapidamente as operações nos Estados Unidos por meio de cortes de custos, em vez de concentrar a companhia em estratégia de longo prazo, disseram investidores e banqueiros familiarizados com o assunto na segunda-feira.

As ações da fabricante de veículos das marcas Jeep, Fiat e Peugeot caíram até 10%, atingindo o nível mais baixo desde julho de 2022, com os investidores preocupados com o vácuo deixado no topo da quarta maior montadora do mundo após a renúncia de Tavares no domingo.

A Stellantis está lutando para se livrar de excesso de capacidade produtiva e de estoque inchado nos EUA, em um momento em que a demanda global permanece lenta e a concorrência dos rivais chineses está se intensificando.

Além das dificuldades nos EUA, o foco da Stellantis em aumentar preços de suas marcas de mercado de massa afastou os clientes em seu outro mercado importante, a Europa.

A Stellantis havia dito logo após um alerta de desempenho em setembro que surpreendeu o mercado que Tavares se aposentaria no início de 2026, no final de seu mandato atual. O processo de seleção de um novo presidente-executivo estava inicialmente programado para ser concluído até o último trimestre de 2025.

Entrevistas com meia dúzia de acionistas, banqueiros e analistas mostram a rapidez com que, desde então, as divergências se aprofundaram entre Tavares - há muito tempo um dos executivos mais respeitados do setor automotivo - e a diretoria da Stellantis sobre como resolver a crise.

Um executivo de banco de investimento de alto escalão informado sobre o assunto disse na segunda-feira que o conselho de administração da Stellantis ficou preocupado com a estratégia de Tavares para dar a volta por cima.

Nos últimos meses, e faltando pouco mais de um ano para o fim de seu contrato, o  Tavares se concentrou principalmente em corte de custos, disse o executivo . A diretoria temia que isso estivesse levando a problemas de qualidade e também prejudicando a capacidade da empresa de desenvolver e projetar novos modelos. Clientes e revendedores ficaram furiosos com a estratégia de Tavares, disse a fonte.

Continua após a publicidade

Os lançamentos de alguns modelos importantes, como a nova versão do popular utilitário esportivo (SUV) médio Peugeot 3008 e o carro urbano econômico Citroen C3, com sua versão elétrica e-C3, sofreram atrasos.

Uma fonte familiarizada com o assunto disse à Reuters no domingo que as tensões cresceram porque o conselho sentiu que Tavares estava concentrado em encontrar soluções de curto prazo para salvar sua reputação, em vez de trabalhar no melhor interesse da empresa.

A Stellantis se recusou a comentar e a Reuters não conseguiu entrar em contato com Tavares na segunda-feira.

PONTOS CRÍTICOS

O corte de custos de Tavares prejudicou especialmente seu relacionamento com os revendedores dos EUA e com o sindicato United Auto Workers dos EUA, segundo analistas.

Em uma carta enviada a Tavares em 10 de setembro, o presidente do conselho de revendedores da Stellantis nos EUA, Kevin Farrish, reclamou que a busca por lucros a curto prazo significava uma "rápida degradação" das marcas Jeep, Dodge, Ram e Chrysler, acrescentando: "Vocês criaram esse problema."

Continua após a publicidade

O UAW ameaçou entrar em greve contra a montadora por causa dos investimentos atrasados, o que levou a Stellantis a entrar com uma ação judicial acusando o sindicato de quebra de contrato.

Outro ponto de atrito para os investidores foi a abordagem linha-dura de Tavares em relação às metas de emissões mais rígidas da União Europeia, em um momento de desaceleração das vendas de veículos elétricos, disse Massimo Baggiani, fundador da Niche Asset Management e acionista da Stellantis. Isso "assustou" os investidores e os principais acionistas, disse ele.

Tavares confirmou repetidamente as promessas da Stellantis de cumprir as metas da UE e disse que mudanças de última hora ou atrasos na regulamentação, conforme proposto pelo lobby automotivo europeu ACEA, eram injustos.

As novas regras, conhecidas como Corporate Average Fuel Economy (CAFE), a partir de 1º de janeiro, exigirão que cerca de 21% das vendas totais da empresa em 2025 sejam provenientes de veículos elétricos. Caso não atinja a meta, a Stellantis terá que pagar a outras empresas com emissões mais baixas para entrar em um pool que reduzirá suas emissões médias de CO2. A outra opção é pagar uma multa. O mix atual de vendas de veículos elétricos da Stellantis na UE é de cerca de 12%.

O chefe da Stellantis Europa, Jean-Philippe Imparato, alertou no mês passado em uma entrevista ao jornal italiano Milan Finanza que as multas poderiam chegar a 3 bilhões de euros se a empresa não conseguisse cumprir a meta.

A saída antecipada de Tavares, apesar de sua determinação em mudar as coisas antes de 2026, mostra a gravidade dos problemas do grupo, disse Stephen Reitman, analista da Bernstein.

Continua após a publicidade

"Isso aponta para o que temos dito há muito tempo - que os problemas são muito profundos e não serão facilmente resolvidos agora", disse ele.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.