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Quer ser fornecedor do governo? Veja as mudanças da nova lei de licitações

A Hauss Brasil, que faz casas populares sustentáveis, se tornou fornecedora do governo em 2024 Imagem: Divulgação

Claudia Varella

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/04/2024 04h00

"Vender para o governo é coisa para empresa grande." Você que é dono de uma pequena ou média empresa já deve ter ouvido (ou pensado) isso. Mas não é bem assim. Empresas de todos os portes podem ser fornecedoras de produtos e serviços para o governo.

Mas como conseguir isso, com a nova lei de licitações? O UOL ouviu especialistas do setor sobre as principais mudanças da lei 14.133/21. Ela vale para a administração pública federal, estadual, distrital e municipal em todos os órgãos. Ficam de fora empresas públicas, sociedades de economia mista e estatais.

"Com a obrigatoriedade da nova lei de licitações e contratos, os governos e as prefeituras ainda estão em fase de adaptação. Muitos itens, como o cadastro central de licitantes, ainda não foram regulamentados, e isso pode levar tempo", diz Leonardo Ladeira, CEO e cofundador do Portal de Compras Públicas.

Confira alguns pontos das mudanças

1) A lei deixou o processo de compras públicas mais digital

Na legislação anterior, o formato eletrônico (pela internet) era o recomendado, inclusive com obrigatoriedade em algumas áreas, como saúde e educação. Porém, diversos tipos de compras públicas (obras de engenharia, serviços técnicos especializados, publicidade e propaganda) só aconteciam no formato presencial. Agora, o eletrônico serve para todo tipo de contratação.

"Com isso, ganhamos mais transparência e maior facilidade de acesso aos processos licitatórios do país todo de forma mais ampla, e, em especial, setores inteiros da economia brasileira passaram a ter os benefícios da participação eletrônica nas licitações", afirma Ladeira. Para ele, empresas que se adaptarem mais rápido ao novo formato terão mais possibilidades de negócio por todo o país.

2) Os formatos de contratação pública foram ampliados

A legislação anterior tinha como foco principal dois cenários específicos: contratar bens ou serviços determinados que eram necessários para a administração pública, e garantir preços em períodos mais longos de tempo.

"Contudo, cada vez que o ente público precisava contratar algum produto cujo preço oscilava muito, como passagens aéreas e combustível, ou mesmo serviços que seriam usados diretamente pela população, como clínicas para determinados exames fora da estrutura da rede pública, os desafios eram enormes", diz Ladeira.

Agora, a nova lei engloba cinco modalidades licitatórias (pregão, concorrência, leilão, concurso e diálogo competitivo) e cinco procedimentos auxiliares (credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral).

As modalidades licitatórias são a forma como a disputa pode ocorrer. Já os procedimentos auxiliares consistem em um conjunto de mecanismos pré-contratuais usados para instrumentalizar futuras licitações ou processos de contratação direta. "Os procedimentos são um apoio à modalidade, não a modalidade em si", diz Ladeira.

A novidade é o diálogo competitivo. Segundo Larissa Costa, advogada do Sebrae, ele deve ser utilizado para licitações que envolvam inovações tecnológicas ou técnicas, para soluções que dependam de adaptações das opções disponíveis no mercado e que envolvam especificações que a Administração não conseguir definir objetivamente.

Também está prevista a dispensa de licitação. Basicamente, em dois cenários: onde o valor é pequeno para a administração, e o processo licitatório padrão seria muito oneroso frente ao eventual ganho econômico, ou em situações onde a disputa não é possível (exclusividade de fornecimento, por exemplo). Contratações de cunho intelectual e artístico entram também neste grupo. Existem também os casos extremos para dispensa: calamidade pública (como aconteceu na pandemia), atendimento a ordem judicial e outros.

3) A mecânica para pequenas compras públicas mudou

Antes, essas compras aconteciam principalmente por modalidades conhecidas como "carta-convite" e "tomada de preços", além da própria dispensa de licitação. Essas duas modalidades foram extintas, e a dispensa de licitação em formato eletrônico virou o novo padrão.

Os limites financeiros para a dispensa de licitação foram alterados, diz Ladeira. O teto passa de R$ 17,6 mil para R$ 59,9 mil na nova lei, valor reajustado agora anualmente. Segundo ele, alguns tipos de contratações (manutenção veicular, pequenas obras e outros) têm esse teto ainda mais alto (até R$ 119,8 mil). "Isso permite um volume maior e mais interessante de oportunidades, principalmente para pequenas empresas", afirma.

4) As obrigações das partes envolvidas ficaram mais claras

A legislação anterior tratava como crimes da esfera civil os assuntos relacionados a ações criminosas de ambas as partes (agentes públicos ou empresas) nos processos licitatórios —e o detalhamento de tais ações eram muito mais superficiais.

A nova lei muda a tipificação desses possíveis delitos (de civil para penal), e é muito mais abrangente no detalhamento do que pode ou não pode ser considerado uma infração, segundo Ladeira.

5) As oportunidades de negócio têm muito mais transparência

Na lei anterior, o acesso às pequenas compras, principalmente na modalidade carta-convite, era mais difícil para empresas que não tinham sido envolvidas no processo desde o início. Antes, a administração pesquisava fornecedores no segmento relevante de mercado e enviava um pedido de cotação (o próprio convite) para tais empresas, em número mínimo de três. "Isso era publicado tão somente no Diário Oficial do ente público, e, portanto, sempre foi uma tarefa difícil de acompanhar pelo mercado como um todo. Uma empresa 'não convidada' poderia participar, mas encontrar essas oportunidades não era simples", diz Ladeira.

Com a nova lei e a extinção da carta-convite, por exemplo, o caminho de divulgação de necessidades da administração pública é sempre a mesma, permitindo um acesso irrestrito a essas oportunidades.

6) Ficou mais fácil conhecer os concorrentes e seus preços praticados

Na nova lei, foi criado o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), onde todos os órgãos públicos brasileiros (federais, estaduais ou municipais) têm a obrigação de publicar suas informações referentes a compras públicas.

Isso significa que, em um lugar só, já é possível pesquisar por compras públicas do país como um todo e conhecer todos os participantes em um determinado segmento ou produto. "Isso é um avanço enorme. Afinal, na legislação anterior, essas informações públicas estavam disponíveis apenas nos portais de transparência de cada um dos órgãos, tornando uma pesquisa ampla praticamente impossível", afirma Ladeira.

7) Facilitou na hora de se planejar para participar em licitações com antecedência

Na legislação anterior, o mercado ficava sabendo de uma licitação apenas após sua publicação nos veículos oficiais (como Diário Oficial e site do órgão), dando somente o prazo legal para recebimento de propostas (8 dias úteis para pregões eletrônicos, por exemplo) de antecedência, para que uma empresa pudesse se organizar e decidir participar ou não de um processo licitatório.

Na nova lei, o PNCP também exige a publicação do planejamento de compras dos órgãos públicos. "Com essa funcionalidade, conhecer as expectativas de compra dos órgãos na região de atuação da empresa ficou muito mais fácil. Bem explorada, essa informação pode se converter em uma enorme vantagem competitiva", declara Ladeira.

8) Está mais simples saber o prazo médio de pagamento de um órgão

Para Ladeira, um dos grandes receios de qualquer empresa ao participar de licitações é saber quanto tempo levará até receber. Na legislação anterior, essas informações só estavam disponíveis, e muitas vezes desatualizadas, nos sites do próprio órgão. Agora, na nova lei, essas informações de contrato, empenho e liquidação (pagamento) também passam a ser informações de apresentação obrigatória.

"Apesar de ainda ser necessária uma consulta mais trabalhosa, ela já é muito mais simples que o cenário anterior, inclusive porque os prazos para publicação no PNCP são muito mais adequados de acompanhar pelos próprios órgãos de controle externo e fiscalização", afirma Ladeira.

9) As vantagens para micro e pequenas empresas diminuíram na nova lei

Ladeira diz que, apesar das principais vantagens competitivas para pequenas e micro empresas nas licitações, uma questão importante foi alterada. Segundo ele, anteriormente, uma empresa tinha direito a diversas vantagens competitivas pelo simples fato de estar enquadrada adequadamente na junta comercial.

"Agora, na nova legislação, a empresa precisa estar enquadrada adequadamente e não ter tido faturamento anual superior ao teto do enquadramento. E mais: o objeto licitatório que a empresa busca participar não pode ser também superior a esse teto, ou seja, diminuíram as situações onde uma pequena empresa pode participar em situação de vantagem quando concorre contra empresas de maior porte", diz ele.

O que os empreendedores devem saber

Esse é o mercado menos concorrido do país. Segundo Ladeira, as compras públicas envolveram menos de 600 mil empresas nos últimos três anos. "No meio dos mais de 23 milhões de CNPJs ativos do país, esse mercado é uma fatia enorme dividida com pouquíssimas empresas", declara.

Há negócios de todos os tamanhos. Ladeira diz que é comum escutar que "vender para o governo é coisa para empresa grande". De fato, diz ele, existem contratações gigantescas, normalmente feitas pelo governo federal ou pelos maiores estados. "Mas também há compras de todos os tamanhos. Quando falamos de municípios, a enorme maioria das compras é de menos de R$ 59 mil. E, para essas, até uma MEI consegue atender", afirma.

Vender para o governo é um processo burocrático. É muito diferente de vender para a iniciativa privada ou para pessoas físicas. "Para que tudo corra bem, é importante entender essas diferenças e aprender 'as regras do jogo'. O lado bom é que essas regras estão disponíveis para todos os interessados em um documento chamado edital de licitação. "Para não ser pego desprevenido, entender esse documento é fundamental", declara Ladeira.

Atenção especial para prazos. Eles são muito mais rigorosos que os prazos do resto do mercado. Ladeira diz que um atraso que seria ignorado em uma venda privada pode ser um problema enorme para uma venda pública. Portanto, diz ele, suas obrigações precisam ser cumpridas à risca.

Fique de olho nos editais. Os editais de licitação são publicados frequentemente em portais governamentais e em outras plataformas, e é vital estar sempre alerta para não perder prazos e detalhes importantes. "Cada edital é uma porta que pode levar ao crescimento do seu negócio, mas, para passar por ela, você precisa estar preparado", afirma Gilberto Bergamin, advogado e sócio da Hauss Brasil, empresa que se tornou fornecedora do governo em 2024.

Mantenha toda a documentação regularizada. A licitação é um processo rigoroso que exige que todas as certidões, registros e comprovantes da sua empresa estejam em dia. Uma simples pendência pode ser o diferencial entre ganhar ou perder uma licitação. Portanto, assegure que sua documentação esteja completa e atualizada", afirma Bergamin.

Para participar de licitações com segurança, as empresas têm dois caminhos. Ou preparar alguém internamente, que vai ter que estudar e aprender como funciona o processo de vender para o governo, ou buscar algum profissional especializado que já domine essa mecânica, seja para uma contratação exclusiva ou em modelos de prestação de serviços.

Um cuidado importante diz respeito às obrigações que serão assumidas e as penalidades cabíveis pelo seu não atendimento. As empresas só devem assumir compromissos com o que realmente conseguem entregar.
Larissa Costa, advogada do Sebrae

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