Motoboys autônomos

Entregadores sempre pediram liberdade para ser microempreendedores, diz CEO da Loggi

Beth Matias Colaboração para o UOL, em São Paulo Divulgação/Arte UOL
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Fundador e CEO da empresa de logística Loggi, Fabien Mendez, diz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, que ser microempreendedor individual é um desejo dos próprios entregadores. A empresa contrata trabalhadores autônomos no regime de Microempreendedor Individual (MEI).

Inspirado em países como a China e os EUA, o executivo de origem francesa criou a Loggi em 2013 porque a logística no Brasil, naquele momento, era um gargalo para o desenvolvimento econômico e para a integração do país.

De acordo com Mendez, em um futuro próximo, será muito difícil os clientes irem a uma loja física para comprar alguma coisa. O e-commerce vai dominar o mercado.

Na entrevista, o fundador fala sobre a privatização dos Correios, a complexidade do sistema tributário brasileiro, a falta de segurança nas entregas e a concorrência com os grandes marketplaces do mercado.

Ouça a íntegra da entrevista com Fabien Mendez, fundador e CEO da empresa de logística Loggi, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler os destaques da conversa.

Motoboy quer autonomia

UOL - Qual a sua opinião sobre as relações trabalhistas no modelo de "uberização"?

Fabien Mendez - Na Loggi, temos três modelagens de negócios: o entregador autônomo MEI [Microempreendedor Individual], 100% legalizado, temos o que chamamos de Loggi Leve, que são entregadores locais com frota de veículos, e uma frota de veículos nossos.

Sobre o modelo de negócio autônomo MEI, acredito que há pontos importantes para ressaltar: os entregadores sempre pediram por essa liberdade, e nós zelamos por essa liberdade, com garantia de renda e proteção do entregador.

O fato interessante é que todos os trabalhadores autônomos parceiros da Loggi são MEIs. O MEI contribui para o sistema previdenciário, paga impostos, e foi a equação que tentamos oferecer, com renda, liberdade, proteção e dignidade.

Marcelo Marques da Costa, advogado da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AmaBR), confirma que a maioria dos motofretistas que prestam serviço para a Loggi, na categoria Prime, preferem ser MEI. Eles ganham um pouco mais que os outros e têm melhores condições. Mas muitos entregadores da categoria Start, que recebem menos e tem piores condições, gostariam de ter alguns direitos garantidos, segundo Costa. Leia aqui com mais detalhes as observações da AmaBR sobre a situação.

Há algum tempo houve manifestação de entregadores pedindo melhores condições de trabalho. Quais são as condições que a Loggi oferece?

As manifestações foram legítimas. Não é porque temos boas intenções que não vamos falhar. Em São Paulo, temos mais de 40 agências físicas, com acesso a banheiros limpos, água, ponto para carregar o seu celular, um ponto para ser atendido por alguém da Loggi.

A Justiça de alguns países reconheceu o vínculo trabalhista dos entregadores da Uber. Qual sua opinião sobre este tipo de ação?

É normal as instituições sempre questionarem novos modelos de negócios.

A Loggi é assim:

  • Fundação

    2013 (Brasil) e 2019 (Portugal)

  • Funcionários

    Cerca de 3.000

  • Escritórios

    Brasil e Portugal

  • Centros de distribuição

    9

  • Clientes

    150 milhões

Faltam estradas boas e segurança pública no Brasil

UOL - Quais são as principais reclamações hoje dos usuários em relação às entregas?

Fabien Mendez - Não há uma experiência mais frustrante do que o descumprimento de prazo de entrega. Isso gera ansiedade, uma reclamação que é muito justificável.

E quais são os gargalos da logística no país?

O primeiro problema é a falta de infraestrutura, tanto rodoviária quanto ferroviária. Como o mercado está resolvendo? Criando uma malha logística de estoque descentralizada.

O segundo problema é a falta de segurança pública. Temos muitas cargas visadas; celular, roupas. Estamos usando tecnologia, em particular, a inteligência artificial, para incluir essa variável de falta de segurança pública no momento de criar as rotas de entrega.

Por último, a loucura do sistema tributário brasileiro. Toda vez que você transfere um pacote, por exemplo, de São Paulo para o Ceará, é parado várias vezes. Ainda se pedem documentos em papel.

Muito atraso no momento da entrega onera o custo, onera o prazo e poderá ajudar a frustrar a experiência final do consumidor.

Vocês calcularam essas perdas?

Não tenho um cálculo pronto. Em relação à falta de segurança, eu diria que ela onera o custo da entrega, em média, em R$ 2.

Qual a sua opinião a respeito das reformas que o governo está propondo?

No sistema tributário brasileiro, todo mundo perde. Eu estaria feliz em pagar mais tributo por uma simplificação no sistema.

Em breve, vai ser raro fazer compras em uma loja física

UOL - Quais foram as grandes mudanças no mercado de logística desde que a Loggi foi criada em 2013?

Fabien Mendez - Criamos a Loggi com o objetivo de entregar de tudo para todos. Em 2013, os chineses enviavam mais de 100 milhões de pacotes todos os dias; os brasileiros nem 1 milhão.

A diferença fundamental entre 2013 e 2020 é que: em 2013, tínhamos uma intuição, uma ideia, algumas faíscas acontecendo. Em 2020, essas faíscas causaram uma explosão, com as compras online, a entrega de pacotes entrou em uma nova fase, uma mudança. Isso ficou ainda mais amplificado pelas mudanças de hábito causadas pela pandemia.

E agora quais são os números da China e do Brasil em relação ao envio de produtos?

No Brasil, são entre 3 e 4 milhões por dia. Estamos crescendo nesse ritmo de 35% ao ano. Na China, foram 380 milhões de produtos por dia em dezembro de 2020.

A mensagem mais importante é que podemos crescer neste ritmo durante 20 anos. A participação do e-commerce no varejo é em torno de 10%. Nos próximos 20 anos, deve chegar a 60%.

Em um futuro muito próximo, será muito difícil ver alguém ir a uma loja comprar alguma coisa.

As lojas físicas devem desaparecer?

As lojas como conhecemos, com filas e caixas de pagamento, sim. Cada vez mais as lojas serão centros de experiências, lugares para se conectar com a marca, com o produto, conferir como ele é, mas não necessariamente um lugar de compra e de estoque.

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Em um futuro muito próximo, será muito difícil ver alguém ir a uma loja comprar alguma coisa.

Fabien Mendez, Fundador e CEO da Loggi

Privatização dos Correios fará regras serem iguais para todos

UOL - Qual é a sua opinião sobre a privatização dos Correios?

Fabien Mendez - Temos um imenso respeito pelo trabalho dos Correios. Em particular, eles fizeram um trabalho espetacular de universalizar o acesso às cartas no Brasil.

Por ser uma empresa pública, eles têm uma série de benefícios que nós não temos. Eles não pagam impostos, a carga nunca está parada, não têm que cumprir um monte de normas que nós, de empresas privadas, temos que cumprir.

Sou um fervoroso apoiador da privatização dos Correios porque todos terão as mesmas regras do jogo.

E por falar em concorrência, qual a sua opinião sobre a entrada dos marketplaces nos canais de distribuição?

Para nós, essa verticalização não é uma concorrência. Pelo contrário, continuamos atendendo com excelência a maioria desses grandes varejistas.

Eles detêm um terço do mercado. E os dois outros terços? Quem está atendendo? Com excelência, com prazo, qualidade, consistência? Não há ninguém. Esse é um lugar que queremos ocupar.

Veículos elétricos, autônomos e drones de quatro rodas para entregas

UOL - Quais são as tendências tecnológicas que devem chegar ao Brasil em relação ao segmento logístico?

Fabien Mendez - Qual a onda que a Loggi quer surfar? Olhando para frente, temos duas ondas muito poderosas para serem surfadas.

A primeira será a eletrificação porque tornará a entrega mais sustentável. Teremos um ar mais respirável, uma entrega menos barulhenta e menos custosa. Nos três próximos anos, teremos uma grande revolução de eletrificação das frotas.

Daqui a cinco ou dez anos teremos uma onda maior, ainda mais poderosa, ainda mais ampla, que será a onda dos veículos autônomos, que poderão conectar agências e centros de distribuição nas estradas retas, nas autopistas, sem causar acidentes e sem parar.

O que vai acontecer também é que chegarão às cidades os androides, os drones sobre quatro rodas. Em grande escala, em cinco anos, veremos os drones de quatro rodas entregando nas cidades.

Qual é o país hoje que você vê como modelo de logística no mundo?

Se pensamos em infraestrutura, o Japão, os países nórdicos. Eles possuem uma rede de infraestrutura inserida no meio ambiente, que não polui.

Quais são os planos da Loggi para os próximos anos?

No ano passado, crescemos 360%. Foi muito desafiador, mas conseguimos. Olhando para frente, queremos um crescimento mais sustentável nos próximos dez anos. Não colocaremos tanta pressão na operação.

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