Pão de Açúcar vai mudar de dono de novo? Entenda a crise do Casino
Karla Dunder
Colaboração para o UOL, em São Paulo
04/07/2023 04h00
Depois que o Grupo Pão de Açúcar confirmou que seu controlador, o francês Casino, pode vender a operação, cresceram as expectativas sobre o que pode acontecer com a rede de supermercados brasileira. Essa não é, porém, a primeira disputa envolvendo a empresa criada pelo pai do bilionário Abilio Diniz.
O que aconteceu
Grupo controlador passa por sérios problemas financeiros. O Casino fechou 2022 com uma dívida de 6,4 bilhões de euros (cerca de R$ 33 bilhões). A companhia precisa de um aporte de capital de "pelo menos 900 milhões de euros" e negocia com credores. O grupo francês detém 40,9% do capital social da companhia do Grupo Pão de Açúcar (GPA), que foi incluído no plano de ativos sul-americanos que poderão ser vendidos.
As ações do Casino despencaram para valores mínimos recordes. Nesta segunda-feira (3), os papéis chegaram a tombar mais de 20% depois que a empresa francesa disse que há risco de não conseguir honrar o pagamento de juros de suas dívidas.
Casino concluiu a venda de sua participação no Assaí. Em junho, a rede francesa se desfez da fatia residual de 11,7% que ainda detinha na varejista brasileira. Em 2022, o GPA se separou do Assaí em 2021 e do grupo colombiano Éxito, que também é controlado pelo Casino.
O GPA possui mais de 2.100 lojas, distribuídas em 21 estados e no Distrito Federal. Seu valor de mercado é da ordem de R$ 4,3 bilhões. O GPA teve um faturamento de R$ 18,5 bilhões em 2022, e um prejuízo de R$ 248 milhões. Isso fez com que a empresa caísse para o quarto lugar no ranking da Abras (Associação Brasileira de Supermercados). O Carrefour, com R$ 108 bilhões de faturamento anual, é a maior rede varejista do país, seguido pelo Assaí e pelo Grupo Mateus.
De doceria a líder nacional
O Grupo Pão de Açúcar começou como uma doceria. Foi fundado em 1948 pelo imigrante português Valentim dos Santos Diniz, pai de Abilio Diniz, em São Paulo, que quis homenagear a primeira paisagem que admirou ao chegar no país de navio, em 1929.
O negócio prosperou e foram abertas filiais. Em 1959, foi aberto o primeiro mercado em frente a doceria, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo - até hoje a sede da empresa é neste endereço. Em 20 anos, a rede reunia 60 lojas em 17 cidades. Em 1971, entrou no negócio de hipermercados, com as Lojas Jumbo, que foram transformadas mais tarde no Extra Hipermercados. Em 1981, o grupo passa a se chamar Companhia Brasileira de Distribuição (CBD).
O grupo se tornou gigante comprando outras empresas. O Pão de Açúcar fez sua primeira aquisição em 1965, ao comprar a rede Sirva-se. Adquiriu a Eletroradiobraz, a maior rede de eletroeletrônicos e eletrodomésticos do país na época, as redes Superbom, Peg-Pag e Mercantil, além de lojas do Bazar 13 e da rede Morita.
Na década de 1980, criou novos formatos de lojas. Lançou a loja de departamento Sandiz; a Minibox, uma pequena mercearia; a Superbox, uma loja depósito; e a Peg Faça, de bricolagem. Também foram compradas as marcas Millo´s Comercial Carajás, G.Aronson, SAB, Barateiro, Peralta, Sé e Sendas.
Comprou o Assaí Atacadista para atuar no segmento atacado. Adquiriu ainda a rede Ponto Frio e se juntou às Casas Bahia. Foi quando se tornou o maior grupo de distribuição da América Latina. Em 2019, incorporou todo o capital do Grupo Éxito, da Colômbia, que fazia parte do grupo Casino - mais tarde essa empresa foi separada do grupo.
Nos últimos anos, investiu em startups. Comprou a rede de delivery James Delivery e a Cheftime, de refeições prontas.
Ascensão e queda de Abilio Diniz
Abilio Diniz assumiu a presidência do grupo em 1990. Seu pai, Valentim dos Santos Diniz passou a ocupar uma cadeira no Conselho Administrativo. A companhia passou a ser chamada de CDB, vendeu diversas marcas, fechou lojas e cortou funcionários.
Em 1993, ele se tornou o acionista majoritário. Os seus irmãos são afastados da empresa e seus filhos, Ana Maria Diniz e João Paulo, Diniz passam a atuar a seu lado.
A empresa abriu seu capital na Bolsa de Valores em 1995. Foi a primeira emissão de ações preferenciais de uma companhia varejista de alimentos na Bovespa. Em 1997, a então CBD tem ações negociadas também na Bolsa de Nova York.
No ano de 1999, o Casino comprou 25% do capital da companhia. Em 2003, Abilio passa à presidência do Conselho de Administração em 2003. Em 2005, grupo francês amplia a sua participação e passar a deter 50% do GPA.
Em 2009, foi criada a Via Varejo (hoje Via). Em 2009, o Pão de Açúcar assumiu o controle das Casas Bahia, que foi incorporada ao Ponto Frio e às lojas Extra. Mas a família Klein se arrependeu da venda e retomou o controle anos depois. Em 2019, o Casino decidiu vender suas ações e o GPA saiu totalmente da Via.
Casino X Abilio x Carrefour
Em 2011, Abilio abriu uma disputa com o Casino após se aproximar do grupo rival francês, Carrefour, para tentar uma fusão. A união das duas maiores redes de supermercados dom país criaria um gigante avaliado em US$ 41,9 bilhões (valores da época). Mas o Casino rejeitou a proposta e conseguiu barrar a iniciativa do bilionário brasileiro.
Em agosto de 2012, o Casino assumiu o controle do Pão de Açúcar. No ano seguinte, Abilio fechou um acordo com o grupo francês e deixou a empresa fundada pela sua família, que passou a ser chamado de GPA.
Abilio é hoje acionista do Carrefour. Após sair do Pão de Açúcar, ele foi presidente do conselho da BRF e, em 2014, sua gestora Península Participações comprou ações do Carrefour Brasil. Hoje, ele é o segundo maior acionista da rede e, desde 2022, é vice-presidente do conselho.
Qual o futuro?
Setor passa por dificuldades. "Pensa que esse é um setor que tem enfrentado problemas. O próprio Carrefour e a saída do Makro exemplificam isso. Será que é um bom setor para investir? Eu acho que não", diz Mustrangi. No fim de janeiro, o grupo Makro vendeu 16 lojas e 11 postos de combustível para a rede paranaense Muffato.
Venda para um concorrente pode enfrentar barreiras. Qualquer proposta de compra terá que ser submetida ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O advogado especializado em Governança Corporativa, Direito Societário, Contratual e Econômico, Emanuel Pessoa, diz que isso poderia representar um monopólio em algumas regiões, e que compra poderia ser barrada. Pessoa acredita, que a aquisição seja realizada por um fundo de investimento.
Grupo pode ser vendido em fatias. Foi o que aconteceu com o Makro, que vendeu dezenas de lojas para o Atacadão e para o grupo Muffato. "O Casino, o controlador, está pior ainda e estão vendendo o GPA para colocar dinheiro no bolso e reduzir o endividamento lá na França", diz Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e CEO da Excellance.
Oportunidade para redes menores. "Há concorrente do Sul, por exemplo, que podem ter interesse em entrar no mercado do Sudeste, nada impede essa aquisição", afirma o economista.
Abilio Diniz pode voltar?
Retorno seria uma grande reviravolta, mas por ora é só especulação. "Poderia ser o retorno triunfal depois de uma década da briga", afirma o economista Rica Mello. Segundo ele, tal desfecho, porém, não é simples. "Abilio Diniz tem cláusulas que o impedem de ir para a concorrência com o Carrefour. Acredito que, para voltar ao GPA, eles teriam de vender a sua participação no Carrefour", diz o economista.
Volta de Abilio agradaria investidores. Para Mustrangi, parte da queda do Casino no Brasil pode ter começado quando a empresa francesa fez com que o executivo deixasse a operação. Os analistas lembram que a relação do Casino com os acionistas minoritários nunca foi muito boa. "O mercado veria com bons olhos a volta da família Diniz, até porque o Abilio é um profundo conhecedor dessa operação, o que poderia refletir nas ações", diz Mello.