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Brasil: a cinderela que perdeu seu sapatinho de cristal

Calçadistas fazem negócio em feira de sapatos Francal Imagem: Robson Ventura/Folhapress

Rose Mary Lopes

Colunista do UOL

26/09/2014 06h00

Os tempos de ouro (ou de cristal para combinar com o título) do setor calçadista brasileiro já se foram há muito. Tempos em que grande parte da produção de calçados, sobretudo os produzidos no Rio Grande do Sul, encontravam caminho fácil nas exportações. Chegamos perto de US$ 2 bilhões em exportações nos anos de 2007 e 2008.

De lá para cá a cinderela perdeu o seu sapatinho de cristal, mas ao contrário do conto infantil, está enfrentando as dificuldades da competição com outras cinderelas, sobretudo das asiáticas. Desde 2003, a participação do setor calçadista nas exportações brasileiras caiu de 2,1% para 0,5% do total. E, ao que parece, o setor somente não colapsou porque tem se apoiado no mercado interno.

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A produção era de 897 milhões de pares em 2003, subindo para 916 milhões em 2004, e de lá para cá, tem tido variações e flutuações, atingindo a marca de 890 milhões em 2013. Os dados são da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados) e da Secex (Secretaria de Comércio Exterior). As empresas somaram pouco mais de US$ 1 bilhão no ano passado, sendo que o preço médio caiu para US$ 8,63 o par.

O nível de empregos até que teve aumento: partimos de 272 mil em 2003, para 328 mil em 2013. Porém, se a produção em milhão de pares praticamente é o mesmo em uma década, há que se suspeitar que os custos de produção tenham aumentado. Afinal, sobre a mão de obra no Brasil, sobretudo aquela com mais especialização, incidiram aumentos de salário reais, além da inflação.

A nossa produção é ainda pouco automatizada. E, além disso, no cenário mundial, enfrentamos a competição de concorrentes como China, Indonésia e Vietnã. Enfrentamos as barreiras do encarecimento de nossa produção, por variação do dólar, além de impostos e tributos. E, desde outubro de 2013, Guido Mantega, ministro da Fazenda, instituiu redução de imposto de importação para partes e componentes de calçados.

O imposto caiu de 25% para 18%. Ou seja, ficaram mais baratas as importações de solas exteriores, saltos de borracha ou plástico e partes superiores dos calçados. Assim, ficou mais fácil entrar com o produto desmontado e montá-lo aqui, poupando os chineses de pagar o preço de US$ 13,85 do direito antidumping. Além disto, há rota de entrada pelo vizinho Paraguai, reduzindo o pagamento de impostos e criando competitividade desleal.

No cenário interno, nas últimas décadas, houve um aumento expressivo em polos produtores em diversos Estados. Até com migração de indústrias do Sul para o Nordeste brasileiro. Por um lado, isto é interessante. Permitiu-se a criação de indústrias, criação de empregos e especialização em outros Estados. Mas, também há um cenário de guerra fiscal entre eles.

Atualmente a Abicalçados lista polos produtores no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Bahia, Sergipe, Paraíba e Ceará. Inicialmente, no Nordeste, produziam-se calçados de baixa complexidade e qualidade como as sandálias injetadas. Mas, houve modernização e há indústrias com maquinários modernos e com avançadas tecnologias.

Mas, temos que evoluir bastante na construção de marcas. Sobretudo de marcas premium. Pesquisa recente, em 2012, realizada para grande indústria calçadista, com compradores para lojas multimarcas e grandes lojas do país, verificou que havia uma dispersão enorme de nomes de marcas premium focalizadas no público feminino da classe A.

Notaram que 52 marcas foram citadas por apenas uma pessoa, num total de 104. Isso denuncia que, de fato, temos poucas marcas premium reconhecidas como tal. E, se isto acontece na mente dos compradores que tem mais contato com as empresas, imagine na mente da consumidora!

Existe a responsabilidade da empresa calçadista em investir na construção de sua marca, e deixar de ser um fornecedor de calçados com marca inexpressiva ou com marcas “private label” – de terceiros. Logicamente que a construção da marca tem que estar apoiada no desenvolvimento de produto de couro de qualidade, com design e que siga as tendências da moda mundial. Mas, já existem instituições para ajudar neste esforço.

Os empreendedores podem e devem recorrer, por exemplo, ao Instituto By Brasil, em Novo Hamburgo, no RGS, que tem foco em design, inovação e sustentabilidade, e desenvolve esforços em ensino, pesquisa e serviços.

Só com respeito à sustentabilidade, existe o Programa Origem Sustentável, pelo qual, uma parceria foi desenvolvida entre a Abicalçados, a Assintecal (Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couros, Calçados e Artefatos), mais a Universidade de São Paulo, via Laboratório de Sustentabilidade e o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT).

A obtenção de certificação de sustentabilidade vai auxiliar os empreendedores e marcas brasileiras a penetrar, por exemplo, no mercado europeu, que já regulamenta a compra de produtos sustentáveis e que ostentem o selo respectivo. Este programa é gerido pelo Instituto By Brasil e tem apoio do Sebrae.

Mas, o flanco interno também precisa ser conquistado. Há muita valorização de produtos e marcas estrangeiras em detrimento das Made in Brazil.

Os empreendedores têm um trabalho a fazer, mas há diversas partes interessadas que também têm que fazer o seu papel. Está na hora de todos cooperarmos para que o Brasil deixe de ser borralheira e encontre o rumo de seu sapatinho de cristal.

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