Coca quase zero

CEO global da Coca-Cola defende menos açúcar, novos produtos e luta contra obesidade

Mariana Bomfim Do UOL, em São Paulo Simon Plestenjnak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL

Na medida certa

O açúcar não é, em si, um vilão da saúde pública. O problema é consumi-lo em grandes quantidades. É o que afirma o CEO global da Coca-Cola, James Quincey, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes.

O executivo diz que a empresa está adaptando seu portfólio para oferecer produtos com menos açúcar e em embalagens menores para ajudar no combate à obesidade. Segundo ele, a Coca-Cola apoia os objetivos da OMS (Organização Mundial da Saúde), mas não tem uma meta própria de redução dos níveis de açúcar em seus produtos.

Na entrevista, o executivo destaca a importância de a indústria de bebidas tomar a iniciativa de resolver o problema do descarte de lixo, adiantando-se a eventuais leis que as obriguem a isso.

Quincey também afirma que o Brasil está saindo da recessão profunda dos últimos anos e que a Coca-Cola está otimista em relação ao futuro do país.

Mudar produtos para ajudar a diminuir consumo de açúcar

UOL - Vários estudos mostram ligações entre açúcar e doenças crônicas, como câncer e diabetes. Como é ser uma empresa cujo principal produto é uma bebida açucarada?

James Quincey - Nós precisamos abraçar a realidade do mundo e ser parte da solução. Se você dedicar algum tempo a ouvir a OMS [Organização Mundial da Saúde], o que ela realmente diz é que não há nada de errado com o açúcar, você só não pode consumi-lo em grandes quantidades.

E nós dissemos: ok, se o objetivo é esse --que o consumo de açúcar seja de apenas 10% das calorias totais diárias--, isso é o que nós vamos tentar ajudar as pessoas a fazer. Muitas já cumprem isso, outras consomem mais do que devem.

O que nós fizemos foi refletir: como podemos agir para ajudar a sociedade a lidar com o amplo problema da obesidade? E fizemos algumas coisas.

Primeiro, pusemos informações nas embalagens, de maneira que todos saibam exatamente o que há nos produtos, não existe mistério. Também reformulamos alguns produtos e baixamos o nível de açúcar deles para avaliar se os consumidores vão aceitar a redução, e tivemos alguns sucessos com isso.

Desenvolvemos várias embalagens menores, de garrafas e latas, para ver se as pessoas passam a controlar as porções que consomem. E estamos inovando em novas categorias de produtos, que naturalmente já apresentam níveis menores de açúcar.

Então, estamos adaptando nosso portfólio para oferecer mais opções e também estamos mudando o perfil do nível de açúcar para ajudar as pessoas a controlar o consumo. Como você pode ver, o objetivo é que consigamos fazer nosso negócio crescer e, ao mesmo tempo, reduzir a quantidade de açúcar que vendemos.

A Coca-Cola tem alguma meta em relação à redução da quantidade de açúcar?

Nós não definimos uma meta porque estamos tentando ajudar cada consumidor. O que estamos tentando fazer é apoiar o objetivo da OMS de ajudar as pessoas a consumir o correspondente a no máximo 10% de açúcar do total de calorias diárias.

Cada pessoa vai chegar a esse número de uma maneira diferente, consumindo diferentes bebidas.

Em parte, uma das maiores dificuldades ao ajudar as pessoas com as suas dietas é que elas consomem muitas coisas.

Não é só uma questão de quanto açúcar há nas bebidas gaseificadas, no pão, nos biscoitos e em outras coisas que elas comem. É uma questão de como administrar o consumo de tudo isso.

Aumentar impostos sobre refrigerantes é eficaz para reduzir consumo de açúcar, segundo a OMS. O México fez isso, e, no Brasil, há um projeto de lei com esse propósito. O que acha disso?

É preciso decidir qual é o objetivo do imposto. Se for arrecadar mais, é claro que, se você aumentar o imposto, vai conseguir mais dinheiro. Mas se taxar apenas alguns setores, economistas vão dizer que isso tende a causar distorções e que é melhor taxar todo mundo.

Se o objetivo do imposto for reduzir as calorias ou o consumo de açúcar, você não pode avaliar apenas o que acontece com os refrigerantes. É preciso olhar a dieta total.

Um professor renomado estudou o caso de Berkeley, na Califórnia [Estados Unidos], onde o imposto do açúcar foi adotado. É claro que o consumo de refrigerantes caiu, como esperado, mas o mais interessante foi a consequência disso no comportamento das pessoas. Veja: o desafio em relação aos refrigerantes é que há muitos substitutos. Se eu não como ou bebo isso, vou acabar comendo ou bebendo outra coisa.

No caso da Berkeley, as pessoas passaram a comprar outras comidas e bebidas, de tal forma que o consumo total de calorias subiu, em vez de cair. Então o imposto não só não reduziu o consumo de calorias como teve o efeito oposto.

Nossa posição é que podemos ajudar mais as pessoas a reduzir seu consumo de açúcar com ações da indústria para reformular produtos, criar embalagens menores e inovar com produtos sem açúcar, do que com imposto, porque isso simplesmente transfere o consumo de um produto para outro.

O sr. acha que algum dia haverá um substituto com o mesmo sabor do açúcar?

Não, não em um futuro próximo.

Crescer e reduzir venda de açúcar

País deve ter crescimento econômico e políticas sociais

UOL - Como a Coca-Cola vê o Brasil no contexto global?

James Quincey - O Brasil é um mercado muito grande para a Coca-Cola. Estamos investindo aqui há cerca de 70 anos, é o quarto maior país do sistema Coca-Cola, então o Brasil é muito importante para nós.

Estivemos aqui nos anos bons e nos difíceis. Agora o país está saindo da recessão profunda dos últimos anos, e nós vemos oportunidade de a economia começar a crescer novamente e a renda da população aumentar. Então estamos muito otimistas em relação ao futuro do Brasil.

A crise econômica mudou os hábitos do consumidor?

Em uma crise, geralmente as pessoas se tornam muito mais sensíveis aos preços, à acessibilidade dos preços. Elas contam cada centavo. Isso foi muito real no caso recente do Brasil.

O que nós aprendemos é que é realmente importante focar em tentar manter os preços baixos.

Uma das razões pelas quais nós gastamos tanto dinheiro nos dois últimos anos investindo em garrafas retornáveis é porque isso permite que mantenhamos o preço mais baixo do que o de uma Coca-Cola em garrafa descartável. Isso permite que os consumidores comprem Coca-Cola e que consigamos nos sair bem mesmo em anos ruins.

Também é ótimo para o meio ambiente, para reduzir a pegada de carbono. Isso dá uma boa ideia de por que crescemos no ano passado e estamos crescendo neste ano: nós conseguimos permanecer em contato com o consumidor por meio de preços acessíveis.

Quais são os desafios que uma companhia grande como a Coca-Cola enfrenta no Brasil?

Provavelmente são os mesmos desafios que os de outras grandes companhias estrangeiras aqui e até mesmo que os de grandes empresas nacionais

Todo grande mercado atrai muitos investimentos porque tende a ser mais competitivo, já que é onde as pessoas e o dinheiro estão.

O desafio é que esses mercados realmente exigem que você faça o seu melhor, tenha o melhor desempenho, seja percebendo o que está acontecendo com o consumidor, seja na inovação, em novas bebidas, ou no marketing.

O sr. acompanha a situação política no Brasil? Como ela interfere nos negócios da Coca-Cola?

Não acho que a política, por si só, interfira. Cada país tem um sistema político, um governo e uma agenda, e cada governo que assume tem a sua própria pauta. É o papel do governo estabelecer as regras para os negócios, e o papel das empresas é se adaptar a essas regras.

Estamos investindo no Brasil há muito tempo e achamos que o país tem um futuro brilhante. Claro que nós temos um ponto de vista sobre quais são as políticas que mais estimulam crescimento e investimentos e compartilhamos esse ponto de vista com os governos que encontramos no mundo todo.

Quais são essas políticas que vocês defendem?

Em relação a investimentos, sempre defendemos que haja a maior transparência possível e estabilidade em relação às leis, ou seja, que elas não mudem o tempo todo.

Defendemos que os países tentem seguir políticas que estimulem ao máximo o investimento e o crescimento econômico e então usem parte dos benefícios desse crescimento para investir em políticas sociais.

Embora nós não sejamos exatamente uma companhia de comércio global, já que nossos negócios são locais, nós acreditamos que comércio global tende a criar mais crescimento, o que gera mais dinheiro para as pessoas gastarem e, consequentemente, ajuda nossos negócios.

Por isso, somos sempre a favor de melhorar os acordos comerciais e de políticas focadas no investimento. Então, com os benefícios do crescimento econômico, faz sentido implementar políticas sociais.

O consumidor brasileiro tem alguma característica que o distingue, em relação a outros mercados?

Todo mercado tem características próprias, e o brasileiro não é diferente. Há algumas coisas muito, muito brasileiras. Há as frutas que são típicas daqui e que são usadas para produzir suco e bebidas, como o Mate Leão, que nós vendemos e é um produto único no mundo. Há coisas que são inerentemente brasileiras porque há produtos agrícolas que só são cultivados aqui, e eles chegam às comidas e às bebidas.

Também há questões culturais, claro. É um país imensamente diverso. Existem vários hábitos que são muito brasileiros, como praia e churrasco e a maneira como isso combina com tudo.

Há algum aspecto do nosso mercado que acha difícil de entender?

É um país muito grande e diverso. São vários estados, e todo mundo precisa entender o que acontece em cada estado. Mas nós temos uma equipe fantástica aqui, a Coca-Cola Brasil, e temos engarrafadores parceiros que empregam milhares de pessoas. Praticamente todos que trabalham aqui são brasileiros e entendem o país.

Nossa estratégia é reconhecer que cada país tem suas diferenças e sua maneira de fazer as coisas. Então, é muito importante para nós atuar localmente. É por isso que estimulamos negócios e empregamos muita gente local, para que as coisas aconteçam da maneira que devem.

Retornável e mais barata

Indústria não precisa esperar leis para resolver problema do lixo

UOL - O que faz o consumidor ser fiel à Coca-Cola?

James Quincey - A mágica que faz a Coca-Cola persistir há tantos anos como a marca preferida no mundo todo é que gerações após gerações conseguiram fazer com que ela fosse relevante. Com valores fundamentais como o otimismo, a inclusão, a modernidade e a magia da Coca-Cola, que são a essência da marca, essas gerações conseguiram mantê-la relevante na medida em que o mundo evoluía. Nós conseguimos trazer vida à Coca-Cola.

No final das contas, é uma bebida especial, e a maioria das pessoas tem uma relação muito especial com ela. Nós somos muito privilegiados por contar com a lealdade de tantos consumidores.

O sr. gostaria de fazer alguma mudança na Coca-Cola? Há algo que faria para melhorá-la?

Como empresa, acho que já estamos fazendo algumas coisas. Por exemplo, estamos nos dedicando a expandir nosso portfólio para que as pessoas tenham mais escolhas.

Quando analisamos o que está acontecendo com a indústria de bebidas no mundo todo, vemos que as pessoas estão comprando mais bebidas comerciais, gastando mais dinheiro com esses produtos, mas estão querendo mais opções.

Estamos respondendo a isso oferecendo inovação em nossas bebidas gaseificadas, seja em relação às embalagens retornáveis, para que elas tenham preços mais acessíveis, seja nas versões das nossas bebidas, como a Coca-Cola sem açúcar.

Também estamos investindo em uma série de outras categorias, como sucos, chás prontos, bebidas à base de vegetais, como o AdeS, e marcas de água. Estamos determinados a oferecer mais opções ao consumidor.

Há alguma política em relação ao meio ambiente?

Criar um negócio dinâmico não é suficiente no longo prazo, se você está operando em uma sociedade ou em uma comunidade que não é dinâmica. Nesse aspecto, estamos cada vez mais focados em uma economia circular para as embalagens, pensando em como criar um negócio que promova um mundo sem lixo.

Estabelecemos o objetivo de coletar e reciclar uma garrafa e uma lata para cada garrafa e lata que nós vendemos, garantindo efetivamente que elas não vão para os oceanos e até mesmo para os aterros, já que a lata de alumínio e a garrafa PET têm muito valor econômico, podendo ser usadas para produzir novas latas e garrafas.

Isso gera uma economia circular, com uma pegada de carbono muito menor. O que é interessante é que estamos vendo muitas indústrias reconhecerem o problema [do descarte de lixo] e se juntarem para resolvê-lo. Não precisamos esperar que haja leis no mundo todo sobre o assunto para poder agir.

Aqui no Brasil, nós trabalhamos junto com alguns concorrentes nossos para tentar aumentar a taxa de coleta de plástico e alumínio, e temos tido avanços.

Não atingimos 100% [do material] ainda, mas a coleta está começando a ganhar tração. Então, aumentar o portfólio para construir negócios mais dinâmicos e, ao mesmo tempo, ajudar a resolver alguns dos problemas da sociedade é realmente o centro do nosso negócio.

Faça algo que o motive

A Coca-Cola é assim:

  • Fundação

    1892

  • Operação no Brasil

    1941

  • Valor de mercado

    US$ 202,1 bilhões (2018)

  • Receita operacional líquida

    US$ 31,9 bilhões (2018)

  • Funcionários

    53,7 mil no Brasil, 700 mil no mundo

  • Unidades no Brasil

    36 fábricas, 9 franquias, Leão Alimentos e Bebidas (joint venture) e Verde Campo

  • Unidades no mundo

    Cerca de 900 fábricas

  • Vendas

    28 milhões de pontos de venda no mundo

  • Porcentagem de mercado dominada pela empresa

    Cerca de US$ 1 a cada US$ 4 gastos em bebidas não alcoólicas no mundo

  • Participação do Brasil no negócio

    4ª maior operação global da empresa

Seja aberto para aprender e curioso sobre o mundo

UOL - Qual o seu conselho para construir uma carreira de sucesso?

James Quincey - Faça coisas que realmente o motivem, seja o que for. Sei que muitas pessoas têm um plano de carreira com vários estágios. Não posso dizer que eu nunca tenha feito isso e tenho certeza de que esse planejamento faz a diferença para muita gente.

Mas eu aprendi que o que realmente abre portas é ter sucesso no seu trabalho. Então, se você faz algo que o motive, é maior a chance de sair da cama de manhã e chegar ao trabalho com a maior energia possível.

Se é algo que vai fazer você ganhar muito dinheiro ou não, que vai fazer você trabalhar demais ou não, isso é algo com o qual você vai precisar estar confortável e encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Mas faça algo que o motive.

Algum outro conselho?

Um conselho que eu costumo dar é que as pessoas realmente entendam qual é o seu papel. Você é um colaborador, um gestor ou um líder? O que você realmente precisa fazer? A maioria das pessoas começa como um colaborador e, em algum momento, se torna um gestor. É claro que você pode aprender como ser cada uma dessas coisas no próprio trabalho, mas muitas pessoas já fizeram isso antes.

Então embarque na sua própria jornada de desenvolvimento das suas capacidades, com disciplina constante, porque cada vez que você for bem-sucedido em uma coisa, você provavelmente seguirá rumo a um novo desafio, e isso vai exigir um novo conjunto de habilidades. Então, se dedique a ser aberto a continuar a aprender.

Não fique preso a um campo de conhecimento estreito. Se você está na especialidade x, não aprenda apenas sobre x, porque há muitas percepções que podem ajudá-lo de diversas maneiras se você olhar o que está acontecendo nas outras indústrias, em diferentes tipos de liderança, em diferentes figuras históricas. Seja curioso sobre o mundo de uma maneira ampla.

Há algo que gostaria de ter feito diferente na sua carreira?

Provavelmente existem alguns produtos que eu não teria lançado se soubesse que eles falhariam --como falharam.

Mas o que mais me vem à cabeça quando me perguntam isso é Frank Sinatra --ou Sid Vicious [vocalista da banda britânica "Sex Pistols"], dependendo da sua idade-- cantando a música "My Way". Um verso famoso é "Regrets, I've got a few, but then again, too few to mention" [Arrependimentos, tenho alguns, mas tão poucos que nem vale mencionar].

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