Há 'exagero' sobre papel do BNDES na economia, diz presidente do banco
Desde o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) assumiu o papel de principal provedor de crédito no Brasil.
A partir da crise internacional de 2008, as operações do banco federal de fomento passam por um boom sem precedentes, infladas por transferências de recursos feitas pelo Tesouro Nacional - o governo emprestou R$ 511 bilhões ao BNDES de 2008 a julho deste ano.
A medida, contudo, contribuiu para derrubar as contas do governo - a dívida pública subiu quase meio trilhão de reais no período. A aposta no BNDES como indutor do desenvolvimento também não impediu a queda geral no investimento (que no ano passado teve o pior resultado desde 1999) e a recessão mais grave dos últimos 25 anos.
À frente do banco desde 2007, o economista Luciano Coutinho afirmou, em entrevista à BBC Brasil, que há "certo exagero" sobre o papel do BNDES na economia nacional. "A gente não influencia 100% do investimento."
Para o presidente do banco, o desânimo dos empresários - pela primeira vez desde 2002 os pedidos de financiamento ao BNDES foram menores do que os desembolsos do órgão - reflete a "grande incerteza reinante" no cenário econômico do país.
"O BNDES é um banco grande, poderoso, mas há um certo exagero. A gente não influencia 100% do investimento. Há um pedaço grande feito por empresas muito pequenas, ou relacionado a áreas com as quais temos pouco relacionamento, ou porque são empresas em áreas mais difíceis, que não têm histórico (de crédito)", disse.
CPI
Com a economia em baixa, o banco foi lançado no meio da atual crise política - a Câmara dos Deputados criou uma CPI em agosto para investigar a atuação do BNDES de 2003 a 2015, citando indícios de "empréstimos eivados de corrupção e com critérios questionáveis do ponto de vista do interesse público".
O presidente do banco, no entanto, prefere não abordar temas polêmicos, como a investigação no Congresso e o papel da instituição nas chamadas "pedaladas fiscais" - suposto uso de bancos públicos para financiar o Tesouro (o que é ilegal) e maquiar contas públicas.
Em geral, Coutinho rebate as críticas sobre o custo fiscal das injeções de dinheiro do Tesouro no BNDES citando o retorno das operações em impostos, empregos e investimentos. "Os empréstimos de longo prazo do BNDES financiam investimentos que em boa medida não ocorreriam na ausência desse crédito", escreveu, em artigo recente.
E questionado sobre as "pedaladas fiscais" em sessão na CPI do BNDES em agosto, Coutinho rejeitou o uso do termo e defendeu as operações do banco com o Tesouro.
"O BNDES não adiantou recursos próprios, operou em um programa com dotação estabelecida em lei, e com recursos providos pelo próprio Tesouro para a operação do programa, de maneira que não é de forma alguma uma operação de financiamento do BNDES à União", disse na ocasião.
BNDES e austeridade
Diante da queda livre da demanda por crédito do BNDES (a retração recente é de quase 50%), o presidente do banco prefere não estimar até quando o investimento irá segurar a retomada da economia --fala em "virar o jogo um pouco mais para a frente".
Ex-professor da presidente Dilma Rousseff na Unicamp, Coutinho afirma que o banco "já se adaptou" aos tempos de ajuste fiscal. "Racionalizamos o uso do recurso mais precioso, que é TJLP (taxa de juros de longo prazo, a mais baixa oferecida pelo banco), para infraestrutura, energia, porque o mercado não consegue prover empréstimos de prazo longo suficiente."
Por novas regras anunciadas neste ano para tentar aumentar o financiamento privado, o BNDES atrelou a captação de recursos com base na TJLP à emissão de debêntures (títulos de crédito para captar recursos). Quem buscar 50% do empréstimo via TJLP terá que levantar 25% no mercado de capitais com emissão de debêntures.
"Hoje a debênture está muito cara, porque a (taxa) Selic está alta, mas nossa expectativa é quando virar o jogo, um pouco mais para a frente, essa parceria com o mercado de capitais será muito relevante. Essa é uma inovação no campo financeiro: estimular um ganha-ganha com o mercado de capitais", disse o presidente.
Dúvida sobre fundo
Coutinho esteve em Londres na semana passada. Uma de suas tarefas na capital britânica foi buscar novos financiadores para o Fundo Amazônia, criado em 2008 para bancar iniciativas de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta.
Em setembro, o governo da Noruega, principal doador do fundo gerenciado pelo BNDES, anunciou o repasse da última parcela. Até 2014, o fundo somava doações de R$ 2 bilhões - 96% da Noruega, 3% do governo da Alemanha e 1% da Petrobras.
"A preocupação hoje é muito mais com o futuro e a sustentação do fundo, diante do reconhecido desempenho positivo. A grande dúvida é se conseguiremos assegurar um outro ciclo de avanço profundo", disse Coutinho, citando compromisso recente de apoio feito pelo governo alemão.
"Claro que fundraising (levantamento de fundos) para tomar dinheiro emprestado é moleza para o BNDES. O BNDES levanta dinheiro com muita facilidade, mesmo agora após o downgrading do Brasil. Outra coisa é você levantar grana doada. É bem mais difícil, porque em geral vai ter que vir do orçamento aprovado de algum país."
Transparência
O requerimento de criação da CPI do BNDES na Câmara, assinado por deputados de oposição, critica a existência de "contratos secretos" no banco e cobra transparência da instituição. Maior financiador da usina de Belo Monte, o banco também foi acusado de sonegar informações sobre relatórios ambientais da obra de R$ 30 bilhões.
O presidente do BNDES cita restrições legais para a divulgação de certas informações. "Muitas vezes pede-se acesso a documentos internos do banco que revelam a intimidade do cliente, um problema do cliente. Somos obrigados por lei a resguardar certas informações. Não podemos opor sigilo aos órgãos de controle, à Justiça, mas para uma entidade privada temos que ser cautelosos."
Etanol
Um dos "campeões nacionais" do BNDES --setores privilegiados pelo banco na concessão de crédito-- foi o etanol, que hoje enfrenta uma grave crise, com endividamento e fechamento de empresas.
Ao menos 60 usinas fecharam as portas e outras 70 se tornaram insolventes desde 2008. Um dos principais responsáveis pela retração foi a política do Planalto de congelamento do preço da gasolina, que tornou o etanol menos atraente ao consumidor.
Responsável pela aceleração dos estímulos ao setor, Coutinho diz que essa indústria está "começando a respirar" e defende as ações do banco - foram R$ 11 bilhões em crédito a usinas em sua gestão.
"O banco teve um papel importante em financiar a expansão do setor. Depois, com a crise internacional, trabalhou com o sistema bancário para evitar uma quebra sistêmica. O setor enfrentou um período mais recente de margens comprimidas por conta do preço da gasolina, mas o banco permaneceu sempre como um esteio, especialmente com os programas para renovação de canaviais", disse Coutinho, que fala com entusiasmo de financiamento do banco para produção de etanol de segunda geração (produzido da palha e bagaço da cana) e para genética da cana.
E diante de reclamações de usineiros sobre as novas linhas do BNDES para financiamento de estocagem, Coutinho diz que agora o dinheiro barato vai para "coisas muito nobres", e não mais para capital de giro.
"O banco não tem folga em TJLP, porque o Tesouro cessou a transferência de recursos ao BNDES. Então o banco tem que priorizar a TJLP para projetos novos, de infraestrutura, com prazo de maturação longo, leiloados publicamente ou inovação tecnológica, coisas muito nobres. Foi feito o melhor esforço possível dentro do que estava ao alcance da instituição nas circunstâncias de 2015."
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