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Garotas de programa não querem registro na carteira de trabalho

Edson Valente

Do UOL, em São Paulo

29/08/2012 06h00

É o número 5.198 da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). “Profissional do sexo: garota de programa, garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, trabalhador do sexo.”

Eis a descrição sumária da profissão: “Buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade”.

Embora a ocupação de garota de programa seja oficialmente reconhecida, não existe uma regulamentação que oriente sua prática. E esse não é o único problema de quem a exerce.

“A prostituição não é considerada como profissão pela maioria das pessoas, mesmo sendo uma das mais antigas”, afirma Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha, em entrevista ao UOL Empregos. “Então o preconceito existe, e [a atividade] ainda é vista como vida fácil”, completa.

E muitas vezes essa visão parte das próprias profissionais. “O preconceito não deixa de existir também entre elas, que sentem vergonha e/ou medo ao assumir o próprio trabalho”, expõe Raquel.

Como resultado, segundo Raquel, falta união da classe na busca por seus direitos. “Quando trabalhei, entre 2002 e 2005, conversei com muitas colegas a respeito da regulamentação e a maioria era contra”, relata.

Atividade em segredo

O UOL ouviu garotas de programa na região do Baixo Augusta, em São Paulo, e elas foram unânimes ao concordar que família é o maior empecilho para que não queiram divulgar sua ocupação.

Sou uma universitária, estudo turismo. Isso aqui [prostituição] é temporário.

Kátia

 

“Eles não aceitariam”, resumiu Suzi (nome fictício), que contou ser casada – o marido mora em outro Estado – e ter uma filha.

"Sou uma universitária, estudo turismo. Isso aqui [prostituição] é temporário", revela Kátia.

“Elas alegavam que não gostariam de ter o registro como profissionais do sexo na carteira de trabalho, pois achavam que, caso a profissão fosse legalizada, isso não mudaria a visão da sociedade e teriam receio de ser alvo de deboche quando fossem trabalhar com outra coisa e precisassem apresentar a carteira”, afirma Raquel Pacheco.

Aposentadoria e previdência

Regulamentação pra quê, pra receber aposentadoria? Eu mesma posso fazer um plano de previdência.

Júlia

"Regulamentação pra quê, pra receber aposentadoria?", questiona Júlia, que calcula ganhar entre R$ 6.000 e R$ 7.000 em seus meses mais rentáveis. "Eu mesma posso fazer um plano de previdência", diz.

“Sendo uma profissão, nada mais justo do que as garotas de programa terem todos os direitos trabalhistas”, afirma Raquel que se diz a favor da regulamentação da atividade por acreditar que, assim, “a exploração sexual acabaria” – e as profissionais seriam mais respeitadas socialmente.

Como outra qualquer

Estudiosos do tema concordam com a opinião de Pacheco. A inglesa Catherine Hakim, cientista social, especialista em sociologia no mercado de trabalho e força de trabalho feminina e autora do livro “Capital Erótico” (editora Best Business), traça um paralelo entre o mercado financeiro e o mercado do sexo.

“Os homens de serviços financeiros estão lá para ganhar dinheiro, receber grandes taxas de comissão e ter lucro. Eles não são diferentes dos homens e mulheres que ganham dinheiro na indústria do sexo comercial e, mais amplamente, na indústria do entretenimento, exceto por, talvez, serem mais ambiciosos e, às vezes, inescrupulosos”, diz em um trecho do livro.