Opinião

No fórum global do agro em São Paulo, sobrou discurso e faltou comida

Aconteceu no Allianz Parque, em São Paulo, em 27 e 28 de junho, o Global Agribusiness Festival, cuja sigla é GAFFFF. Os quatro Fs representam as palavras food (comida), fun (diversão), fair (feira) e fórum — este último, com líderes e políticos falando para uma plateia em um ambiente com acesso restrito.

Realizado pela consultoria Datagro, o evento foi divulgado com o objetivo de ser "o maior festival de cultura agro do mundo", com shows de duplas sertanejas famosas ao final do dia. O que se viu foram muitas pessoas saindo de lá para comer no shopping ou pedindo comida por delivery na porta do estádio de futebol.

Mesmo depois de pagar o ingresso que custou R$ 800 por dia, o público presente precisava se contentar com dois tipos de sanduíche, coxinha, pastel e batata frita — nada de graça. Isso dentro do evento que se utiliza do discurso de o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Um paradoxo.

A área dedicada à gastronomia foi reduzida a churrascos. Não havia arroz, feijão, verduras, legumes, vegetais, frutas. No país que é o maior produtor de suco de laranja do mundo, o que se tinha à venda era água, Coca-Cola e cerveja. Os poucos estandes de pequenos produtores quase passavam despercebidos por quem circulava na arena.

É claro que os painelistas do fórum e convidados estrangeiros, como Janusz Wajciechowski, da Comissão Europeia, ou Parag Khanna, estrategista global e ex-consultor de Obama, foram muito bem servidos com ótimas refeições.

Esse é o retrato da agropecuária empresarial que ampliou as áreas de soja e gado e quer impressionar o mercado lá fora, mas se esquece de olhar para o acesso a alimentos básicos para a população do próprio país.

Diversas falas rodeavam as temáticas da segurança alimentar, climática e energética. Na prática, no entanto, havia copos de plástico servidos aos montes e um ambiente de festa da firma da Faria Lima, com patrocínio majoritário da XP Investimentos. Na rádio peão, pelos corredores do estádio, falava-se que o festival todo teria custado entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões. A "cultura agro" que se via, portanto, era uma versão sem rodeio da Festa de Barretos para quem tem dinheiro e compra terras e caminhonetes.

Quem viaja pelo país e acompanha o agronegócio a fundo sabe que o setor não se limita a isso. Reproduzir apenas esse estereótipo é reforçar que vale investir somente nesse modelo de soja e boi que serão exportados e retornarão em benefícios para uma parcela muito específica da sociedade.

Nesse sentido, um dos maiores antagonismos foi ver a insistência de homens em cima do palco dizendo que o agro precisa se comunicar melhor com a sociedade. Mas como fazer o "rebranding" para "mudar o mindset" sobre o setor sem sair da bolha?
A um custo de R$ 1.280 pelos dois dias de evento, fica claro quem é o público com quem querem se comunicar. "Objetivo número um é gerar negócio. Se a feira for puramente pública, mais pela curiosidade, a gente não quer", afirmou Lisandro Lopez, CMO da XP, em relação à venda de ingressos.

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De acordo com a ABMRA (Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro), mulheres das classes C, D e E deveriam ser alvo das campanhas de comunicação do setor. Uma das funcionárias que limpava o banheiro me disse, referindo-se ao público do evento, "esse povo é quem desmata tudo e manda nossa comida pra fora do país". Se é essa a percepção que o setor quer mudar, perderam uma oportunidade na cara do gol.

Estavam trabalhando ali seguranças, motoristas, vendedores credenciados e toda uma variedade de pessoas que fazem parte da sociedade e mal sabiam do que o evento se tratava. "Trazer o agro para a cidade" era um dos motes do GAFFFF, mas reduzir esse acesso ao centro financeiro, excluindo quem mora na periferia, não mudará o desconhecimento sobre o setor.

No último dia do evento, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, chegou a São Paulo para um almoço com os organizadores do GAFFFF. Eu questionei sua presença lá, já que a agricultura familiar não estava representada na programação. "Estamos conversando com o Plínio [Nastari, idealizador do evento], e o objetivo é no ano que vem eles abrirem espaço para cooperativas da agricultura familiar. Me disseram que estão pensando", respondeu o ministro. O executivo, que estava ao lado, não se pronunciou, mas balançou a cabeça concordando, de forma tímida. Quem quer investir em quem tem pouca terra?

Mariana Grilli é jornalista especializada em agronegócio

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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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