Maria da Conceição formou economistas e chamou Bolsonaro de fascista
Maria da Conceição de Almeida Tavares, de 93 anos, foi uma premiada economista, matemática e escritora luso-brasileira. Militante da esquerda, ficou conhecida, entre outras coisas, por sua postura combativa ao capitalismo brasileiro. "Eu era muito discreta [...] Agora não sou mais tranquila, eu fiquei brava no Brasil", disse a economista em seu documentário biográfico Livre Pensar (2019), do cineasta José Mariani.
Ao longo de sua vida, a economista trabalhou na elaboração do Plano de Metas na gestão do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), foi deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores e lecionou na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Chegada ao Brasil
Nascida em Portugal, Maria da Conceição cresceu em Lisboa, com uma mãe católica e um pai que abrigava em casa refugiados da guerra civil espanhola, na era Salazar. Foi a ditadura, inclusive, que a fez se mudar para o Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro em fevereiro de 1954.
Naquela época, ela já era formada em Ciências Matemáticas pela Universidade de Lisboa. O clima de nacionalismo e as promessas de desenvolvimento urbano a inspiraram profundamente ainda no desembarque. "Acreditei que o Brasil iria ser uma democracia e uma civilização original dos trópicos. Eu realmente acreditei", comentou no documentário que retrata parte de sua vida.
Estudos sobre desigualdade
Em solo brasileiro, não conseguiu a equivalência de diplomas que lhe permitiria dar aulas em universidades, o que a fez começar a trabalhar como estatística no Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC), atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1955. Logo depois, ingressou no curso de Economia na instituição que, hoje, é a Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Em 1958, tornou-se analista-matemática do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), onde trabalhou até 1960, elaborando um estudo matemático sobre a distribuição de renda no Brasil. Lá, deu seus primeiros passos em direção aos estudos sobre distribuição de renda, capitalismo e desigualdade social brasileira.
"Quando saí de Portugal, os problemas lá eram democracia, humanismo, terror. Já no Brasil, eram injustiça social, o atraso e a presença do imperialismo", comentou no documentário Livre Pensar.
Entre 1958 e 1960, Maria da Conceição foi também membro do Grupo Executivo de Indústria Mecânica Pesada (Geimape), um dos coletivos que surgiram no governo JK. Ela trabalhava no Conselho do Desenvolvimento, grupo de planejamento que respondia diretamente à Presidência da República, encarregado de elaborar e coordenar os programas setoriais definidos pela política econômica do governo.
Em 1968, foi enviada para o escritório da Cepal no Chile, e foi convidada a lecionar na Escolatina, ligada à Universidade do Chile. Sua mudança também impediu que fosse punida pelo AI-5 da ditadura militar instalada no Brasil. Já de volta ao Brasil nos anos 1980, Maria da Conceição Tavares se tornou um dos principais nomes da assessoria econômica do PMDB. Ela lecionava no Instituto de Economia da Unicamp, onde ajudou a implantar os cursos de mestrado e doutorado.
Mandato na Câmara dos Deputados
A carreira de Maria da Conceição contou com uma breve passagem pelo Legislativo. A professora foi eleita deputada federal pelo PT-RJ na legislatura 1995-1999. No parlamento, ela se destacou como uma crítica feroz da política econômica implantada pelo governo da época, chamando atenção dos colegas parlamentares para os riscos da política cambial e para a destruição do patrimônio público nacional. Após o término de seu mandato, não quis concorrer à reeleição.
Formação de líderes
Ao longo de 60 anos, Maria da Conceição formou gerações de economistas e líderes políticos brasileiros. Entre eles José Serra, Carlos Lessa, Edward Amadeo, Aloísio Teixeira, Luciano Coutinho e Luiz Gonzaga Beluzzo. Na eleição presidencial de 2010, a professora viu dois ex-alunos chegarem ao segundo turno: José Serra e Dilma Rousseff.
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Quero receberEm 2005, ela se juntou a outros grandes economistas, Luiz Gonzaga Belluzzo e Rosa Freire d'Aguiar Furtado, para fundar o Centro Celso Furtado, com o ideal de instituir uma espécie de think tank para propor ao PT iniciativas em prol do desenvolvimento brasileiro.
A organização foi apoiada desde a sua fundação por quatro empresas públicas: BNDES, Petrobras, Caixa Econômica Federal e Eletrobras, a que se juntou o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 2010. Sobre Jair Bolsonaro, ela disse quenão se trata de um conservador, mas de um fascista.
Livros publicados
Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (1972); Acumulação de capital e industrialização no Brasil (1986); Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira (1998); Poder e dinheiro (1997); (Des)ajuste global e modernização conservadora (1993); "Uma reflexão sobre a natureza da inflação contemporânea", com Luiz Gonzaga Beluzzo (1986).
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