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Sistema de pagamento instantâneo do Banco Central é alternativa a DOC, TED e cartões


'Pai' ou padrasto? Lançado sob Bolsonaro, Pix foi planejado na gestão Temer

Weudson Ribeiro

Colaboração para o UOL, em Brasília

10/05/2022 04h00

O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem afirmado que o Pix é uma ação do próprio governo, deverá explorar a ferramenta de transferências e pagamentos instantâneos durante a campanha de reeleição ao Palácio do Planalto. A ideia é apoiada por aliados políticos: "O presidente tem muita coisa para mostrar no período eleitoral. Ninguém sabe que o Pix foi projeto do governo dele", disse ao UOL o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PP-RN).

Mas será que Bolsonaro é mesmo o "pai" do Pix? Documentos analisados pelo UOL mostram que o BC (Banco Central) iniciou o processo de criação da plataforma em 2018, quando o órgão era chefiado pelo economista Ilan Goldfajn —durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

O lançamento bem-sucedido da ferramenta ocorreu em novembro de 2020. Reservadamente, integrantes da equipe responsável pelo Pix no BC dizem que, "em conceito, a ferramenta já existia desde 2016", três anos antes de o economista Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro em 2019, assumir a presidência do órgão.

Ideia do Pix no BC surgiu em 2016

Em dezembro de 2016, Goldfajn sinalizava que o BC se preparava para lançar uma ferramenta inspirada no Zelle, plataforma similar ao Pix que a fintech Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos.

"As inovações tecnológicas têm mudado o mundo em várias áreas. Nós estamos acompanhando essas inovações no sistema financeiro. Temos inovações nas formas pagamento", afirmou à imprensa à época.

Ainda em 2016, a equipe de servidores do BC produziu um relatório no âmbito do BIS (Banco de Compensações Internacionais) sobre os benefícios e possíveis desenhos de sistemas de pagamentos instantâneos. As discussões se ampliaram em 2017, por meio de estudos realizados em parceria com agentes do mercado financeiro e integrantes de outros bancos centrais.

BC é blindado de interferências políticas. Independente dos presidentes da República e do BC, o Pix seria aprovado por sua qualidade técnica
Integrante de equipe responsável pelo Pix no BC

"Quando o conhecimento estava bastante maduro, a área técnica do BC chegou à conclusão de que a implantação de um sistema de pagamentos instantâneos no Brasil seria uma excelente política para aumentar a competição, eficiência, segurança e inclusão no sistema de pagamentos brasileiro", disse ao UOL um dos funcionários do BC que participaram da primeira fase do projeto.

A proposta foi, então, submetida à análise da diretoria colegiada do BC e eventualmente aprovada pela presidência do órgão.

Em maio de 2018, quase seis meses antes de Bolsonaro ser eleito, o BC instituiu um grupo de trabalho denominado "Pagamentos Instantâneos", que se encarregou de produzir as especificações básicas do sistema que eventualmente viria a se tornar o Pix.

Ainda durante a gestão de Goldfajn, em dezembro de 2018, o órgão publicou um relatório em que estabelecia uma série de "requisitos fundamentais" para a eventual implementação do sistema de pagamentos no país. No texto, o então diretor de política monetária, Reinaldo Le Grazie, descrevia o Pix como um método de transação bancária "eficiente, competitivo, seguro e inclusivo".

O BC aprovou requisitos fundamentais e atuará na liderança do desenvolvimento dos pagamentos instantâneos no Brasil, com o objetivo de criar as condições necessárias para o desenvolvimento de um ecossistema que seja eficiente, competitivo, seguro, inclusivo e que acomode todos os casos de usos
Anúncio do Banco Central sobre o Pix, em dezembro de 2018

"O fato de Ilan e sua equipe estarem ali naquele momento foi mera coincidência", afirmou ao UOL uma analista do BC envolvida no processo de estruturação do Pix. "Independentemente de quem fosse o presidente da República, o ministro da Fazenda e o presidente do BC, o projeto certamente seria aprovado, por causa de sua qualidade técnica. O BC é muito blindado de interferências políticas", diz ela.

Questionada sobre o papel desempenhado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no processo de criação e implementação do PIX, a Presidência da República afirmou que o BC é o órgão competente pela prestação de informações sobre a ferramenta.

Ao o UOL, o BC emitiu a seguinte nota:

"Como outros projetos de grande porte, o Pix foi desenvolvido pelo BC ao longo de um processo evolutivo que envolveu várias áreas técnicas e diversos servidores. As especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020. A agenda evolutiva do Pix é permanente e prevê o lançamento de diversas novas funcionalidades, a serem entregues nos vários anos à frente".

BC na gestão Bolsonaro manteve Pix como prioridade

Roberto Campos Neto manteve como prioridade de sua gestão a agenda de modernização do sistema financeiro criada por servidores do BC e aprovada pela equipe liderada por Ilan Goldfajn um ano antes.

O órgão divulgou, em agosto de 2019, comunicado em que os diretores João Manoel Pinho de Mello e Bruno Serra Fernandes detalharam por quais aprimoramentos o projeto do Pix deveria passar antes de ser lançado.

Pretende-se que o ecossistema proporcione o desenvolvimento de produtos e de soluções que ofereçam uma melhor jornada do usuário na realização de pagamentos, com eficiência e baixo custo.
Banco Central anuncia aprimoramento no projeto do Pix, em 2019

Foi nessa etapa que o BC definiu quais seriam as chaves do Pix para identificar as contas dos usuários: telefone celular, CPF, CNPJ e e-mail. O modelo final do Pix foi divulgado em abril de 2020, quando o BC lançou consulta pública para receber contribuições da sociedade e aprimorar as regras da ferramenta.

Bolsonaro confundiu Pix com aviação civil

O Pix foi lançando em novembro de 2020. Naquele dia, ao ser cumprimentado por um apoiador, em frente ao Palácio da Alvorada, pela implementação da plataforma, Bolsonaro pareceu acreditar que Pix era um tema relacionado à aviação civil.

"Tem um documento aí [do Ministério da Infraestrutura] esta semana que vai praticamente desregulamentar, desburocratizar tudo sobre aviação civil... Carteira de habilitação para piloto", disse o presidente.

O apoiador então esclareceu que Pix era uma nova forma de transferência de dinheiro: "Esse é do Banco Central, usado para pagamentos 24 horas, sete dias por semana, a qualquer hora, não precisa de DOC nem de TED".

Bolsonaro então afirmou que não sabia do que se tratava. "Não tomei conhecimento, vou conversar esta semana com o Campos Neto", disse.

'Pai do Pix': Bolsonaro se posicionará como executor

Ao UOL, auxiliares de Bolsonaro dizem que a propaganda eleitoral do presidente o posicionará como "executor" do lançamento do Pix. Eles também afirmam que a ferramenta cacifou Campos Neto para ganhar papel de destaque na campanha.

Na análise dos interlocutores, o grande trunfo do economista foi ter lançado a plataforma no primeiro ano de pandemia, quando Bolsonaro só contava com a popularidade do auxílio emergencial de R$ 600 para manter os níveis de aprovação do governo.

A aposta é que o traquejo político e a capacidade de diálogo do economista com o Congresso Nacional devam torná-lo uma figura-chave, para além do cronograma eleitoral de Bolsonaro. Aliados especulam nos bastidores que o banqueiro possa ser convidado a chefiar uma das pastas da área econômica num eventual segundo mandato do presidente.

Especialista em direito eleitoral, o advogado Acácio Miranda da Silva Filho explica que Campos Neto está impedido de participar diretamente de ações eleitorais. "Diante disso, o Pix pode ser explorado na campanha de Bolsonaro como exemplo de política pública bem-sucedida, mas não pode ter a sua existência vinculada à manutenção do governo", diz.

Mesmo que Bolsonaro perca a reeleição, Campos Neto só deve deixar o comando do BC em 2024.

'Mérito é dos servidores do BC', diz economista

Líder do PT na Câmara dos Deputados, o economista Reginaldo Lopes (MG) diz que a estratégia de Bolsonaro é "assumir a paternidade de um filho que não é dele" e atacar a candidatura do presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva.

"A milícia digital mente que dizendo que o ex-presidente Lula pretende acabar com o Pix. Justo Lula, que quando esteve no governo colocou 45 milhões de pessoas no sistema bancário. Bolsonaro quer posar de pai do Pix, mas é o pai da mentira", diz o congressista.

No campo liberal, o economista Pedro Menezes lembra que o governo, por meio do ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs tributar transações digitais numa nova CPMF —o que incluiria operações feitas via Pix. "O mérito do sucesso do Pix é de servidores e diretores do BC", diz o fundador do Instituto Mercado Popular.

Na avaliação do presidente do Sindicato de Servidores do BC, Fábio Faiad, o Pix foi implementado "apesar" do governo Bolsonaro —e não por causa dele.

"Servidores de Estado —não de governo— trabalharam noite e fins de semana para lançar a plataforma, em meio a uma crise sanitária. Independentemente do governante de plantão, são trabalhadores concursados que desenvolvem projetos", disse o sindicalista.

O Ministério da Economia e o gabinete do ministro Paulo Guedes não responderam à reportagem. O UOL tenta contato com o ex-presidente do BC Ilan Goldfajn. Em caso de eventuais manifestações, o texto será atualizado.

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