Compensação às desonerações coloca empresas e governo em rota de colisão
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, retornou ao Brasil nesta sexta-feira (7) com uma crise para resolver que, do tamanho em que está, tem o potencial de ser um grande desafio econômico deste governo (e não foram poucos até aqui). O problema envolve não apenas o Executivo, mas os mais importantes setores da economia, liderados pelo agronegócio, o Congresso e o STF (veja como cada um está envolvido no histórico abaixo).
A forma como essa crise será resolvida será crucial para o equilíbrio das contas e para a governabilidade - as relações entre os Poderes e os setores econômicos - nos próximos meses.
Estou falando da Medida Provisória dos créditos de PIS/Cofins editada na terça-feira (4), que, segundo os setores, causará um impacto negativo bilionário, especialmente no agro e setores exportadores. Esses setores pressionam o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), a devolver a MP, o que sempre causa ruído político. No Congresso, a MP foi apelidada de "MP do Fim do Mundo".
O que precisa ser resolvido?
O governo e o Congresso precisam, juntos, encontrar uma solução para bancar a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e de municípios até meados de julho, caso contrário, segundo decisão já tomada pelo STF, os setores e municípios serão reonerados já a partir do segundo semestre.
O problema é que a solução apresentada pelo governo para bancar as desonerações desagradou os maiores setores da economia, especialmente o agronegócio. Os setores pressionam as cúpulas do Congresso e todos se voltaram contra a proposta da Fazenda, fazendo com que a temperatura subisse muito nos últimos dias.
Agora, há alguns caminhos que podem ser seguidos: (1) o Congresso aprovar a medida de compensação apresentada para o governo, (2) o Congresso rejeitar a proposta, há o risco de devolução da MP, e buscar outras medidas que sejam capazes de bancar a reoneração gradual que já foi acordada. (3) Um terceiro caminho possível é recalibrar a proposta do governo, para reduzir os impactos às empresas, e adicionar outras medidas arrecadatórias.
Quais são os riscos?
A revolta dos setores econômicos contamina o clima no Congresso e pode atrapalhar outros debates. Se não houver uma redução da fervura nos próximos dias, o governo pode ficar enfraquecido, especialmente porque ganha corpo o discurso político, até por parte de aliados, de que este governo só quer arrecadar, penalizando o setor produtivo, e não quer cortar gastos.
Quais são os próximos passos?
Na próxima semana, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, deve se posicionar sobre a MP. A tendência não é a devolução da medida, até porque, para ganhar tempo, Pacheco pediu uma análise da consultoria do Senado.
A Fazenda deve apresentar para os senadores e para os setores uma análise detalhada dos impactos da MP 1227/2024 em cada um dos setores econômicos. A pasta já disse que está disposta ao diálogo.
A exemplo do que aconteceu com a MP 1202, os efeitos da MP 1227 podem ser revogados para que o assunto possa ser discutido em projeto de lei. A tendência é que as compensações sejam discutidas no projeto de lei da desoneração fruto de acordo entre governo e Senado: o PL 1847/2024, do senador Efraim Filho (UB/PA) e relatado pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT/BA).
Em paralelo, senadores e deputados se movimentam para encontrar outras alternativas para bancar a desoneração com menos impacto nos setores.
Qual é o histórico da crise?
Vou explicar a confusão e para isso vou ter que voltar mais de uma década, mas vai ficar claro e vai ajudar a entender o tamanho do problema e as suas camadas:
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Quero receberA novela de desoneração da folha de pagamentos começou em 2011, quando o governo Dilma reduziu as contribuições de empresas de alguns setores sobre a folha de pagamentos, possibilitando que o recolhimento fosse feito por um percentual de até 4,5% do faturamento (receita bruta) e não em 20% sobre o valor dos salários.
O resultado prático é que as empresas que empregam muito passaram a pagar menos sobre a contratação de mão de obra, especialmente as que enfrentam dificuldades e têm redução do faturamento. A medida era para ser temporária, mas foi sendo renovada e criou uma distorção (em relação aos outros setores e um problema para o financiamento da previdência, porque entram menos recursos).
Em 2023, o Congresso aprovou mais uma vez a renovação do benefício para os 17 setores, desta vez até 2027, e ainda incluiu a desoneração da folha de municípios de até 156,2 mil habitantes (Lei 14.784/2023). O governo vetou essa lei, o Congresso derrubou o veto, e a Fazenda editou a MP 1202/2023, que cancelava a decisão do Congresso e reonerava os setores já em 2024 (e incluiu as mudanças no Perse e o limite para créditos tributários, mas isso é outra história).
Com a forte reação dos setores e do Congresso, a Fazenda teve que recuar e editou a MP 1208/2024 no final de fevereiro, revogando a reoneração da folha de pagamentos dos 17 (mantendo a reoneração dos municípios) e aceitando negociar a questão da desoneração.
No início de abril, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, decidiu não prorrogar a validade de parte da medida provisória editada pelo governo para acabar com a desoneração da folha de pagamentos (a MP 1202/2023) em função da questão dos municípios, que tinha ficado pendente. Nesse vai e vem de decisões, na prática os 17 setores e os municípios ficaram desonerados durante todo o ano de 2024.
Em 25 de abril, o governo acionou o STF para mediar a questão. Na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 7633 o governo questionava a constitucionalidade da lei que prorrogou as desonerações no final de 2023 pelo Congresso, argumentando que as renúncias fiscais previstas na lei foram feitas sem a adequada demonstração do impacto financeiro.
A ação foi distribuída para o ministro Cristiano Zanin, que no mesmo dia, em decisão liminar, suspendeu a prorrogação da desoneração da lei aprovada pelo Congresso em 2023, com a justificativa de que a aprovação da desoneração pelo Congresso não indicou o impacto financeiro nas contas públicas. Com essa decisão, os municípios e os setores teriam que recolher pelos novos valores (sem a desoneração), já no dia 20 de maio.
A iminência dessa alteração fez com que Congresso e governo fechassem um acordo para debater novamente as desonerações, dessa vez com medidas compensatórias.
Em 15 de maio, o governo pediu ao ministro Zanin a suspensão por 60 dias da ação que contestava a desoneração da folha de pagamentos. O motivo do pedido foi dar mais prazo para a efetivação de acordo entre governo e Congresso sobre o tema, de uma retomada gradual na tributação.
Em 17 de maio, Zanin acatou o pedido e a sua decisão estabelece que caso não haja acordo até o meio de julho, os setores e os municípios voltam a ser reonerados no segundo semestre deste ano. O plenário do STF referendou a decisão em 5 de junho.
Como parte do acordo entre governo e Congresso de 15 de maio, o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB) apresentou um projeto de lei com uma nova proposta de reoneração dos 17 setores. Em 2024, setores e municípios ficariam desonerados, e a cobrança é gradual entre 2025 e 2027, até voltar a 20% em 2028. O PL 1847/2024 é relatado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT/BA). Ainda como parte do acordo, a Fazenda ficou de apresentar as medidas compensatórias à arrecadação.
Em 4 de junho, a Fazenda editou a MP 1227/2024, com alterações nos créditos de PIS/Cofins para bancar a desoneração. A medida causou revolta no agro e setores exportadores, que na prática irão pagar mais impostos pelas restrições no uso de créditos.
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