Hostels em SC dão trabalho por comida e hospedagem, mas pode ser ilegal
Hostels em Santa Catarina estão oferecendo trabalho em troca de hospedagem e comida, sem pagamento de salário. Em alguns casos, o local para dormir é uma barraca de camping.
Informado do caso pela reportagem do UOL, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado disse que vai abrir investigação. A situação pode configurar trabalho análogo à escravidão. Veja a seguir alguns dos anúncios desses hostels:
Procura-se voluntário para trabalhar 25 horas semanais nas instalações de um hostel na Rua 2.500, a poucos passos do mar de Balneário Camboriú (SC), entre fevereiro e abril. Pagamento: um leito num beliche e café da manhã.
Procura-se viajante para trabalhar 32 horas semanais num albergue entre as badaladas praias de Canasvieiras e Jurerê Internacional, no norte de Florianópolis (SC). Atribuições: ajudar na limpeza, arrumar quartos, atender hóspedes e organizar festas. "Recompensas" incluem uma cama num quarto compartilhado (que custaria R$ 75 a diária), café, lavanderia, uma bicicleta disponível para empréstimo e um dia livre por semana "para você curtir, explorar e descansar".
Outro hostel, na praia do Campeche, no sul da capital catarinense, pede 30 horas semanais de trabalho e oferece "uma barraca confortável para dormir sob um céu estrelado".
"Serão tomadas as providências cabíveis. O MPT-SC orienta as pessoas que aceitaram trabalhar nessa condição e se sentem lesadas a fazer denúncia no site da Procuradoria, inclusive de forma anônima", diz a nota do MPT.
A reportagem buscou os três albergues citados. Em Balneário Camboriú, há dois hostels na Rua 2.500. Nenhum deles assumiu a autoria do anúncio da vaga. Em Florianópolis, o proprietário do hostel de Jurerê não retornou os diversos pedidos de entrevista. O gerente do hostel do Campeche afirmou desconhecer o anúncio da vaga atual.
Na temporada de férias, prolifera a oferta de vagas similares de "trabalho voluntário" em albergues da juventude de cidades turísticas -além de Santa Catarina, a reportagem encontrou exemplos recentes no Rio, Paraná e Minas Gerais, entre outros, e na cidade de São Paulo, em bairros como Vila Madalena e Jardins.
Em geral, a estadia mínima para essas vagas é um mês, e a máxima, três meses.
"Todo dia um hostel diferente querendo trabalho escravo", diz a legenda-padrão para este tipo de anúncio na página Vagas Arrombadas no Facebook, que reúne avisos de postos com condições precárias, como remunerações "simbólicas", salários abaixo do mínimo e jornadas acima do permitido pela legislação trabalhista no Brasil.
"Hostel contrata (que surpresa): 8 horas por dia, sem salário fixo, obrigatório morar no local; ajuda de custo R$ 200", ironizou um dos posts da página, administrada pelo diretor de arte Tiago Perrart, 28, e pelo publicitário Daniel Alves, 33. Eles recebem cerca de cem sugestões por dia, via email, Facebook e Twitter.
"É um boom nas férias", disse Alves. "É preciso ponderar: trocar uma ou duas horas de trabalho por hospedagem, sem prazo pré-determinado, me parece até ok. Mas muitos anunciantes exigem um mês no mínimo de estadia, jornada de seis a oito horas, inclusive apreendendo o documento do 'voluntário' até o fim da temporada. Isso já extrapola a ideia de 'turismo colaborativo'", disse Perrart.
Segundo o Ministério do Turismo, o turismo colaborativo consiste na troca voluntária de serviços e experiências, que seja benéfica ao viajante e ao anfitrião. A prática é comum entre mochileiros -o site WorldPackers, por exemplo, reúne anúncios para quem quer trocar "habilidades e horas de trabalho" por hospedagem grátis no mundo todo.
"No entanto, é importante ressaltar que o trabalho voluntário (atividade exercida sem remuneração) não pode ser confundido com trabalho temporário, modalidade de contratação que deve ser submetida às leis trabalhistas vigentes no país. No Brasil, a prática do turismo colaborativo não é regulamentada e necessita de discussão", afirma a nota.
Procurado pela reportagem, o antigo Ministério do Trabalho cita a Lei 9.608/98, que dispõe sobre o serviço voluntário: estabelecimentos do setor hoteleiro não podem contratar voluntários, pois, independentemente do tamanho das instalações, não são considerados "entidade pública" ou "instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa".
A procuradora Lys Sobral, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do MPT, assinala irregularidades que enquadram essas vagas nas condições análogas à escravidão: ausência de pagamento (o direito ao salário está estabelecido nos artigos 117, 458 e 462 da CLT), restrição da liberdade de dispor do próprio salário (o chamado "truck system", que força o trabalhador a trocar sua remuneração por serviços oferecidos pelo próprio contratante) e retenção de documento (o que pode caracterizar trabalho forçado, segundo o artigo 149 do Código Penal).
"É um problema gravíssimo, que deve ser exposto. As condições divulgadas não são de 'voluntariado'. Trata-se de uma tentativa de fraude para não reconhecer o emprego formal. Mas as vagas apresentam características de vínculo empregatício: o trabalho não é eventual, é subordinado à gestão de outros, há pessoalidade (compromisso de prestar determinado serviço) e onerosidade (alguém que trabalha 30 horas por semana espera receber remuneração compatível)", afirmou.
Segundo Lys, situações similares devem ser denunciadas, fiscalizadas e autuadas.
Entretanto, defensores do voluntariado em albergues costumam argumentar que a prática é comum entre mochileiros em outros países.
Nos últimos tempos, Alves e Perrart receberam a mensagem: "Caras, na moral, vocês são burros ou o quê? Até quando vão ficar postando trabalho voluntário em hostel como vaga arrombada? (...) O trabalho em hostel é uma troca. Você não recebe dinheiro, mas acolhimento, conhece pessoas, compartilha sua vida (...)".
Um usuário respondeu: "Vou neste hostel e pagar a minha hospedagem com acolhimento e história de vida, já que ele afirma que nem tudo é dinheiro, vai ficar feliz."
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