RS: ração para animais foi fracionada, e poderá faltar carne e leite
Danielle Castro
Colaboração para o UOL
07/05/2024 09h30
A dificuldade em salvar vidas humanas e de animais domésticos registradas nos municípios afetados pelas chuvas no Rio Grande do Sul começa a se evidenciar também no campo. Com a reabertura das estradas e retomada de parte do fornecimento elétrico e de comunicações, entidades do setor e produtores começam a perceber o tamanho das perdas diretas e indiretas entre os animais das fazendas. Faltou ração por causa de estradas bloqueadas, e haverá problemas de abastecimento de carne e de leite até que a cadeia seja reestabelecida. Produtores também relatam mortes de milhares de animais nas redes.
Muitos colaboradores do setor perderam todos os bens. Documento divulgado pela ANPA com apoio da Associação Gaúcha de Avicultura (ASGAV) e pelo Sindicato das Indústrias Produtoras de Produtos Suínos do Rio Grande do Sul (SIPS) afirma que a prioridade, neste momento, é salvar vidas e permitir o necessário à sobrevivência daqueles mais impactados.
Produtores estão sem água, luz e telefone. A "alimentação dos animais que estão no campo" é outro ponto destacado, pois os núcleos de produção gaúchos, têm enfrentado "não apenas perdas estruturais, mas também de itens básicos como água, luz e telecomunicações." As entidades informaram ainda que estão "monitorando o quadro da avicultura e da suinocultura do estado, após os trágicos acontecimentos em curso desde a semana passada."
Abastecimento de alimentos para animais chegou a ser interrompido
Apenas agora os produtores estão tendo a dimensão das perdas. Valdecir Luis Folador, presidente da Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do Sul (ACSURS), diz que o acesso às fazendas começou a ser retomado entre ontem (5) e hoje (6). "Alguns acessos foram liberados para caminhões de ração. As granjas estavam até sábado sem informação nenhuma, sem internet, luz. Com a melhora do trânsito e algumas barreiras removidas, está fluindo melhor, mas não sabemos ainda quantos animais morreram e quantas granjas estão destruídas", aponta Folador.
Houve problemas no abastecimento e no escoamento das fazendas, inclusive de locais não afetados por enchentes intensas. Segundo o presidente da ACSURS, os silos com alimentos para os animais têm uma duração média de quatro a seis dias, sendo que muitos foram pegos em fase de reposição pelo fechamento de estradas ou tiveram estoques estragados pela água ou por não terem sido entregues a tempo.
Ração precisou ser racionada. "Foi acabando a ração e o pessoal começou a restringir o volume diário para aguentar mais. Conseguindo levar ração, nos dá uma condição mais positiva, um pouco mais de tranquilidade, dos animais não sofrerem ou passarem fome", diz Folador.
Relatos de mortes de animais nas redes
Produtor afirma que perdeu milhares de aves. No Município de Tupandi (81 km de Porto Alegre), a prefeitura divulgou em seu Instagram que pecuaristas locais chegaram a perder de 75% a 100% dos animais das propriedades. O granjeiro Antenor Brum, 55 anos, por exemplo, perdeu todo o aviário de frango de grande porte por conta do deslizamento de terra - o espaço de 130 metros abrigava 14 mil frangos que haviam chegado há cerca de 40 dias.
Brum diz que não pensa em investir mais na modalidade. "A vida precisa seguir, mas é um choque para todos nós que perdemos tudo. Radicalmente não estarei realizando mais novos investimentos, está cada vez mais difícil para nós, agricultores, que ainda buscamos trabalhar com a terra", declarou o produtor à prefeitura, em relato nas redes sociais.
O suinocultor Ivo Bernardo Mayer, 60, também de Tupandi, perdeu 450 dos 600 animais recebidos há 14 dias em sua propriedade no Vale do Reno. Os 150 porcos sobreviventes serão realocados. Eles perderam com as chuvas o equivalente a R$ 100 mil investidos em 2022 no espaço e nos equipamentos de automação.
Ele não irá mais investir no agronegócio. "Nunca imaginei passar por isso. Recém havíamos terminado de pagar as dívidas e estávamos felizes que teríamos uma sobra de lucros maior no final do mês. É triste ver toda a árdua dedicação perdida em segundos e nem sequer teremos o seguro para conseguir cobrir a reconstrução", lamentou o produtor. Mayer afirma no relato da prefeitura que, com a idade que tem, não terá "mais condições e coragem" para reiniciar o negócio e que vai migrar de ramo.
No Tik Tok, a usuária Vivian Fuhr compartilhou um vídeo da propriedade dos pais dela "no interior do Rio Grande do Sul" inundada e informou que, apesar dos estragos no campo, eles haviam conseguido resgatar os bichos a tempo. "Todos os animais daqui estão salvos e em local seguro", contou.
Há risco de desabastecimento de proteínas
A situação de bovinos, suínos e aves criadas no estado está precária. "Temos locais em que não houve enchentes, mas insumos e colaboradores não conseguem chegar por causa da situação das estradas. Muitos deles perderam tudo, alguns pela terceira vez, após várias enchentes", afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Toda a cadeia foi afetada. Segundo o presidente, a cadeia de produção afetada é extensa e, ao ser interrompida dessa forma, pode demorar semanas, às vezes meses, para ser restabelecida. "Por isso, o risco para o abastecimento é real e inevitável", disse Santin. A ABPA informou ainda que ao menos dez unidades produtoras de carne de aves e de suínos estão paralisadas ou com dificuldades extremas de operar pela impossibilidade de processar insumos ou de transportar colaboradores. A retomada do abastecimento da população com esses alimentos pode demorar mais de 30 dias.
O Rio Grande do Sul tem hoje cerca de 8 mil suinocultores e é o terceiro maior estado produtor do país, produzindo em torno de 18% a 20% da carne suína brasileira. O estado produz 11% da carne de frango, para os mercados nacional e de exportação.
Cadeia de leite também foi afetada
Produção de leite também caiu. De acordo com comunicado do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Estado (Sindilat/RS), a chuva somada aos atrasos e impossibilidade de acesso às propriedades rurais afetou em torno de 30% o recolhimento de leite nas fazendas do Vale do Taquari. O rio Taquari atingiu a maior cheia da sua história nos municípios de Lajeado e Estrela, passando de 30 metros.
Faltam até embalagens para o leite que chega às indústrias. A Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando) diz que a situação é trágica e que as chuvas durante toda a semana afetaram drasticamente os produtores de leite do estado. O isolamento dos produtores com a queda de barreiras em estradas e vias vicinais e os alagamentos nas propriedades pelo interior são os principais agravantes."Muitas estão alagadas e isoladas devido à queda de barreiras, o que significa o não recolhimento de leite e, portanto, o não abastecimento à indústria que, por sua vez, não tem mais embalagens para o envasamento do pouco produto que chega", declarou em nota o presidente da entidade, Marcos Tang.
A falta de combustível para ordenha e abastecimento das fazendas tem deixado produtores a pé nessas regiões. "Temos relatos [também] de uma enorme diminuição de ração para os animais, pois faltará o produto em alguns estabelecimentos", reforça Tang.