Eleição na Argentina: as propostas para a economia de Massa e Milei
O segundo turno das eleições na Argentina acontece hoje, 19. As pesquisas ainda mostram um cenário indefinido, com o candidato Javier Milei, líder da coalizão política La Libertad Avanza, pouco a frente de Sergio Massa, atual ministro da Economia do país e integrante da coalização Unión Por La Patria. No início da semana, eles participaram do último debate antes do pleito. Veja o que os candidatos propõem para a economia do país.
Segundo turno segue indefinido
Sergio Massa, de 51 anos, é ministro da Economia da Argentina no governo de Alberto Fernández. O candidato venceu o primeiro turno em primeiro lugar, com 36,68% dos votos, contrariando as pesquisas que colocavam Javier Milei na frente — apesar da margem de diferença ser apertada. O candidato ultraliberal teve 29,98% dos votos.
O cenário ainda segue bem indefinido. As últimas pesquisas colocam Milei na frente, mas por pouco. O mais recente levantamento do AtlasIntel aponta Milei com 52,1% dos votos, e Massa com 47,9%.
Analistas avaliam que o candidato governista se saiu melhor no último embate televisionado. Para Federico Servideo, diretor-presidente da Câmara de Comércio Argentino, Massa estava mais à vontade, muito por conta da sua experiência na vida política. Do ponto de vista de conteúdo, ele acredita que o debate foi "dentro do que se esperava: não muito profundo, mas agressivo, e com os candidatos repetindo as estratégias e os pontos que já haviam apresentado durante a campanha".
Massa foi inteligente em demonstrar, ou tentar, as inconsistências e incoerências do Milei. Já Milei não conseguiu, como esperado, se aproveitar da questão econômica, não conseguiu aproveitar essa circunstância para se posicionar melhor.
Federico Servideo, diretor-presidente da Câmara de Comércio Argentino
As propostas de Sergio Massa
A questão econômica é uma pedra no sapato do governo — e de Massa, que é ministro. A Argentina acumula hoje uma das maiores inflações do mundo, de 142% nos últimos 12 meses. Para se ter uma ideia, é a maior inflação entre os países que integram o G20. Só em 2023, a alta dos preços é de 120%.
Além disso, a Argentina sofre com a forte desvalorização do peso, sua moeda oficial. O BofA (Bank of America) projetou em agosto que a moeda deve desvalorizar 70% até 2024. Para 2023, analistas do mercado de câmbio ainda esperam mais uma queda da moeda assim que o novo governo assumir (independentemente de quem vá ganhar).
As principais propostas de Massa são amplas e apostam muito na continuidade do que está sendo feito. O candidato fala em superávit comercial, câmbio competitivo e desenvolvimento com inclusão desde que assumiu o ministério, em agosto do ano passado. Ele também fala em políticas voltadas para o emprego e o debate acerca do endividamento externo junto a órgãos internacionais. Além disso, o candidato aposta na valorização e exploração de recursos naturais da Argentina, como gás natural, petróleo e lítio. Não há detalhamento sobre Massa pretende combater a inflação.
Federico avalia que falta ênfase em falar mais sobre a necessidade de um ajuste fiscal na Argentina. Ele afirma que o candidato sabe da importância do ajuste, mas que não fala tanto sobre porque o tema não vai ao encontro com algumas políticas praticadas pelo governo que ele mesmo integra.
Isso não está claro na campanha de Massa, ele não fala isso com todas as palavras, mas na minha leitura é inevitável. Qualquer que seja o presidente precisará fazer um drástico ajuste fiscal. A proposta de Massa de longo prazo para ajustar a economia através de crescimento é uma proposta válida, mas está faltando ajuste fiscal.
Federico Servideo, diretor-presidente da Câmara de Comércio Argentino
Apesar do cenário econômico ser delicado, "o discurso de Massa não apresenta ruptura", avalia Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da FGV. Para o professor, o candidato governista tem apostado muito mais em aprofundar certas tendências que despontaram ao longo do governo Fernández e que poderiam ser alavancadas.
Não é uma ruptura, é um aperfeiçoamento do que se ensaiava nos últimos anos. Acho que ele tem apostado muito mais nisso. Eu diria que hoje ele tem focado muito mais na defesa de que você tem uma incerteza em relação às propostas do Milei.
Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da FGV
As propostas de Javier Milei
Javier Milei, de 53 anos, apresenta propostas mais radicais para a economia do país. O candidato fala em dolarizar a economia argentina (chegou a dizer que o peso argentino é "excremento"), fechar o Banco Central e até restringir relações com a China, um dos principais parceiros econômicos do país sul-americano.
O candidato aposta em mudanças mais bruscas para, justamente, antagonizar Massa. Ele chama o candidato de "deliquente", e diz que o governo do qual Massa participa rouba os argentinos.
Analistas avaliam, no entanto, que ao longo da campanha, Milei precisou moderar o tom. E que muitas das propostas são inviáveis do ponto de vista prático, ao menos no curto prazo. Brites cita como exemplo a própria dolarização da economia, muito anunciada por Milei — algo difícil de ser feito em um país com pouca reserva de dólares, hoje na casa dos US$ 21 bilhões. Ele também cita o "custo político e diplomático" que determinadas ações trariam para o país. "Para conseguir estabelecer a economia, você tem ter estabilidade nas relações. Então, é mais difícil colar esse discurso [com o eleitorado]", diz.
Sobre essas relações, o candidato é crítico da China e do Brasil — aqui, mais precisamente, do presidente Lula (PT). Ao ser questionado no debate por Massa no debate se o candidato manteria relações com os dois países, Milei disse que não há problemas em não tratar com o presidente brasileiro. "Você pertence a um governo em que o Alberto Fernández não falava com o Bolsonaro. Que problema tem em eu falar ou não com o Lula?", declarou.
Com isso, o candidato passou a separar um pouco discurso político e o econômico. Segundo Federico, Milei tem recuado em alguns aspectos.
Ele deu um passo para trás em várias das ideias, no sentido de indicar que, ao contrário do que se esperava, [as propostas dele] não são medidas imediatas. Não dá para dolarizar [a economia] sem dólares. Ele mesmo começou a repensar ideias que não necessariamente serão [implementadas] no dia 1 ou nos primeiros 100 dias de governo. [Ele fala em] Não ter relação política com o presidente Lula. Mas as empresas vão continuar fazendo negócio com o Brasil e a China. Ele começou a separar um pouco a discurso político do discurso econômico agora que a campanha está chegando no final.
Federico Servideo, diretor-presidente da Câmara de Comércio Argentino
Os ciclos eleitorais na Argentina
O candidato Javier Milei já foi comparado mais de uma vez com Jair Bolsonaro ou mesmo com Donald Trump. Ambos governaram por um mandato — Trump perdeu a eleição para o democrata Joe Biden em 2020 e Bolsonaro perdeu a eleição para Lula no ano passado.
Na Argentina, a Mauricio Macri também perdeu em 2019 para Alberto Fernández. Sobre esses ciclos eleitorais de alternância de grupos, os especialistas destacam que não só a Argentina, Brasil e Estados Unidos, mas boa parte do mundo lida com forte polarização na política.
Isso reflete duas coisas: a própria polarização da sociedade, que tem questões de costume, de visão de mundo [que são diferentes]. E em outro aspecto fundamental, que é a o atual momento de dificuldade maior de crescimento global. É difícil que algum governo pegue alguma situação tão virtuosa que consiga eleger seu sucessor. Como a crise é mais profunda, as soluções são ineficientes no curto prazo, a cada quatro ou cinco anos.
Pedro Brites, professor de Relações Internacionais da FGV
Apesar da proximidade, ainda é difícil prever quem vai ganhar a eleição. Federico destaca que 20% da população ainda não sabe em quem vai votar. Para o especialista, independente do vencedor, a grande surpresa seria se um candidato tivesse muito mais votos que o outro.
Hoje a política é dominada pela polarização. A Argentina é um exemplo, tem setenta, oitenta anos de peronismo x antiperonismo, kirchnerismo x antikirchnerismo, macrismo x antimacrismo. Sempre foi bastante polarizado, os partidos de centro nunca tiveram muita penetração. Hoje, a polarização é de 50% a 50%. E não discutem ideias profundamente.
Federico Servideo, presidente da Câmara de Comércio Argentino