Plano de saúde aperta o bolso: 'Não posso abrir mão', diz comunicadora
Juliana Moraes
Colaboração para o UOL, em São Paulo
07/02/2024 04h00
Na casa da família de Verônica Gonzalez, de 26 anos, o convênio médico é visto como um 'artigo de luxo'. "Minha mãe costuma dizer que nosso plano de saúde é um luxo do qual não podemos abrir mão", conta a comunicadora.
Ela, que passou alguns meses do ano passado desempregada, tentou diminuir as despesas com o convênio médico da família buscando outras seguradoras de saúde, mas não teve muito sucesso nas negociações. No convênio, estão ela, a mãe, de 54 anos, a avó, Arminda, de 86 anos e a irmã mais nova, sob o preço de R$ 1.100 mensais. "Está tudo caro. Não encontrei nenhum que pudesse ficar mais barato, então demos um jeito escolhendo quais contas pagar para não ficar sem plano", disse.
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Marly, mãe de Verônica, conta que contratou o plano de saúde atual da família quando a filha mais velha nasceu, em 1996. Ela recorda que as parcelas não pesavam tanto no orçamento da casa até cerca de dois anos atrás, "quando passou a ser uma dor de cabeça". "Eu não posso deixar de pagar, mas é uma compra do mês. Toda vez aperto daqui, diminuo dali para dar conta. Quando tiver outro reajuste, não sei como vou fazer. Vai chegar uma hora que não vou conseguir mais pagar, aí vou ter que cancelar e seja o que Deus quiser", diz Marly.
Ela cancelou plano e foi para o SUS por alta no preço: Ia me endividar'
Márcia Carvalho, de 59 anos, está há pelo menos um ano sem plano de saúde. Ela deixou o convênio porque percebeu que, ao completar os 60 anos, seria enquadrada como idosa pelo plano e a parcela, que já estava em cerca de R$ 800, aumentaria ainda mais. Com um terço de sua renda comprometida com o plano, um novo reajuste estouraria seu orçamento já apertado. "Eu já estava pagando o convênio tendo que escolher abdicar de outras coisas, não estava mais sobrando dinheiro para nada. Com o novo aumento, eu iria começar a me endividar. Então tive que cancelar o plano", diz Márcia.
Agora dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), a aposentada conta que leva em média seis meses para fazer um check-up que, antes, conseguia em um mês, devido às longas filas de espera pelas consultas e exames na rede pública. Mesmo assim, voltar ao plano de saúde é uma opção hoje inviável. "Nos valores que estão agora não tem como, não. Se eu pagar o convênio, não tenho lazer. Vou comprar alimento, vou pagar meu telefone, o plano e não posso fazer mais nada no mês".
Planos de saúde subiram até 25%
Márcia e Verônica estão entre os milhões de brasileiros impactados pelos reajustes no valor cobrado pelos planos de saúde no Brasil que, em 2023, superaram — e muito — o índice da inflação no mesmo período. Pelo IPCA, índice que mede a inflação nos preços de bens e serviços no país, 2023 fechou em 4,72% ao ano. Contudo, no setor da Saúde e cuidados pessoais, o aumento nos preços foi de 11,2%, com maior contribuição vinda dos reajustes dos convênios.
Os planos coletivos, que englobam a maioria dos brasileiros com convênio, são negociados sem teto para o aumento. Os planos individuais são regidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que fixou o teto do reajuste em 9,63% em 2023. Mas uma análise publicada pelo BTG Pactual no relatório "ANS Pricing X-Ray" indicou que os reajustes nos planos coletivos por adesão ou corporativos foram de até 25%. O reajuste médio dos convênios médicos ultrapassou até mesmo a valorização do salário mínimo, que em 2024 está em R$ 1.412, aumento de 6,97% em relação ao valor anterior (R$ 1.320).
Por que aumentou tanto?
Ao UOL, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as operadoras de saúde, defendeu que o aumento reflete a variação das despesas assistenciais. Disse também que a alta "é indispensável para garantir a manutenção e o aperfeiçoamento da oferta da assistência médica a seus beneficiários".
Apontou, ainda, que entre os fatores que mais influenciam o reajuste estão a inflação da saúde, representada pela evolução do custo da assistência; a obrigatoriedade da oferta de tratamentos "cada vez mais caros, com doses, em alguns casos, a cifras milionárias"; a ocorrência de fraudes e a judicialização.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), que também representa o setor, informou que os reajustes anuais têm como objetivo garantir o equilíbrio entre os valores recebidos com mensalidades e os valores pagos para o tratamento de saúde dos beneficiários participantes do plano. Disse, ainda, que o reajuste é reflexo do aumento dos custos médico-hospitalares, cuja variação é superior aos índices de inflação devido aos níveis crescentes de utilização dos serviços de saúde e a incorporação acelerada de tecnologias.