Mudança climática compromete produção, e preço do cacau tem pico de 191%
O cacau é a commodity agrícola que mais valorizou em 2024, com pico de 191% registrado em 18 de abril. Dados do CBOT Chicago mostram que o preço da amêndoa começou o ano custando US$ 4.200 a tonelada e bateu US$ 12,26 mil em abril — na quinta-feira (9), o produto estava cotado em US$ 8.600 ou mais que o dobro do preço em janeiro (alta de 104%).
O que aconteceu
A alta do preço está atrelada à baixa recorde do produto no mercado internacional. Segundo projeções do setor, a defasagem entre demanda e oferta deve se manter pelo menos até 2029 e pode favorecer os produtores brasileiros, mas só depois que a produção se equilibrar e viabilizar o consumo do produto.
Mercado segue em expansão. Apesar do cenário de escassez do cacau, o mercado mundial da commodity, este ano estimado em US$ 14,7 bilhões, está em expansão e pode alcançar US$ 16,47 bilhões em 2029, conforme análise da companhia de pesquisa de mercado Mordor Intelligence.
Queda da produção de cacau na África. No seu último relatório publicado, referente ao mês de março, a Organização Internacional do Cacau (ICCO) reforçou que a queda na oferta global está relacionada à crise agrícola na Costa do Marfim e em Gana, países africanos que representam aproximadamente 54% da produção mundial de cacau.
Crise climática e pragas são as responsáveis por uma colheita menor. O especialista José Carlos de Lima Júnior, professor doutor na pós-graduação da Harven Agribusiness School, lembra que os efeitos das mudanças climáticas e da doença da vagem negra nesses plantios reduziu 20% da colheita na Costa do Marfim e 11% da de Gana.
Em 2024, o cacau é a commodity agrícola que mais se valorizou. Nesse contexto, o Brasil se beneficia como importante produtor e exportador, dado que os países africanos deverão ter problemas com a doença, que provavelmente se manterá nos próximos anos.
José Carlos de Lima Júnior
Preço doce?
Cacau atinge o maior valor desde 2020. O relatório mensal da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) indicou que o preço da tonelada de cacau no país em março chegou a R$ 26,3 mil e que o internacional, em moeda local, teve custo médio de R$ 35,3 mil, os valores mais altos já registrados desde 2020, quando se inicia a série histórica avaliada.
Sem perspectiva de redução de preço. Em nota, a Abia destacou que a tendência de alta no preço do cacau por conta da queda na produção mundial "torna muito distante a possibilidade de uma redução" e que essa valorização tem elevado "o custo de produção na cadeia brasileira."
Alta também registrada no exterior. No cenário internacional, a avaliação do ICCO indicou que, apenas em março deste ano, o custo da tonelada de cacau em Londres subiu 47%, saltando de US$ 7.110 para US$ 10,45 mil em 30 dias — padrão similar ao registrado na bolsa de Nova York, que teve alta de 44%. No ano passado, a variação em Londres no mês foi de apenas 4% e a mesma medida do produto variou de US$ 2.574 para US$ 2.670 — em Nova York, a diferença foi de 3%.
Impacto na indústria. Para Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau), até este momento, a alta do preço do cacau não afetou a demanda nacional, mas tem impactado custos das empresas que estão adquirindo produtos em patamares muito superior aos praticados no ano passado.
Houve desabastecimento para o mercado nacional. A projeção para o ano do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgada em dezembro de 2023 era de que a safra brasileira de cacau chegasse a 297,3 mil toneladas, um aumento de 2,3% em comparação ao ano anterior. Segundo AIPC, entretanto, o Brasil sofreu queda na moagem no primeiro trimestre em razão da redução da produção nacional, trazendo desabastecimento inclusive para o mercado nacional.
O preço não pode ser o parâmetro para investimento. Esse valor atual é circunstancial por conta do momento da oferta. Esse momento, porém, vai ajudar nos investimentos para melhoramento da produtividade das áreas tradicionais e surgimento de novas áreas.
Anna Paula Losi
De olho no Brasil
Não dá para fazer previsões, mas cenário pode atrair investimentos. Devido à instabilidade do mercado atual de amêndoas de cacau, a presidente da AIPC diz que é difícil fazer previsões, mas vê outro impacto importante da situação: o aumento do interesse de investidores na produção de cacau brasileiros.
O Brasil tem um potencial grande de crescimento na produção de cacau, e isso tem chamado a atenção de diferentes atores da cadeia [produtiva]. Há alguns anos, governo, indústria moageira, indústria chocolateira e produtores têm trabalhado em parceria para aumentar a produção nacional
Anna Paula Losi
Investimentos devem ser usados para melhorias. Esses recursos e projetos estão focados em melhorias nas áreas já existentes de plantio, como as do sul da Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia, mas também em assistência técnica, renovação das áreas e melhoria dos adensamentos.
Novas áreas de plantio. Losi reforça ainda que estão surgindo produção em novas áreas, em "regiões não tradicionais, com foco no cultivo do cacau para recuperação de áreas degradadas" e que o país, "nos próximos anos, tem potencial de voltar a produzir volume que atenda o mercado interno e o de exportação" — o que incluiria ampliação inclusive para "o comércio internacional de produtos industrializados."
Competitividade nacional. O docente Lima Júnior avalia que o Brasil pode "aproveitar as margens positivas e desenvolver um programa de incentivo à competitividade nacional, com a inclusão de tecnologias e aprimoramento na gestão e manejo", compensando a perda competitiva de outros anos.
A queda nos preços foi seguida da redução tecnológica na área agrícola, condição que se faz visível no baixo volume produzido por hectare entre os pequenos produtores quando comparados com empresas que adotam técnicas de cultivo e produção mais avançadas.
José Carlos de Lima Júnior
Diversificar produção. Focar na produção de cacau de nicho, como cacau fino ou de aroma, ou orgânico seria outra iniciativa indicada, capaz de beneficiar tanto o produtor quanto os consumidores em busca de alimentos diferenciados.
O risco de queda nos preços sempre existe. Nada sobe para sempre, bem como nada cairá para sempre. Por isso, tão importante quanto investir em um sistema de produção tecnologicamente mais avançado, é fundamental adotar gestão de risco, com atenção aos custos na formação do preço final.
José Carlos de Lima Júnior
Cacau em ação
Produção de cacau em São Paulo. O último Censo Agropecuário do IBGE, de 2017, registrou 93 mil produtores de cacau, sendo 93% deles sediados nos estados da Bahia e do Pará e 84% das lavouras cultivadas em menos de 50 hectares. De lá para cá, entretanto, programas como o Projeto Cacau SP, lançado em abril pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo(SAA), tem tentado mudar um pouco essa balança.
Parceria com governo federal. Feito em parceria com a Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por meio da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), o programa tem implantado a cacauicultura no Planalto Paulista e no Vale do Ribeira.
Desenvolvimento do setor de cacau. O Mapa também vem se mobilizando em outras frentes e o país sediou na quinta-feira (9) o Inova Cacau 2030, em Brasília-DF. O evento discute as estratégias inovadoras e colaborativas para o desenvolvimento do setor de cacau nos próximos anos e integra o CocoaAction Brasil, iniciativa da Fundação Mundial do Cacau (WCF).
Busca pelo cacau sustentável. A proposta do WCF é unir "esforços dos distintos elos da cadeia para acelerar o desenvolvimento do setor produtivo e consolidar o Brasil como origem de cacau sustentável para o mundo". O plano, dividido em duas fases (estratégico e tático-operacional) vai atuar em quatro eixos:
- Econômico-produtivo;
- Social;
- Ambiental e
- Governança
Entre as metas, estão "aumentar a eficiência produtiva da cacauicultura brasileira e a renda dos produtores para superar a produção de 400 mil toneladas de cacau ao ano" até 2030.