Como funciona registro de marcas? Rayssa pode recuperar 'Fadinha do Skate'?
Além de competir nas Olimpíadas de Tóquio, a skatista Rayssa Leal, 13, também trava uma disputa no Brasil pela anulação do registro da marca "Fadinha do Skate", concedido no ano passado pelo Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) a uma empresa de odontologia de Imperatriz, mesma cidade da jovem atleta, no Maranhão.
Rayssa, medalhista de prata no skate street, é conhecida pelo apelido "Fadinha do Skate" desde os sete anos, quando viralizou um vídeo em que ela faz manobras, vestida de fada.
Saiba mais sobre a disputa pela marca e veja o que dizem especialistas sobre as chances de a skatista conseguir registrar a marca.
O que está em disputa?
Em setembro de 2019, a empresa RRS Odontologia LTDA solicitou ao Inpi, responsável pelo registro de marcas no Brasil, três registros da marca Fadinha do Skate, sendo um para produtos de vestuário e outros dois para serviços médicos e educacionais.
A empresa, localizada no centro de Imperatriz, fica a pouco mais de um quilômetro do endereço de Rayssa, conforme consta nos autos do processo administrativo no Inpi. A RRS Odontologia atua com a prestação de serviços de próteses dentárias e de diagnóstico por imagem. A concessão foi dada em abril de 2020.
Poucos meses depois, em agosto do ano passado, Rayssa entrou com um pedido no Inpi para cancelar o registro da empresa. A lei estabelece que os registros podem ser contestados até seis meses depois de concedidos, ou seja, Rayssa estava dentro do prazo.
A atleta argumenta que, pela lei, não são registráveis como marca "pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores".
"A expressão 'Fadinha do Skate' é o apelido notoriamente conhecido da requerente [Rayssa], e a empresa RRS Odontologia LTDA não tem consentimento para registrá-la como marca. Uma simples pesquisa da expressão no Google retorna inúmeras notícias, imagens e vídeos com citações do apelido com o qual a requerente ficou notoriamente conhecida no país e no meio esportivo internacional", diz o pedido da atleta.
Veja o passo a passo da disputa:
- 2/9/2019 - RRS Odontologia LTDA solicita três registros da marca "Fadinha do Skate"
- 24/9/2019 - Inpi publica o pedido de registro e abre prazo para eventual contestação
- 22/4/2020 - Inpi concede o registro de marca à RRS Odontologia LTDA
- 24/8/2020 - Rayssa pede cancelamento do registro da marca pela empresa
- 29/9/2020 - Inpi é notificado e instaura processo para decidir se vai cancelar registro
Procurado pelo UOL, o Inpi afirmou que não há prazo legal para decidir sobre pedidos de cancelamento de registro. Sobre o caso específico da "Fadinha do Skate", disse que não comenta processos administrativos em andamento. "Quem dá a decisão final é o presidente do Inpi, com base no parecer dos técnicos que fizeram essa revisão", disse o instituto.
O processo para solicitar o registro de uma marca é feito no site do Inpi. Os interessados, pessoas físicas ou jurídicas, precisam seguir algumas etapas até conseguir o direito à uma marca por dez anos, que podem ser prorrogados.
Rayssa pode conseguir registrar a marca?
A empresa RRS Odontologia LTDA conseguiu o registro antes de Rayssa, o que lhe garante o direito à marca pela questão temporal.
Para conseguir a marca, Rayssa tinha dois caminhos: solicitar o registro da mesma expressão em categorias diferentes das que a empresa de sua cidade já tem (vestuário e serviços médicos e educacionais) ou tentar cancelar os registros concedidos. Ela foi pela segunda via.
A partir daí, o que o Inpi vai julgar é se a expressão "Fadinha do Skate" é um apelido notoriamente atribuído à atleta, como ela defende.
Essa questão vai depender muito de objeto de prova. Grande parte dos brasileiros está acompanhando essa expressão agora, mas a Rayssa é muito conhecida por esse apelido há muito tempo? Era notoriamente conhecida só no mundo do skate ou só na sua região?".
Luciana Renouard, sócia do escritório Madrona Advogados
Outra especialista diz que a skatista precisa criar produtos ou serviços para justificar a marca.
Uma marca tem a função distintiva de indicar originalidade, qualidade e publicidade de produtos e serviços. Rayssa, por si só, não pode fazer uma marca para representá-la sem ter produtos ou serviços para justificar esse registro.
Tatiane Guimarães, pesquisadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito-SP
Sobre as chances da jovem skatista na disputa, Renouard diz que não é possível apontar por qual linha o Inpi vai analisar o caso. Mas, segundo ela, o órgão pode considerar que a atleta deveria ter acompanhado os pedidos de registro para contestar antes que ele tivesse sido concedido, e não depois. Os pedidos são publicados semanalmente na Revista de Propriedade Industrial (RPI), uma espécie de Diário Oficial do instituto.
"É maior a chance de ela (Rayssa) conseguir a anulação na Justiça comum, porque é difícil o Inpi mudar de ideia e reverter uma decisão", afirma Renouard.
Advogada diz que pediu outro registro para entregar à atleta
A advogada Flavia Penido, especialista em direito digital, propriedade intelectual e tecnologia, disse que registrou na segunda-feira (26) a marca "Fadinha" no Inpi, para skates e correlatos, com o objetivo de entregá-la à atleta.
"Registrei em meu nome porque eu não sei o nome dos pais da Rayssa, que, como é menor de idade, é representada pelos pais. Juridicamente, ela não tem condições legais de tomar esse tipo de decisão", afirma Penido, em entrevista ao UOL.
Ela disse ter recebido a aprovação do pai da skatista, na terça (27), para seguir com o processo.
Com isso, diz Guimarães, da FGV, "se Rayssa quiser explorar produtos e serviços no futuro, ou fazer um instituto de educação em skate, por exemplo, ela poderá a partir da expressão 'fadinha'. Então ela não está totalmente perdida".
Empresa diz que repassará marca para Rayssa
Depois que a matéria foi publicada, a RRS Odontologia comunicou que o registro das marcas se encontra em processo de transferência para a família de Rayssa.
Em nota, a empresa afirma que o registro da marca foi feito de forma "preventiva" ao iniciar uma parceria com a skatista, e que isso aconteceu somente após "esclarecido o desinteresse dos familiares em relacionar o termo 'Fadinha do skate' à medalhista".
"Nunca houve, por parte da Sorriso Fácil (RRS ODontologia) intenção de se fazer valer da imagem da esportista para além do apoio prestado e incentivo à sua carreira admirável", diz o comunicado.
O pedido de transferência, todavia, ainda não foi divulgado pelo Inpi.
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