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Mariana Londres

REPORTAGEM

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Haddad acumula vitórias no 1º semestre, mas verdadeiras pedreiras vêm agora

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, coleciona vitórias nos primeiros seis meses de governo - Divulgação/Diogo Zacarias
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, coleciona vitórias nos primeiros seis meses de governo Imagem: Divulgação/Diogo Zacarias

Do UOL, em Brasília

03/07/2023 04h00

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, coleciona quase uma dezena de vitórias no primeiro semestre do governo Lula 3, a ponto de operadores do mercado considerarem o seu pragmatismo como um dos principais fatores da valorização dos ativos ocorrida no último trimestre.

Sem dúvida, o ministro preparou o terreno e avançou muitas casas em direção à árdua tarefa que terá no segundo semestre: a de fazer com os grupos que hoje pagam pouco imposto (tanto na pessoa física quanto empresas) passem a ser tributados para que a nova regra de gastos do país, desenhada pela sua equipe e prestes a ser aprovada pelo Congresso, tenha viabilidade. O outro desafio é retirar benefícios tributários que não fazem mais sentido e tributar setores que hoje não pagam impostos.

A tarefa é árdua porque as medidas passam pelo Congresso e pelo Judiciário. E sempre que um grupo da sociedade está na iminência de perder algum benefício, há uma reação forte e a tentativa de barrar essas mudanças. Mas a estratégia de Haddad da ordem dos fatores pode se mostrar eficaz se seguir a mesma lógica traçada pelo então presidente Michel Temer com a reforma da previdência, que acabou aprovada no ínicio do governo Bolsonaro, mas em função do que foi feito por Temer antes: a aprovação do teto de gastos. A regra acabou por induzir a aprovação da reforma já que o teto estava comprimindo outros gastos.

Neste segundo semestre, é possível que a nova regra de gastos também induza o Congresso e o Judiciário, assim como a sociedade, a apoiar e aprovar as mudanças necessárias para a nova regra de gastos ficar de pé, com um grande rearranjo nas receitas. Haddad parece estar subvertendo a lógica defendida por muitos de que o governo não tem falta de arrecadação, mas gasta mal (precisa cortar gastos e gastar melhor), pela sua defesa de que o governo também arrecada mal, ao permitir que alguns grupos privilegiados paguem pouco imposto enquanto os mais pobres pagam muito. Haddad escolheu o caminho do rearranjo de receitas em vez de optar por atacar primeiro os gastos.

Veja abaixo o balanço de muitas vitórias e algumas derrotas de Haddad no primeiro semestre e as pedreiras que virão no segundo semestre:

Vitórias

A reoneração dos combustíveis: Primeira vitória de Haddad, no final de fevereiro, apesar de pressões de dentro do governo para prorrogar a desoneração por um período mais longo no início do governo

Subvenção do ICMS no STJ: O tribunal decidiu no final de abril, por unanimidade, que empresas não podem continuar abatendo do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) benefícios dados pelos Estados (impacto estimado R$ 90 bi)

Galípolo no BC: No início de maio, Haddad indicou o seu número dois para a diretoria de política monetária do Banco Central, em uma solução negociada com o Planalto e Roberto Campos Neto

Pis/Cofins das instituições financeiras no STF: A Suprema Corte impôs, em meados de maio, uma derrota aos bancos em relação à cobrança de PIS/Confins em atividades financeiras (impacto estimado R$ 115 bi)

Arcabouço fiscal: No final de maio o plenário da Câmara aprovou com 372 votos a nova regra fiscal. O texto foi costurado com a equipe econômica. O Senado aprovou a regra em 21 de junho e o texto voltou para a Câmara

Redução de subsídios para carros: Após o lançamento do plano de Alckmin no final de maio para baratear carros de até R$ 120 mil, a equipe de Haddad repaginou o programa colocando limites financeiros e contrapartidas ambientais

Meta de inflação: No final de junho, o ministro manteve a meta de inflação para os próximos anos inalterada em 3% e intervalo de 1,5 p.p, apesar das pressões de Lula nos bastidores para mudança da meta numérica. Também emplacou a meta contínua, que vinha defendendo

Taxação de importados: Depois de muito ruído, apresentou agora no último dia de junho um plano de conformidade para taxação de remessas. A solução foi alvo de críticas de varejistas brasileiras e ainda está sendo debatida. Haddad busca uma solução negociada.

Além dessa lista, Haddad tende a sair vitorioso:

Na votação do PL do Carf, que devolverá a vitória pró-Fisco em caso de empate com algumas concessões aos contribuintes

Na aprovação total da nova regra fiscal pelo Congresso

Na aprovação da reforma tributária na Câmara antes do recesso de julho

Derrotas

No primeiro trimestre do governo, a força de Haddad foi colocada em dúvida após algumas derrotas:

A extensão da desoneração dos combustíveis de 1º de janeiro a 28 de fevereiro (Haddad defendia a reoneração já no início do mandato)

O aumento do salário mínimo (Haddad queria R$ 1.302 e ficou em R$ 1.320)

O reajuste da tabela do IR (Haddad queria atualizar a tabela em 2024)

Pedreiras que virão no segundo semestre

Jabutis tributários: recuperação de receitas das renúncias tributárias: isenções, anistias, reduções, deduções, abatimentos e suspensão do pagamento de impostos feitos no passado, mas que não fazem sentido hoje.

Reforma do Imposto de Renda da Pessoa Física: aprovado na Câmara em 2021, parado no Senado, previa reajuste da tabela do IR e manteve o desconto simplificado para todos. O projeto da equipe de Haddad para a reforma do IR ainda é desconhecido e não se sabe se parte do que foi aprovado na Câmara será aproveitado

Reforma do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica: está no mesmo projeto da pessoa física. O texto aprovado pela Câmara e parado no Senado previa taxação de 15% para lucros e dividendos (fundos de investimento em ações ficaram de fora e há exceções como empresas do Simples), redução de IRPJ de 15% para 8%, implantação de um adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e manutenção do adicional de 10% previsto na legislação para lucros mensais acima de R$ 20 mil, além de redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em 1 ponto percentual em duas etapas de 0,5, condicionadas à redução de incentivos tributários que aumentarão a arrecadação.

Juros sobre capital (JCP): está no mesmo projeto de imposto de renda das pessoas física e jurídica. A reforma aprovada na Câmara acabou com a dedução dos juros sobre o capital próprio (JCP) da base de cálculo de tributos.

Desoneração da folha: atualmente 17 setores são desonerados e a equipe de Haddad prepara um projeto de desoneração ampla, ainda não divulgado. É preciso encontrar um fonte de financiamento e tudo indica que o caminho escolhido será a reforma do imposto sobre a renda. Mas para conseguir bancar uma desoneração ampla é necessário encontrar uma forma de financiar a seguridade social (INSS). O governo era contrário ao projeto que prorroga a desoneração de 17 setores por quatro anos, mas o texto foi aprovado no Senado.