Um ano depois da reforma

Trabalhadores e aposentados contam como foram afetados pelas mudanças na Previdência

Thâmara Kaoru e Ricardo Marchesan Do UOL, em São Paulo Getty Images

Em vigor há um ano, a reforma da Previdência alterou profundamente as regras de aposentadoria e pensão dos brasileiros.

Seja tendo que trabalhar por um tempo a mais, ou então recebendo um valor menor, quem conseguiu cumprir as exigências para se aposentar a partir de 13 de novembro do ano passado está sendo afetado.

O UOL ouviu pessoas nessa situação e conta suas histórias.

Arquivo pessoal

Esperou para se aposentar e conseguir R$ 1.000 a mais

Quando a reforma começou a valer, o engenheiro civil Celso Iamarino, 60, ainda precisava de dois meses para completar os 35 anos de contribuição para a aposentadoria.

Hoje dono de um posto de gasolina em Campinas (SP), ele saiu do último emprego em 2016, após 25 anos na mesma empresa. Desde então continuou contribuindo com o INSS, mas como facultativo.

Com a reforma, ele teve que esperar um pouco a mais. Pelas novas exigências, o engenheiro poderia se aposentar a partir de fevereiro deste ano, enquadrado na regra de transição do pedágio de 50%.

Se ele esperasse um pouco mais para dar entrada no pedido, até o final de maio, ele entraria em uma regra mais vantajosa, do pedágio de 100%, com cerca de R$ 1.000 a mais de aposentadoria.

Claro que foi o que fez. Com isso, o valor que obteve não ficou muito diferente daquele que teria se tivesse se aposentado antes da reforma, pelas regras antigas.

Assim, ele não considera que foi muito prejudicado pela reforma da Previdência, mas ressalta que sua situação é muito melhor do que a da maioria dos aposentados, que ganha um salário mínimo.

Arquivo Pessoal

Mudança deixou pensão R$ 900 menor

Solangee Caminoto Lira, 65, perdeu o marido em abril deste ano. Ela diz que não acompanhava as contas da casa, mas ficou surpresa em saber que passaria a receber uma pensão de apenas 60% do que o marido ganhava de aposentadoria. A diferença foi de cerca de R$ 900.

"Ele já ganhava pouco e ainda tiram 40% do pouco que você tem direito de receber? Fica uma situação muito difícil."

A reforma da Previdência mudou a regra de cálculo da pensão. Para quem era aposentado, por exemplo, considera-se 50% do valor da aposentadoria, mas 10% para cada dependente até 21 anos, limitado a 100%. Uma viúva sem filhos dependentes, como é o caso de Solangee, recebe 60% do valor da aposentadoria.

Solangee, que trabalhava como diarista antes da pandemia, diz que continua recebendo a diária mesmo sem ir ao serviço, e isso tem ajudado com as despesas de casa. Ela também aluga a garagem para ter um dinheiro extra. "Os alimentos, a luz, a energia, o plano de saúde. Está tudo muito caro. Se fosse só a pensão, não ia ser fácil."

Para ter um alívio nas contas no futuro, Solangee está contribuindo ao INSS para atingir os 15 anos de pagamentos exigidos na aposentadoria por idade. Ela estima que conseguirá o benefício no ano que vem.

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Valor da aposentadoria fica menor com reforma

Walter Abahit completou 65 anos em dezembro do ano passado, um mês depois que a reforma da Previdência entrou em vigor. Ele já tinha os 15 anos de contribuição necessários para esse benefício, mas ainda aguardava o requisito idade e, por isso, entrou nas novas regras.

A reforma da Previdência estabeleceu que para chegar na média salarial são considerados todos os salários de contribuição desde julho de 1994. Quem cumpre o prazo mínimo de 15 anos de contribuição, por exemplo, tem direito a receber 60% dessa média. No caso das mulheres, há aumento de 2 pontos percentuais por ano a partir dos 15 anos de contribuição. Para os homens, o adicional de 2 pontos percentuais é válido por ano que contribuir a mais a partir de 20 anos de contribuição.

Pelas regras antigas, haveria o descarte dos 20% menores salários de contribuição, o que, em geral, faz a média ficar melhor. Além disso, seria considerado 70% dessa média mais um ponto percentual a cada ano de contribuição. Walter, que tinha 16 anos de contribuição, teria direito a 86% da média salarial.

"Eu sabia que se fosse me aposentar por idade, eu receberia um salário pequeno, mas que já daria para comprar os remédios." Ele confessa que não fez as contas para saber quanto deixou de receber com as mudanças.

Já a mulher de Walter, Mônica Ramalho de Oliveira Abahit, que completa 59 anos neste mês, estima que quando for pedir a aposentadoria, terá uma redução de R$ 1.000 no valor do benefício se comparado com as regras antigas.

"Se eu me aposentasse aos 60 anos, antes da reforma, eu receberia cerca de R$ 1.000 a mais. Isso vai me prejudicar bastante. Não sei quantos anos eu tenho que trabalhar a mais ou se vai resolver trabalhar a mais para melhorar os valores. Para mim, não tem nada muito esclarecido."

Além de ter um benefício menor, ela também terá que esperar mais, pois precisará cumprir o novo requisito da idade. Antes da reforma, a idade exigida das mulheres era de 60 anos. Agora, essa idade sobe seis meses por ano, até chegar a 62 anos em 2023.

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Regra para acumular benefícios mudou, mas não a prejudicou

A administradora hospitalar Maria Teresa Prianti Vilela Guimarães, 71, era aposentada pelo INSS quando perdeu o marido em fevereiro deste ano.

Pouco antes da pandemia, deu entrada no pedido de pensão por telefone, mas só conseguiu mandar todos os documentos necessários em agosto, quando passou a receber o benefício, de um salário mínimo, mesmo valor que seu marido recebia de aposentadoria.

A reforma da Previdência mudou as regras de acúmulo da aposentadoria e pensão por morte. Ainda é possível receber ao mesmo tempo aposentadoria e pensão ou duas pensões de regimes diferentes, mas há um limite no valor do benefício menor. O segurado recebe o valor integral do benefício que for mais vantajoso e uma parte do que for menor.

O benefício de menor valor só será pago sem descontos se for de um salário mínimo, que é o caso da pensão de Maria Teresa.

"Eu não fui prejudicada. Se ele recebesse mais, eu sairia prejudicada. Mas, nesse caso, não fui."

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Vigilante terá que trabalhar mais do que esperava

Rovanjo da Silva Costa, 44, é vigilante em Carazinho (RS). Ele esperava conseguir a aposentadoria com 25 anos de trabalho, por causa do perigo da profissão.

Os vigilantes aguardam decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) para garantir o direito à aposentadoria especial com 25 anos de função. Esse tempo, porém, precisaria ser cumprido antes da reforma começar a valer.

Em novembro do ano passado, Rovanjo tinha 23 anos de serviço como vigilante e torcia para conseguir se aposentar a partir do final de 2021. Com a mudança na Previdência, segundo seu advogado, Adriano Mauss, ele espera ser enquadrado na regra de transição da aposentadoria especial e trabalhar até 2029 como vigilante.

Mas nem isso está garantido. O direito à aposentadoria especial para profissões com risco de morte, como vigilantes armados e eletricitários que trabalham em redes de alta tensão, também não foi assegurado pela reforma.

O texto apenas deixou o caminho aberto para essa possibilidade. Há um projeto proposto pelo governo, que está no Congresso, para definir regras mais claras nos casos de profissões de risco, mas por enquanto a questão está pendente, segundo Adriano Mauss.

Se Rovanjo não entrar na aposentadoria especial, a regra de transição mais benéfica para ele permitirá que se aposente a partir de 2034.

"Imagina como uma pessoa com quase 60 anos vai estar trabalhando com a saúde mental boa na vigilância? Como vai ter o reflexo de reagir? De repente tem que entrar em luta corporal com uma pessoa muito mais jovem", questiona o vigilante.

Pós-reforma: o que dizem os especialistas?

  • Demora na adaptação

    "Foi um começo difícil. A reforma da Previdência saiu em 13 de novembro e nós tivemos que esperar cerca de cinco meses para o sistema do INSS ser implementado, considerando as regras novas. Tinha a publicação da reforma, mas não tinha sistema. A fila só piorou", afirma Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).

  • Regras duras

    "Precisava ter uma reforma. A população começou a ficar mais velha, a expectativa de vida aumentou, muitas pessoas estavam se aposentando mais cedo, e o INSS pagando por mais tempo. Tudo isso contribuía para a necessidade de uma alteração. Mas acho que foram colocados termos muito duros, que não se adequam à realidade brasileira", diz o advogado previdenciário João Badari.

  • Pandemia

    "A pensão por morte foi o benefício mais atingido nesse momento, pois tivemos um número elevado de mortes. Agora, o valor é de 50% mais 10% por dependente. Para os que morreram jovens, com pouco tempo de contribuição, as pensões deixadas estão ainda menores, pois levam em conta quanto seria o benefício se ele fosse aposentado por invalidez. Acontece que a aposentadoria por invalidez também teve redução no cálculo. Isso foi impactante", diz Bramante.

  • Regulamentação

    "A reforma foi discutida em 2019 com muita pressa por causa do impacto financeiro, e o pós-reforma não ficou bem acabado. A reforma não foi totalmente regulamentada nas leis que já existem e na própria emenda constitucional, que permite em mais de 50 trechos a regulamentação por lei complementar. Isso traz uma insegurança jurídica grande", diz o advogado previdenciário Rômulo Saraiva.

  • Contribuições

    "Percebemos um desestímulo às contribuições previdenciárias. Quem estava com os 15 anos de contribuição, em alguns casos, pagam aos poucos, apenas para manter um vínculo com a Previdência. Se vai receber o salário mínimo mesmo, por exemplo, acabam deixando de pagar. Teriam que investir muito para ter um benefício maior", afirma Bramante.

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