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Hambúrguer de bagaço? Empresas criam opções para aproveitar 100% da fruta

Plantação de laranja Imagem: Thomas Grubler/Unsplash

Danielle Castro

Colaboração para o UOL, de São Paulo

24/05/2024 04h00

Maior produtor mundial de suco de laranja, o Brasil tem investido em inovação e encontrado destinações práticas e criativas para os excedentes, incluindo cascas, polpa, sementes, gominhos, flores, folhas e até bagaço. Com um aproveitamento que chega a 100% do produto, a indústria tem proposto alternativas que vão muito além da ração animal, com ingredientes novos e de alto valor agregado para alimentos plant based, como hambúrgueres e ketchup; combustíveis de biomassa e até medicações cardiovasculares.

O investimento em pesquisa é feito por empresas do setor em parceria com as principais universidades e instituições públicas do país ligadas ao agro. O objetivo é uma produção sustentável (e mais lucrativa), com redução máxima de desperdício e um significativo ganho de produtividade na cadeia de citrus.

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Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Citrus BR, associação nacional dos exportadores de suco cítricos, destaca que o grande diferencial do setor é a origem sustentável do produto. "É uma maneira de gerar receita em cima de tudo [na cadeia de citros] com um produto que é natural e todo mundo gosta", afirma. A Citrus BR converge os responsáveis por 75% do comércio global de cítricos (incluindo 34% da produção de fruta e 60% da produção de suco) e tem entre seus associados diversas pesquisas de inovação em curso, além de subprodutos já consagrados pelo mercado.

Além da alimentação animal, temos, por exemplo, a pectina, utilizada em iogurtes, e uma indústria já bastante consolidada de fragrâncias, aroma de laranja para o que a gente come e o que a gente usa como perfume.
Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Citrus BR

Metades da laranja

Bagaço vira alimento. Na Citrosuco, por exemplo, que responde por 22% do suprimento mundial de suco de laranja, excedentes como bagaço, casca, folhas, flores e sementes tem virado bases utilizadas em mais de 90 aplicações, inclusive alimentos como ketchup, maionese, calda de chocolate, smoothies variados e hambúrguer vegano.

Só metade vira suco. Segundo a gigante, apenas 50% da produção total do Brasil vira suco e a outra parte "é geralmente utilizada em produtos de baixo valor agregado como na composição de ração para gado, óleos essenciais."

Aproveitar a outra "metade dessa laranja" com produtos de maior retorno, portanto, abre novos caminhos para o setor. Os ingredientes feitos com excedentes de citros se enquadram nos chamados "clean label", produtos definidos por sua origem natural e pelas texturas e sabores reconhecíveis pelo consumidor.

Produto para multinacional. No caso da Citrosuco, a matéria-prima é destinada à multinacional Evera, empresa do grupo que já nasce com faturamento estimado em US$ 150 milhões e um portfólio de 18 itens. Em nota divulgada, John Lin, Chief Operating Officer da Evera, destacou o otimismo em um mercado no qual o desejo dos consumidores por alimentos e bebidas mais naturais, saudáveis, sustentáveis e nutritivos é crescente.

"Acreditamos que com nossos produtos iniciais já competiremos num mercado de cerca de US$ 12 bilhões na largada. As categorias onde iremos oferecer nossos produtos têm uma previsão de crescimento entre 7% e 12%,", avalia.

Polpa que rende

Produção de texturizante natural. Sediada nos EUA, a empresa compartilha, nesta primeira fase, da estrutura da matriz Citrosuco nas cidades de Matão, Araras e Catanduva, interior paulista, para fazer os ingredientes exclusivos. Um deles é o chamado "Fiberfeel", uma fibra com aspecto de purê extraída da parte mais nobre da laranja, que atua como texturizante natural para geleias, pães, doces, molhos, recheios, entre outros. O produto é fornecido em dois formatos que se diferem pelo sabor e carga calórica: a versão "OP" (com gosto original da laranja e mais doce) e a "OF" (paladar neutro e baixo índice calórico).

Frescor da laranja. Há ainda o "Tastelift", oriundo da casca da fruta e usado para realçar o sabor e o frescor natural da laranja em sucos e néctares, mas também aplicado a molhos, coberturas, recheios e sobremesas.

Produtos são o resultado de pesquisa e investimento. Os produtos viabilizados são fruto de oito anos de pesquisa e cerca de US$ 9 milhões em investimento e contaram com a parceria de entidades e universidades brasileiras e estrangeiras, incluindo startups de Israel e do Vale do Silício (EUA) e da holandesa Wageningen University, referência global em agritech e foodtech.

Gastronomia Rural

Aproveitamento total das frutas é uma tradição nas fazendas. Aproveitar sementes, bagaço e cascas de laranja para a fabricação de outros alimentos é uma tradição nas fazendas e vem ganhando força com o mercado consumidor gerado pelo Turismo Rural. Entre os produtos mais procurados estão os de confeitaria, como os cristalizados e licores, e os de bem-estar, como os óleos essenciais.

Bom para o coração

Os resíduos da laranja também rendem um extrato para proteção cardiovascular. Segundo uma pesquisa de 2018 do Laboratório de Bioprocessos do Departamento de Alimentação e Nutrição (Depan), da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade de Campinas (Unicamp).

Pesquisa comprova a eficácia do extrato. Na ocasião, a doutoranda Amanda Roggia Ruviaro, formada em farmácia e então mestre em Ciência de Tecnologia de Alimentos, submeteu os resíduos da laranja a diferentes processos enzimáticos e conseguiu promover no produto maior atividade antioxidante e de proteção cardiovascular. Os extratos obtidos foram capazes de induzir o relaxamento arterial mesmo em situações de estresse oxidativo vascular.

Se produzido em escala industrial pode reduzir descartes no ambiente. A descoberta comprovou que o produto nutricional originado tem baixo custo de produção e poderia contribuir para o tratamento de doenças vasculares, como hipertensão e doença vascular periférica. Além disso, se feito em escala industrial, pode ajudar a consumir a biomassa geralmente descartada no ambiente.

Mudanças climáticas e produção

Queda na safra. Apesar das boas perspectivas trazidas pela inovação para o setor, a produção de citrus brasileira deve ter queda brusca na safra 2024/2025 no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro. A previsão da 10ª Pesquisa de Estimativa de Safra (PES) do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) indica que a região vai colher 232,38 milhões de caixas de 40,8 quilos cada, o que representa 24,36% a menos que a colheita anterior.

Seca é um dos fatores. O resultado está ligado ao forte impacto das mudanças climáticas, sobretudo pela escassez de chuva dos últimos anos. Segundo Vinicius Trombin, coordenador da PES do Fundecitrus, os produtores têm reagido a esse cenário investindo em tecnologia, sobretudo de irrigação para indução da florada quando há déficit hídrico.

Desde 2015 até hoje, nós tivemos um aumento de mais 11 pontos percentuais na área irrigada. Tínhamos 25% irrigado e, agora, temos 36% [em média]. Nas regiões que têm déficit hídrico maior, como o Triângulo Mineiro, o uso do sistema de irrigação chega a 85% da área irrigada.
Vinicius Trombin, coordenador da PES do Fundecitrus

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