Com diferentes formatos, inovação aberta une empresas a startups
A pandemia reforçou a importância da área de inovação dentro das empresas. Um estudo da agência FleishmanHillard, realizado com mais de 8.000 pessoas em todo o mundo, apontou que 80% acreditam que o coronavírus mudará a "forma como veem o mundo". Para 62%, os produtos considerados "realmente importantes" mudaram com o avanço da pandemia.
O mundo já mudou. Companhias que conseguiram se adequar aos novos hábitos dos consumidores ou que tiveram agilidade para oferecer novos produtos ficarão à frente de outras.
"No ano passado, tivemos um boom do ecossistema de inovação digital no Brasil. Mesmo com o cenário de crise sanitária, econômica e política, isso deve crescer ainda mais em 2020. As empresas viram a importância estratégica de estarem inseridas no ecossistema de startups", afirma Renata Ramalhosa, CEO da Beta-i Brasil, consultoria que conecta empresas a startups.
De origem portuguesa, a Beta-i atua no país com empresas como EDP Brasil e Ambev. Para a primeira, faz a gestão do programa 'Global Starter', criado para startups e pequenas empresas que trabalham no setor de energia. Para a cervejaria, uma das multinacionais que mais investe no ecossistema no Brasil, identifica desafios e oportunidades.
Challenges, hubs, aceleradoras e hackathons
A tal "entrada no ecossistema" das startups pode ser realizado de diferentes formas. "Challenges" (desafios com a apresentação de soluções); "hackathons" (maratonas de soluções a partir de um problema); criação de "hubs" (locais físicos que reúnem diferentes startups, para troca de ideias, informações e networking) e a aceleração (auxílio no desenvolvimento da startup, como investimentos financeiros, mentorias e cursos) são algumas delas.
Com mais de 13 mil startups no seu ecossistema, a Ambev, por exemplo, atua nestes quatro formatos. Segundo a cervejaria, só no ano passado, foram 250 negócios com startups —o que representa o dobro da soma dos negócios nos últimos cinco anos.
Na cervejaria, o relacionamento com startups é descentralizado —cada área atua diretamente na construção de novos modelos de negócios. Desde 2018, a empresa passou a formar "squads" ("pelotões"), equipes que atuam junto às áreas de negócios das marcas, para entender as necessidades de cada uma e propor soluções.
Do campo ao copo
"Nosso foco é desenvolver inovações que atendam o nosso consumidor, que é o dono de bar, o pequeno comerciante e o consumidor final. Precisamos pensar em um processo que vá do campo ao copo e, por isso, é essencial que estejamos ligados a soluções rápidas e que atendam os nossos desafios", afirma Bruno Stefani, head de inovação na Ambev.
Para isso, a Ambev, hoje, investe em diferentes iniciativas: a Aceleradora 100+, que busca parceiros para as metas de sustentabilidade da companhia; a ZX Ventures, hub de inovação e crescimento da AB InBev (dona da empresa no Brasil), focado em encontrar maneiras de levar conveniência para o consumidor.
Há também desafios específicos, como o Innova Trade Challenge, realizado este mês, que busca parceiros com soluções para experiências em bares e restaurantes.
"Outro exemplo é nossa parceria com o LinkLab, espaço de inovação aberta da Acate [Associação Catarinense de Tecnologia]. Com a parceria, criamos um canal de comunicação mais amplo com as startups —230 empresas já se inscreveram por lá para se conectar conosco", declara Bruno.
Inovação aberta (a todos)
Nestlé, Visa e Raízen são outras empresas que têm investido, de diferentes formas, na ampliação do relacionamento com startups.
Na Nestlé, os projetos de inovação aberta ficam conectados ao departamento de "Transformação Digital".
Na área, os times são divididos em cinco equipes menores: inovação, laboratório de dados, vendas digitais, tecnologia da informação e uma equipe dedicada à linha Nature's Heart, recém-chegada ao Brasil.
O departamento tem 52 profissionais fixos. Porém, durante a pandemia, a equipe de e-commerce, por exemplo, chegou a receber mais de cem colaboradores de outras áreas.
"A inovação aberta é importante para todos os envolvidos. Todos saem ganhando com este processo. Por isso, nosso time concentra a inovação, mas mais para orquestrar a Nestlé como um todo, como se fosse um coração para movimentar toda a operação", declara Bruno Oliveira, head de inovação e novos modelos de negócio da multinacional suíça.
300 startups em seis anos
A Nestlé já viu mais de 300 startups passarem pela companhia, de alguma forma, nos últimos seis anos, em áreas como vendas, negócios, logística e até no departamento jurídico.
A empresa criou, em 2017, a startup interna, a "Vem de Bolo". A empresa funciona como um marketplace que conecta doceiros e consumidores, formado por uma rede de pequenos empreendedores locais. Por enquanto, a rede só funciona na cidade de São Paulo.
Imersão no Vale do Silício
A Visa atua de outra forma. Desde 2017, a empresa promove programas anuais de aceleração de startups. Em três anos, 66 delas foram selecionadas no projeto, que financia uma viagem da startup ao Vale do Silício, nos Estados Unidos, para participar de cursos e palestras. O programa também investe em serviços de consultoria e mentorias. Das 66, 20 já fecharam negócio com a Visa ou com parceiros.
"Começamos o projeto como um estúdio de inovação, um local onde clientes e parceiros buscariam soluções. Depois disso, entraram as startups, para que pudéssemos estar realmente inseridos no ecossistema, com uma estratégia mais ampla de inovação aberta", diz Beatriz Montiani, diretora de Inovação e Engajamento com Fintechs da Visa.
Funcionários capacitados para mentorias
"Além disso, a ideia era acelerar a transformação cultural da empresa, para a qual todos poderiam colaborar. Atualmente, um terço dos funcionários estão envolvidos de alguma forma no programa, até preparados para possíveis mentorias", afirma a executiva.
Hoje, participam do programa startups que abordam temas como gestão financeira, big data, inteligência artificial, automação comercial e mobilidade urbana, entre outros.
Neste ano, o programa teve 250 inscrições e quatro startups foram escolhidas. "Não é um concurso, uma competição para escolher a melhor ideia. No processo, realizamos a seleção das startups para as quais o programa de aceleração possa agregar valor", afirma Beatriz.
Da fazenda para a mesa
A Raízen, joint venture de energia formada pela Cosan e pela Shell, possui um hub de inovação que, há pouco mais de três anos, abre espaço para startups de todo o país.
Chamado de Pulse, a integradora já teve 38 startups associadas e executou mais de 50 projetos-piloto, com 15 contratos assinados.
"O hub não é uma incubadora nem uma aceleradora: é um ambiente para maximizar o potencial criativo, para oxigenar ideias que podem virar negócio", afirma Ricardo Campo, coordenador de Inovação da Raízen e gestor do Pulse.
Com a atuação focada em agronegócio, o Pulse também tem atuado em outras áreas da empresa, como logística, distribuição e suprimentos.
"Toró de parpite"
"O objetivo é atuar desde o chão da usina até a gôndola da Shell Select. Trabalhamos em quatro pilares: posicionamento da empresa; cultura de inovação, por meio da promoção de eventos; atração de talentos, também ligados à inovação, e inteligência de mercado, como um radar de novidades para a empresa", afirma Ricardo.
Com atividades presenciais suspensas devido à pandemia, o Pulse pode ser utilizado como base física pelas startups, além de oferecer a sede da companhia, no interior de São Paulo, para as empresas realizarem projetos.
O hub já fez dois hackathons —e o terceiro está com inscrições abertas até 28 de agosto. O desafio agora será desenvolver um produto para o ecossistema Shell Box, direcionada a postos de combustíveis ou consumidores.
"Temos um espaço de 860 mil campos de futebol para testes. São recorrentes os brainstormings, que chamamos carinhosamente de 'toró de parpite'. Somos um grande campo de prova. Quem consegue validar um modelo de negócios no Brasil consegue validar em qualquer lugar", diz o executivo.
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