Como planejar a divisão de bens para evitar treta por herança após a morte
Juliana Soane
Colaboração para o UOL
06/07/2023 04h00
Planejar em vida quem vai ficar com os bens em caso de morte pode evitar briga entre os herdeiros na hora da divisão do patrimônio. Para isso, a melhor forma é deixar a vontade registrada em um testamento.
Quem pode fazer um testamento?
Qualquer pessoa acima dos 16 anos com pleno discernimento. Ou seja, no momento em que decide o destino de seus bens, é preciso estar em plenas condições de saúde física e mental para manifestar a vontade conscientemente.
Quais são os tipos de testamento?
Testamento fechado (ou cerrado): feito em um tabelionato de notas com duas testemunhas. Só o dono dos bens sabe o que foi escrito. As testemunhas não ficam sabendo do conteúdo, apenas atestam que não houve pressão, risco ou ameaça. Depois da morte, o envelope é aberto por um juiz na frente dos herdeiros.
Testamento público: feito no tabelionato de notas com tabelião e duas testemunhas — que não pode estar entre quem vai receber qualquer parcela do patrimônio. É sigiloso e os herdeiros só terão acesso ao conteúdo após a morte do testador, para evitar conflitos sobre a divisão de bens;
Testamento particular: feito em casa e assinado por três testemunhas — que também não podem receber parte da herança). Por não ter registro público, é considerado o menos seguro.
Quais as regras definidas em lei?
O dono dos bens precisa seguir uma ordem de distribuição e o percentual mínimo para cada herdeiro (veja mais detalhes no tópico "Exemplo de divisão", abaixo).
Em casamento com partilha de bens: o viúvo ou viúva tem direito a metade de tudo. Depois, vem a divisão da outra metade, que vai para os herdeiros "necessários". Pela lei, são:
- Marido, esposa, companheiro ou companheira em união estável (que entram de novo na divisão);
- Descendentes (filhos, netos, bisnetos);
- Ascendentes (pais, avós, bisavós) -- caso não haja filhos nem companheiros.
Em casamento com separação total de bens: a divisão é igual para todos os herdeiros.
Bens adquiridos antes da união: a divisão também é igual para todos os herdeiros.
Para quem não tem herdeiros, é possível distribuir todo o patrimônio conforme sua própria vontade. O testamento pode definir o destino de todo o patrimônio. É possível doar para instituição de caridade, para amigos ou parentes distantes.
Exemplo de divisão
Considerando um patrimônio de R$ 100 mil de uma pessoa casada com dois filhos:
- R$ 50 mil vão para o cônjuge do falecido (50%).
- R$ 25 mil vão para os herdeiros necessários (25%), que serão divididos igualmente (R$ 8,3 mil para cada um dos dois filhos e para a viúva, ou 8,3% neste exemplo fictício).
- R$ 25 mil podem ser distribuídos conforme a vontade descrita no testamento (25%), inclusive dando mais porcentagem aos herdeiros já beneficiados.
Se eu mudar de ideia, posso alterar o testamento?
Sim. O conteúdo do testamento pode ser alterado ou revogado pelo dono dos bens a qualquer momento antes de sua morte.
Posso excluir algum herdeiro?
Apenas em casos de agressão, calúnia ou atentado à vida dos pais.
Posso dar mais dinheiro para um filho do que para outro?
Sim. O testamento pode favorecer mais um filho do que outro, mas não pode retirá-lo completamente — exceto em casos descritos acima.
Quando um testamento é invalidado?
Quando viola normas legais, dividindo mais bens do que o permitido por lei;
Quando é feito para fraudar credores;
Quando é feito em um estado de perigo ou coação;
Quando coloca a amante entre os herdeiros;
Quando surge um filho que não havia sido incluído na divisão.
Se houver um testamento que deixa bens para uma amante e isso for comprovado, ela não recebe nada. Amante não tem direito a nada, nem a doação. A doação é invalidada e o testamento também.
Vanessa Paiva, advogada especialista em Direito da Família e Sucessões
É possível doar meus bens em vida?
Sim, com doação de bens ou holding familiar. Neste caso, precisa ser criada uma empresa para controlar e cuidar do patrimônio da família que permite a transmissão de bens entre sócios.
Quanto custa fazer um testamento?
Testamento público custa R$ 2.194,93 mais impostos, em São Paulo. O preço é fixo e independe do tamanho do patrimônio. Caso a pessoa não tenha condição de ir ao tabelionato, o valor é dobrado para que o tabelião vá até o domicílio. Isso acontece nos casos em que o testador está debilitado ou acamado. Em outros estados, o valor pode ser outro.
O testamento feito em casa não tem custo. Mas por não ter registro público, poderá ser contestado.
Quanto custa dividir a herança sem testamento?
Pelo menos R$ 3,8 mil se não houver conflito e for feita extrajudicialmente. O valor corresponde ao custo do advogado e segue a tabela de honorários da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Paulo. Um advogado pode cobrar 6% do valor do patrimônio, sendo o valor mínimo de R$ 3.827,59.
Ao menos R$ 5,8 mil se tiver conflito e for feito na Justiça. O processo leva em média dois anos para terminar. Os honorários advocatícios, neste caso, aumentam: até 10% sobre o valor da herança, com valor mínimo de R$ 5.358,63, de acordo com a tabela de honorários da OAB.
É preciso pagar o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). O tributo é cobrado quando a titularidade de uma propriedade é transferida. Cada estado tem sua alíquota. Em São Paulo, por exemplo, o imposto cobrado é de 4% do valor do bem. Há algumas situações em que o imposto não é cobrado, como na transmissão de imóveis residenciais de até R$ 85.650 em São Paulo, desde que seja o único bem do espólio, conforme divulgado pela Secretaria da Fazenda de SP.
Você vai acabar deixando de 20% a 25% da herança só pagando imposto e honorários.
Vanessa Paiva, advogada especialista em Direito da Família e Sucessões
E se eu fizer uma doação em vida?
Em São Paulo, é de graça para bens que valem até R$ 85,6 mil — ou 2.500 Ufesps (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo). Cada Ufesp vale R$ 34,26. Este valor é pago para o cartório e varia por estado.
Bens acima de R$ 85,6 mil, ainda considerando SP, vai custar mais de R$ 5 mil. O valor cobrado em cartório é de R$ 4.839,75 mais ITMDB. Os dados são da tabela oficial usada pelos cartórios de São Paulo.